A literatura tem considerado que o engajamento na comunicação pode oportunizar ao aluno o uso efetivo do vocabulário e da gramática explicitados em aula e a prática dos mesmos em contextos comunicativos (Pica et al., 1996:60). Essa interação contribuiria para que o aluno refinasse seu conhecimento das regras da língua-alvo, expandido os sistemas gramatical e discursivo da interlíngua. Entretanto, até bem recentemente, embora se buscasse uma abordagem comunicativa no ensino de línguas na escola, a implementação de um programa legitimamente sócio-interacionista era difícil. Tal dificuldade advinha, por exemplo, do pouco uso da língua-alvo fora da sala de aula. Como se sabe, na escola pública, especialmente, naquelas fora das grandes metrópoles, o contato com falantes nativos é praticamente nulo e a interação com professor e colegas torna-se a única e (às vezes) rara fonte de uso da língua. Nesse caso, a língua-alvo raramente é usada como ‘forma de se estar no mundo’, como um sistema sóciossemiótico que nos possibilita produzir significados relevantes para falantes e ouvintes, escritores e leitores, mas sim como uma disciplina objeto de estudo, um sistema de regras abstratas a serem aprendidas adequadamente e que não fazem parte de nossa educação global. Ao longo do tempo, a sala de aula de língua estrangeira foi se construindo como uma impostura. Nesse contexto, fora dos centros economicamente afluentes, é que a maior parte dos formandos de Letras da UFSM vivem, estudam, estagiam e, mais tarde, inserem-se como professores.Ao chegar à faculdade, especificamente no caso do Curso de Letras da Universidade Federal de Santa Maria, há o agravante de que, muitas vezes, alunos da Licenciatura de Inglês assumem uma postura passiva no processo de aprendizagem, eximindo-se do direito e da responsabilidade pela produção de sentido no uso da língua-alvo. Tal assujeitamento no processo de construção do saber parece resultar de um modelo hegemônico de escola que os formou e que consagra a norma, o discurso da autoridade e o saber como transmissível e existente aprioristicamente. Nesse modelo, seria suficiente a nossos formandos absorver, dos professores, as regras da língua-alvo e depois, já como futuros professores, retransmitir essas regras em uma corrente infinita. Seu trabalho como professor de língua estrangeira na escola estaria satisfatório.
No entanto, a atualidade demanda muito mais. A mídia nacional anuncia a premência de se repensar, no país, o ensino escolar e a formação de professores para fazer frente aos desafios de um mundo pautado pela força econômica dos grandes centros. Embora tenhamos que desafiar a naturalização do discurso que diz que teremos de nos inserir em uma sociedade tecnológica, é bom que explicitemos e reflitamos sobre os debates correntes nos grandes centros econômicos, que têm gerado relatórios e ações práticas, na preocupação de educar cidadãos para dar conta de uma sociedade altamente especializada e dependente de conhecimento atualizado (Padilla, 1997). Segundo O livro branco sobre a educação e a formação na União Européia (Comissão Européia, 1995:37):
A mundialização das trocas, a globalização das tecnologias e, em particular, o surgimento da sociedade da informação aumentaram as possibilidades de acesso dos indivíduos à informação e ao saber. Mas, ao mesmo tempo, todos estes fenómenos produzem uma modificação das competências adquiridas e dos sistemas de trabalho. Para todos, esta evolução aumentou a incerteza. Para alguns, criou situações de exclusão intoleráveis.
