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Usos da memória e do esquecimento na História

Enrique Serra Padrós [1]

Resumo

O presente artigo pretende discutir, à luz da experiência histórica, os usos da memória e do esquecimento, dentro da perspectiva da desmemória ou memória confiscada. O objetivo de tais reflexões é o de pensar o confronto memória-esquecimento colocado por diversos atores sociais e políticos nos países latino-americanos que, no passado recente, sofreram experiências de ditaduras de Segurança Nacional, aqui consideradas como situações-limite concretas por envolver práticas de extermínio, desaparecimento e terror de Estado.

Palavras-chave:  Memória – Esquecimento – Desmemória

Resumen

El presente  artículo se propone discutir, a partir de la experiencia histórica, las formas de utilización de la memoria y del olvido, desde la perspectiva de la desmemoria o memoria confiscada. El objetivo de estas reflexiones es el de poder pensar la contraposición memoria-olvido colocada por los diversos actores sociales y políticos de los países latinoamericanos que, en un pasado reciente, tuvieron experiencias de dictaduras de Seguridad Nacional, aquí comprendidas como situaciones-límite concretas fundamentadas por las prácticas de exterminio, desaparecimiento y terror de Estado.

Palabras-llave: Memoria – Olvido - Desmemoria

Quem controla o passado controla o futuro;

quem controla o presente controla o passado.

George Orwell - 1984

Introdução

A produção significativa de reflexões sobre a complexidade e diversidade das questões pertinentes à memória mostram que esta é uma temática cada vez mais recorrente numa sociedade marcada pela aceleração do instantâneo, pelo efêmero e pela crescente e notável diminuição de densidade temporal entre os acontecimentos e a sua percepção. O universo de possibilidades na sua abordagem é extenso, como demonstram as obras de Lowwenthal (1998) e Schacter (1999). Esta discussão pauta-se sobre os usos da memória e do esquecimento, dentro da perspectiva da desmemória (cujo sinônimo talvez seja o de “apagamento” [1] ), ou da idéia de memória confiscada, na pontual referência de Baczko (1999) à realidade polonesa do pós-Segunda Guerra. O intuito de tais reflexões é o de pensar, numa primeira aproximação, o confronto memória-esquecimento colocado por diversos atores sociais e políticos nos países latino-americanos que, no passado recente, sofreram ditaduras de Segurança Nacional.  

1. Os usos da memória

A palavra memória, de origem latina, deriva de menor e oris, e significa “o que lembra”, ligando-se, assim, ao passado; portanto, ao já vivido (GIRON, 2000: 23). Ao nível individual, a memória é a capacidade de um conjunto de funções psíquicas que possibilitam conservar certas informações, “graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (LE GOFF, 1996: 423).

Schacter (1999) usa uma expressão muito interessante para referir-se à memória: “um telescópio apontado ao tempo”. Mais do que isso, ao lembrar, o lembrador (expressão do autor citado) realiza uma viagem mental pelo tempo, revivendo algo já sucedido. Ao fazer isso, o lembrador pode libertar-se dos imperativos imediatos do tempo e do espaço, percebendo de novo o passado, e imaginando o futuro a vontade (p. 34-36). Alias, isto não é novo. Neste sentido, Lowwenthal (1998, cap. I) arrola autores e obras que escrevem sobre as possibilidades que as viagens no tempo têm colocado para a memória, inclusive, com o “lembrar o futuro”, esse paradoxo instigante com o qual o gênero da ficção científica, tanto através da literatura quanto do cinema, fertiliza o imaginário contemporâneo. Quando Schacter (1999) diz que a memória é o meio de transporte mental que permite a qualquer homem viajar no tempo cotidianamente, redimensiona, ao nível do senso comum, uma vontade imanente ao gênero humano e, ainda, um tanto futurista.

Entretanto, deixando de lado a ficção científica, em termos concretos a memória relaciona-se com a dimensão do tempo passado, estabelecendo uma necessária interação entre o esquecimento (apagamento) e a preservação integral do passado (TODOROV, 2000a: 18-19), na verdade, preservação impossível. Imaginar que exista alguém como Funes, o memorioso, de Borges (1976), personagem que retém a totalidade do que viveu, é tão inconcebível quanto outro, citado por Galeano (1999: 216), que “possuía tão má memória que um dia se esqueceu de que tinha má memória e se lembrou de tudo”. Sem dúvida, ambas as experiências tão improváveis quanto apavorantes.