...na sociedade europeia moderna ... três obrigações que são a inserção social, o desenvolvimento das aptidões para o emprego e o desenvolvimento pessoal não são incompatíveis, não são contraditórias e devem, pelo contrário, estar ligadas intimamente. De entre as medidas que serão aplicadas a partir de 1996 no plano europeu, as principais iniciativas propostas visam: ...dominar três línguas europeias. Exemplo de acção preconizada: definição de um rótulo de qualidade e entrada em rede das escolas que tenham desenvolvido mais a aprendizagem das línguas. No caso dos EUA, a estrutura social é essencialmente econômica e com base na questão ‘qual sua profissão?’ (Stuckey apud Bizzel). Nesse caso e em muitas outras sociedades baseadas no liberalismo econômico, a estrutura social é injusta, pois o poder econômico está concentrado em pontos específicos da estrutura. Tais sociedades estão mudando seu foco de atenção da produção de bens de consumo para a produção de informação, e assim as habilidades comunicativas da linguagem tornam-se cruciais no sucesso nessas sociedades. Se esse é o futuro que nos espera, então o papel do professor de línguas é essencial na sociedade, ainda mais se pensarmos que as habilidades comunicativas não são distribuídas igualitariamente em relação ao privilégio econômico que essas habilidades podem trazer (Idem).
Para formar alunos com novas competências, especialmente em línguas estrangeiras, o professor do novo século deverá ser visto como um ‘intelectual transformador’ (Giroux, 1997: 28-29), que desenvolve:
pedagogias contra-hegemônicas que não apenas fortalecem os estudantes ao dar-lhes o conhecimento e habilidades sociais necessários para poderem funcionar na sociedade mais ampla como agentes críticos, mas também educam-nos para a ação transformadora da sociedade. Pensando nessas questões que se avizinham com urgência e buscando compreender melhor essa questão, coloquei como meta a reflexão sobre fatores intervenientes na formação do professor de língua estrangeira atualmente. Dentre eles, destaco como palavras-chave ‘produção do saber’, ‘aprendizagem’, ‘criticidade’, ‘autonomia’ e ‘tecnologia’.
Minha contribuição a esse simpósio vem na forma de uma discussão sobre a interface entre essas questões. Uma pergunta central se coloca aí:
“Como criar um contexto comunicativo, reflexivo e crítico para aprendizagem de língua
estrangeira no curso de Letras?”Em última instância, tento elaborar algumas conclusões sobre a validade do uso do meio eletrônico na produção textual em língua estrangeira em relação a três questões: 1) ensinar língua estrangeira no Curso de Letras é ensinar a aprender; 2) formar futuros professores é desenvolver capacidades de refletir, criticar e discursar 3) construir conhecimento depende das tecnologias intelectuais como a escrita, inclusive as virtuais.
Neste trabalho discuto uma proposta de ensino reflexivo e comunicativo que utiliza a interação escrita eletrônica como base, através de um programa de chat (ICQ)2 , em uma turma de inglês de penúltimo semestre do Curso de Letras da UFSM. Os participantes discutem textos publicados em Lingüística Aplicada que foram lidos com
antecedência.
Student 4 enters the chat
Student 12 enters the chat
Student 01 enters the chat
Student 11 enters the chat
<Student 01> Hi, I’m Cher.
<Student 11> I’m Ricky.
<Student 12> Hi everybody, I’m Julian.
Student 13 enters the chat
<Student 13> I’m Sue.
<Student 4> I’m Leonardo.
<Student 4> let’s start the discussion. What’s the first topic for today?
<Student 01> The first one is about box 16.2.
<Student 13> yeah, go aheadFigura 1 - Exemplo do que aparece na tela do computador de cada participante do 'chat'3 Essas sessões de chat foram armazenadas no computador e posteriormente analisadas. O foco da análise recai sobre o processo de construção de significado e a contribuição de cada aluno para a negociação entre os membros como forma de construir conhecimento sobre a língua estrangeira e sobre a disciplina.
1 O desenvolvimento da criticidade e da capacidade de reflexão como alavancas na produção de conhecimento do futuro professor
Pesquisas sobre aprendizagem mediada pelo computador têm enfatizado o papel da tecnologia em estimular a aprendizagem colaborativa do aluno, encorajando a busca de soluções de problemas através da interação com a máquina e com os colegas, com menos dependência da professora (além de uma atitude mais positiva com colegas do sexo oposto) (Light, 1993:49).