No plano individual, através de critérios diversos, a memória tem a capacidade de selecionar, organizar e sistematizar lembranças daquilo que já foi vivenciado. A ação subjetiva de lembrar o passado acaba sendo tão rotineira no cotidiano de cada um que se perde a noção da necessidade de aferir a veracidade dessa rememoração. Mas, até onde  a iluminação gerada pelo projetor que focaliza certos acontecimentos não acorda imagens, sons e emoções que em realidade não são próprias do armazém de lembranças do indivíduo? Até onde essas lembranças são de fatos lembranças próprias ou até onde elas são importadas?

Em realidade, há muito tempo que está superada a perspectiva de que a memória é um atributo somente individual. Estudos de diversa origem disciplinar coincidem na experiência compartida da memória, ou seja, na sua natureza social. Mesmo quando envolvem experiências pessoais, as lembranças resultam da interação com outras pessoas (sejam na forma de objetos, palavras, etc.). Não só isso, a memória passa a ser um fator fundamental de identidade e de suporte dos sujeitos coletivos como desempenha, também, uma função importantíssima, tanto na preservação da experiência histórica acumulada, de valores e de tradições, como, em muitas situações, pretende ser a depositária da própria história (por exemplo, o caso dos griots africanos e das sociedades sem escrita, ou o das comunidades rurais marcadas pela manutenção de forte tradição oral). É inegável que, representando interesses de certos setores ou da comunidade como um todo, a memória, transformada em senso comum, é uma referência de coesão identitária e faz parte da cultura política de uma determinada sociedade.

Sendo uma construção ativa, dinâmica, a memória nunca é a repetição exata de algo passado. Trata-se, em realidade, de uma reconstrução que cada um realiza dependendo da sua história, do momento e do lugar em que se encontra. Mas cada um constrói a sua memória em ativa interação com os demais (DUSSEL, FINOCCHIO & GOJMAN, 1997: 119), ou seja, ligada às lembranças das experiências e aos laços afetivos de pertencimento a um determinado coletivo social. Tais laços produzem, induzem e reforçam lembranças comuns; ou seja, geram uma memória social. Desse modo, os diversos grupos sociais marcam a diferenciação entre si reforçando a consciência de fronteiras socioculturais vinculadas ao reconhecimento do pertencimento que, por sua vez, é criador de identidade (FÉLIX, 1998: 41). Portanto, a memória é uma construção e, como tal, é perpassada, veladamente, por mediações que expressam relações de poder que hierarquizam, segundo os interesses dominantes, aspectos de classe, políticos, culturais, etc. Isto não é produto do acaso; é sim, resultado da relação e interação entre os diversos atores históricos em um determinado momento conjuntural.

Apesar do senso comum predominante, persistem, dentro da memória coletiva, elementos que constituem uma espécie de resistência e contraponto. Tal fato caracteriza a memória como um espaço de disputa entre os atores históricos, na medida em que o senso comum não é a realidade em si (quer dizer, a verdade objetiva, como de fato ocorreu). Por isso, a memória, ao ser mais ou menos idealizada, exige a intervenção dos historiadores para revelar o real possível de ser alcançado. Se há interesses parciais definindo uma memória colocada como comum a toda uma coletividade, é evidente que elementos de tensão e questionamento certamente resultarão da ação do historiador sobre ela.