O meio eletrônico tem contribuído com o ensino ao oferecer um contexto virtual que só existe pela interação e negociação entre os alunos (Deus et al., Aragón). No caso dos chats (‘conversa’), como a interação é síncrona, mas não face-a-face, ela se baseia em negociação de pontos de vista via língua escrita. Nas aulas de inglês que
reportamos neste artigo, o chat se constitui em um espaço de interação em que a fluência da interação é mais importante do que a correção ortográfica ou gramatical das participações. A necessidade de se elaborar a negociação e o esclarecimento sobre questões surgidas durante a leitura dos textos parece contribuir sobremaneira para a construção da autonomia do aluno como sujeito que busca refletir criticamente e negociar decisões ao longo de um processo de aprendizagem colaborativa em que cada membro do grupo compartilha a responsabilidade pela aprendizagem.Na Figura 1, um a um os participantes vão interagindo com o grupo, apresentando-se e tentando iniciar o debate. O Aluno 01 sugere ao grupo um tópico e o Aluno 13 encoraja-o a iniciar. A Figura 2 também exemplifica o tipo de solidariedade que se estabelece em relação às competências lingüísticas de cada membro do grupo:
<Student 12> but where is Lisa, Zane and Patrick? (…)
<Student 3> i don’t know,they are very late 1 in your opinion can we start’
<Student 12> by the way, I read the chapter and we have to focus on the specifi topic D. ask us to discuss, isn’t it?
<Student 12> the first topic is: “ the professional teacher need to develop theories, awareness of options, and decision-making abilities”
<Student 3> pay attention in my writing, it’s terrible. sorry,I was tryuing writing something. We can start
<Student 12> Oh..just write, don’t worryFigura 2 - Comentários que evidenciam o foco na comunicação Na interação entre pares, o aluno tende a se sentir menos ansioso do que na interação aluno-professor (Light, 1993:44), além disso, o texto produzido em uma aula com chat resulta do esforço conjunto em prol de um objetivo grupal: alcançar explicações satisfatórias ao grupo sobre questões específicas.
Eu me sinto bem à vontade nos chats sem a presença do professor porque nós podemos opinar sobre as leituras teóricas sem ter medo de escrever ou falar algo errado, sendo que o professor não está junto para corrigir-nos. Também me sinto à vontade pelo fato de ser uma discussão pelo computador onde não temos que falar pessoalmente com os colegas e sim escrever, é uma aula interativa. Sinto falta do professor em alguns momentos, porque às vezes tenho dúvidas a respeito do assunto a ser discutido, mas sinceramente prefiro a aula sem a presença do professor.
Às vezes os chats são um pouco confusos, porque não nos encontramos nas questões,
precisaria de alguém para nos orientar. Por outro lado isso é bom porque temos que nos
virar e discutir sozinhos.
Acho que no chat me sinto mais à vontade, pois consigo colocar minhas idéias com mais liberdade, sem tanto medo de falar algo que possa estar errado. Não sinto falta do professor durante o chat, e quando ele está, eventualmente presente, me sinto um pouco confusa e insegura, pois a qualquer momento ele pode em perguntar algo que eu talvez não saiba explicar. Acho melhor quando as perguntas são propostas antes de lermos o capítulo, pois assim podemos direcionar mais nossa leitura para o que é realmente mais relevante e discuti-las com os colegas.Figura 3 - Avaliação de um dos alunos ao final do curso Essa turma de último ano da Licenciatura Português-Inglês demorou algumas sessões para se adaptar à nova modalidade de aula: 1) sem a tradicional figura da autoridade da professora, 2) de forma menos normativa e prescritiva do que até então eles conheciam e 3) com uma recontextualização da sala de aula, em que eles não seriam alunos cujo papel seria ‘apenas’ ouvir ou seguir instruções, mas teriam que assumir um papel mais ativo e ‘profissional’ na construção do seu conhecimento.
A interação na língua-alvo em torno de um conteúdo teórico na área de Lingüística Aplicada, debatido ao longo do semestre nos chats, tem surtido um duplo efeito: 1) o grupo tem a oportunidade de ler, refletir e discutir sobre as teorias em voga na área e 2) cada aluno tem a oportunidade de, através da interação com os colegas com foco no conteúdo, trabalhar seu conhecimento e sua produção escrita na língua-alvo, desenvolvendo a consciência
metalingüística e as habilidades de revisão e correção.Na interação mediada por computador, cria-se uma relação alternativa aluno-aluno e aluno-grupo que se torna benéfica para a mudança no tipo de participação do aluno na aula: de receptador de informação a construtor de conhecimento. Ao propor a discussão escrita em inglês sobre conteúdos teórico-práticos referentes ao ensino/aprendizagem da língua estrangeira, o foco se desloca da forma do sistema da língua para se concentrar no conteúdo do discurso, na negociação dos conflitos4 de opinião que aparecem.
De acordo com Coulthard (1985:125), tradicionalmente há uma estrutura tripartite básica para a sala de aula: Pergunta, Resposta e Reforço (Initiation-Response-Feedback, em Sinclair & Coulthard, 1975). O professor faz perguntas, dá informações, faz correções, dá instruções, avalia/critica o aluno. O aluno basicamente responde a perguntas individualmente ou em grupo, faz silêncio, interage desordenadamente em função ou não da tarefa prevista,
brinca e ri (Chaudron, 1988:32-3).No contexto eletrônico, há um rompimento na verticalidade dessa relação, na medida em que cada membro do grupo ocupa um lugar virtual e pode negociar sua participação de forma mais isonômica: colaborando e interagindo em pares ou grupos através da língua estrangeira. O deslocamento do centro de atenção do professor para o grupo contribui para o desenvolvimento da autonomia e do pensamento crítico do aluno, já que o andamento da aula e a compreensão do conteúdo depende da negociação do grupo sobre o rumo a ser tomado na interação e a compreensão conjunta da leitura.
<Student3> Fiona iam celia. What do you thing about ‘enriched reflection’?
<student9> Celia I don’t remember anything about this, could you give me your opinion?
<Student3> fiona for me it’s a kind of a model of teacher learning (…)
<student02> I’m Ricky, and I think ‘enriched reflection’ is theory and practice together, I mean the integration with the reflexion and the experiences.Figura 4 – A discussão se dá em torno de categorias relativas à profissão Na Figura 4, o tópico em discussão diz respeito à definição do termo ‘enriched reflection’ (que pode ser traduzido a grosso modo como reflexão ‘enriquecida’ ou ‘informada’). O Aluno 9 tem dificuldade para avançar a discussão nessa passagem e o Aluno 3, em primeiro lugar, e o Aluno 2 logo após, tentam ajudá-lo a reelaborar o conceito em questão.
<Student 12> I think questioning is esxtremaly important in a classroom because it means interaction and understanding.
<Student 13> I think we must do it because we must check what our students had learned
<student01> Or to check or test understanding…
<Student 13> yeah, It is a way to make students interact in the classroom (…)
<Student 13> We must do them feel confortable and encourage their self-expression (…)
<Student 13> it is the only way to check or test understanding (…)
<student01> …is very important in my point of view. (…)
<student11> it is also important for us to see what they learned and what we have to re-teach. (…)
<student4> I think questining is important because students get stimulated in participating in class (…)
<Student 12> Sorry, but I don’t think that question is the only way that tests understanding
<student4> and then they feel that their participation is important for the development of the class (…)
<Student 13> I mean we have to question them to promote interaction and to make them feel confortable to express their ideas…Figura 5 - Negociação de pontos de vista como instância de aprendizagem Reconhece-se aqui o papel da negociação de conflitos na construção do conhecimento, ao possibilitar ao grupo elaborar conceitos via chat virtual sem o auxílio da professora, levando o aluno a vislumbrar posições autorais sobre suas idéias (Fisher, 1993:57, 60). Ao defender posições às vezes discordantes no grupo, o aluno contribui para o
avanço da discussão pois tem que argumentar pelo seu ponto de vista. Aí se estabelece a oportunidade de verbalizar questões teóricas, ao mesmo tempo que se possibilita a reestruturação da linguagem, conforme as duas contribuições sublinhadas do Aluno 13 na Figura 5.Pode-se considerar que um aluno autônomo reflete criticamente, negocia decisões e interage dinamicamente durante seu processo de aprendizagem. A introdução da tecnologia na sala de aula de inglês parece contribuir para isso ao mesmo tempo que motiva o aluno a usar a língua estrangeira para a comunicação efetiva.
2 Tecnologia e interação
A introdução da tecnologia na sala de aula de línguas parece enriquecer o padrão de interação dos alunos, numa passagem de um ‘padrão passivo de absorção da língua-alvo e aderência a comportamentos clássicos de sala-de-aula’ para um ‘padrão ativo de aprendizagem baseado em iniciativa, produtividade e estratégias comunicativas de negociação de sentido’. A criação de um ambiente comunicativo, reflexivo e crítico parece se dar em função das alternativas oferecidas pela virtualidade do ambiente à dinâmica da sala de aula tradicional, onde o professor posta-se à frente dos alunos. No chat não há definições de espaço e qualquer um pode fazer sua contribuição ao grupo em qualquer momento, dependendo apenas de fatores como disposição, interesse, disponibilidade, habilidade de ler
o material de referência, manejar o teclado e o programa ou ainda escrever em inglês.Para Kumaravadivelu (1994:33-4), a interação efetiva pode ser categorizada como negociação de sentido por meio de atos de fala como ‘esclarecimento’, ‘confirmação’, ‘verificação da compreensão’, ‘pedidos’, ‘reparos’, ‘reação’ e ‘tomada de turno’. Nos chats, é possível observar essa movimentação retórica, conforme se observa nos exemplos da Figura 6:
‘confirmação’ e ‘esclarecimento’
<student6> people, presentation is when we are going to present ourselves to our students?
<student02> no, when we are presenting new material for them.
<student9> Sometimes the presentation could occur after the practice. It’s interesting because the students discovered by themselves the knowledge.‘verificação da compreensão’
<student7> Iinput is a process where information enters in a systen and intake is a process of taking sth in. Did you understand? (...)
<student9> Ok, now I understood, thank you….‘pedidos’
<Student3> Fiona iam celia. What do you thing about ‘enriched reflection’?
<student9> Celia I don’t remember anything about this, could you give me your opinion?
<Student3> fiona for me it’s a kind of a model of teacher learning (…)
<student02> I’m Ricky, and I think ‘enriched reflection’ is theory and practice together, I mean the integration with the reflexion and the experiences.‘reparos’
<student9> Which tasks do you are talking, Mari? (...)
<Student3> Fiona I’m not Mari I am Celia.Figura 6 - Exemplos de atos de fala de interação em chats O uso da língua-alvo pelo aluno na sala de aula, ao se engajar com o material e com seus colegas, é um fator importante no processo de aprendizagem (Wajnryb, 1992: 54). Em especial, a modificação conversacional (Doughty & Pica, 1986) refere-se aos vários meios pelos quais o aprendiz negocia significado de forma a tornar-se compreensível e relevante como, por exemplo, confirmação da compreensão, pedido de esclarecimento, repetição (Wajnryb, 1992: 55-6). A suposição aqui é a de que quando o aluno é compelido a negociar significado, esse processo torna-se um fator importante na aprendizagem.
A interação possibilitada pela sessão de chat é genuína e o foco no conteúdo da disciplina e na fluência ao invés de na correção parece trazer benefícios para a aprendizagem (Chaudron, 1988). A idéia é de que pode ser contraproducente a insistência em uma aprendizagem ‘bottom-up’, i.e., com ênfase exacerbada no desenvolvimento de habilidades básicas - como o controle da forma gramatical perfeita da língua, antes que aprendizagens mais interessantes e complexas possam ser desenvolvidas – como a discussão de pontos-de-vista e o trabalho com o computador (Fisher, 1993:73).
A adoção do chat na aula de inglês com alunos formandos parte do pressuposto de que a discussão e a interação são fatores fundamentais na construção do conhecimento. Na perspectiva sócio-interacionista de Vygotsky (1986:98-9), a construção dos conceitos está constantemente engajada em servir à comunicação, compreensão e emerge e toma forma nos processos de negociação de solução para um dado problema’.5
A maneira como os alunos usam definições, afirmações, etc, é resultado do contexto onde interagem em termos da liberdade que experimentam quando a professora não está na aula. É importante possibilitar ao aluno usar a língua-alvo de modo exploratório – em que cada participante da discussão engaja-se crítica, mas construtivamente no discurso dos parceiros e onde postulados e sugestões são oferecidas à consideração do grupo (Wegerif & Mercer, 1996:51).
Conclusão
Concluo lembrando que ensinar línguas comunicativa e criticamente no Curso de Letras é também possibilitar o acesso de futuros profissionais à linguagem e ao discurso da disciplina (Knott, 1998). Há obrigações éticas, políticas e científicas do profissional de Letras de devotar tempo a desenvolver competências comunicativas na língua que vai ensinar, a ser criticamente reflexivo e a (d)escrever seu trabalho. Isso significa um engajamento intensivo e seqüente, durante o Curso de Letras, em processos colaborativos de discussão e avaliação das teorias e práticas em curso (Knott, 1998)6 . Como ressalta Gee (1990:88), qualquer teoria envolve pressuposições sobre o modo como o mundo deve se organizar e quem cabe nesse mundo. Portanto, qualquer teoria é ideológica, pois tem o poder de conferir mais ou menos poder a quem a desposa. Assim, todo o professor deve ser capaz de cotejar pontos de vista teóricos e optar pelo mais interessante.
Considero que é nosso dever formar alunos que sejam capazes de aprender a aprender continuadamente, que tenham habilidades comunicativas na língua estrangeira e que tenham um conhecimento básico da comunicação no meio virtual. Nesse sentido, a validade do uso do meio eletrônico na produção textual em língua estrangeira parece se efetivar em relação ao desenvolvimento das capacidades de refletir, criticar e discursar e de construir conhecimento das tecnologias intelectuais virtuais. Nesses termos, o uso de recursos tecnológicos tem se mostrado útil no rompimento com padrões tradicionais de interação na sala de aula, levando o aluno a assumir posições mais ativas do que até então costumava fazer.
1O título original do abstract deste trabalho submetido ao II ENPLE era ‘De receptador de informação a construtor de conhecimento: O uso de chat e do e-mail no ensino de inglês para formandos de Letras’, no entanto, por limitações de tempo para a análise dos dados, não discutirei o papel do e-mail na aprendizagem de língua estrangeira. Essa questão será incluída em um texto subseqüente.
2ICQ é um programa de chat (conversa) que possibilita a vários usuários se conectar em um mesmo momento, estabelecendo um espaço virtual de reunião, onde todos podem inserir comentários escritos sobre o tema em discussão. A contribuição de cada participante vai aparecendo na tela de modo que todos possam ‘participar da conversa’. Ao final da sessão, pode-se gravar e guardar o texto resultante da conversa.
3Os nomes originais foram trocados.
4 ‘Conflito’ é visto aqui conforme a definição de Light (1993:51) ‘discordância quanto à estratégia’ a adotar.
5Mais recentemente, essa visão de aprendizagem como elaboração de conceitos tem sido recontextualizada em termos de aprendizagem como aculturação do aluno em práticas sócio-culturais específicas do meio escolar (Wegerif & Mercer, 1996:48). A aprendizagem colaborativa, através da discussão e da Interação, tem sido retomada com mais ênfase ainda como se pode ver em leis promulgadas em países economicamente afluentes como os EUA (como o ‘1988 Education Reform Act’, referido em Light, 1993:43).
6 Agradeço a Flávia de Oliveira (UFSM) pela indicação das referências de Bizzel e Knott para a elaboração deste trabalho.