A memória, na medida em que se relaciona com o passado, constitui um elo indiscutível entre o presente e esse passado (que pode ter, inclusive, uma temporalidade difícil de precisar). Trata-se de uma espécie de ponte que conecta, articula e relaciona elementos temporais, espaciais, identitários e, também, históricos. Deve-se salientar ainda que, assim como a história não é neutra, também não há neutralidade nos registros da memória. As lembranças não são registros passivos ou aleatórios da realidade. Elas não são meros registros fotográficos dispostas num álbum mental; “não arquivamos instantâneas objetivas dos fatos acontecidos, senão que captamos o significado, o sentido e as emoções às quais se associaram tais experiências.” (SCHACTER, 1999: 20)

Por outro lado, diferentemente do que se pensa a partir do senso comum e até das perspectivas de algumas disciplinas, a memória não é sinônimo de história ou de realidade histórica passada (o que realmente foi). As contribuições de Halbwachs e depois de Nora (apud FÉLIX, 1998), apontaram para isso há tempo. Entretanto, a importância da memória para a história não é pequena pois ela constitui significativa fonte para o trabalho dos historiadores; as lembranças e reminiscências da memória coletiva auxiliam ao historiador que, com o rigor da sua metodologia de trabalho as transforma em valiosas fontes para a produção do conhecimento científico. Ou seja, a história identifica, contextualiza e analisa as memórias como fonte; entretanto, elas também podem ser o seu objeto de estudo. A esse respeito convêm observar o que diz Peter Burke (2000). Para ele, a memória tanto é fonte histórica, através da qual o historiador analisa a confiabilidade do que é lembrado (através do cruzamento com outras fontes e da contribuição particular da história oral), quanto desperta o seu interesse como fenômeno histórico, ou seja, uma “história social do lembrar” como objeto (identificando e analisando a variação dos princípios de seleção no tempo e no espaço assim como suas correias de transmissão). Já para Giron (2000), a memória é fundamentalmente matéria-prima presente, tanto no trabalho docente quanto no de pesquisa, e não produto final. De qualquer forma, a história se alimenta da memória e, evidentemente, pode tomá-la como objeto, matéria-prima ou ponto de partida; porém, não pode construir conhecimento exclusivamente a partir dela pois corre o risco de não avaliar corretamente o grau de parcialidade, subjetividade, superficialidade e deformação que pode conter, o que, é claro  pode comprometer o seu trabalho dentro da perspectiva do que sejam os parâmetros aceitáveis na produção de conhecimento histórico. Alertando para esse fato, Lowwenthal (1998) diz que a memória produz a revisão das próprias lembranças, fazendo uma espécie de depuração do que pode ser compreendido como inconveniente: “(...) a memória transforma o passado experimentado no que mais tarde pensamos que devia ter sido, eliminando as cenas não desejadas e adequando as prediletas” (p. 301). Por isso, a matéria-prima memória presta um grande serviço à história sempre e quando esta se debruçar sobre aquela, com o rigor metodológico adequado. Nessa perspectiva Hallbachs conclui que “ao acabar a memória, começa a história (história-conhecimento)” (apud FÉLIX, 1998: 42), no sentido de que ela, ao ter inteligibilidade explicativa, constitui-se, então, como conhecimento histórico.

A memória, tendo relação direta com o passado, manifesta-se, também, a partir das vicissitudes do presente, que ativa aquele passado ou o reconstrui a partir das suas necessidades e indagações. Entretanto, como bem lembra Lowwenthal (1998), sabemos que não podemos conhecer tanto a respeito do passado como conhecemos a respeito do presente. Por isso, o que já passou mantém sempre um relativo caráter de indecifrável: “O passado é o país estranho onde as coisas são feitas de forma diferente” (p. 280). O que significa reconhecer que o passado conhecido como tal nunca foi presente e sim reconstrução parcial do mesmo (o que não significa negar a possibilidade de, cientificamente, reconstruir, da forma mais próxima possível, o realmente acontecido).

Pode parecer que há uma certa ambigüidade na relação entre a história e a memória, resultante do fato de que as duas vinculam-se, por sua vez, com o passado; inclusive, pode até se inferir, às vezes, que há certa sobreposição entre as duas já que se a memória conta com informes de segunda mão sobre o passado, oferecidos pela história, esta, por sua vez, conta com testemunhos visuais e outras lembranças (produtos do exercício da memória). Porém, as diferenças são rigorosas e devem estar permanentemente presentes para o historiador, que tem pretensões de produzir um conhecimento científico. Segundo Lowwenthal (1998: 310), a história se distingue da memória pela forma de aquisição, transmissão, conservação, alteração e validação do conhecimento que ela produz  sobre o passado. Enquanto a História conta com o crivo das fontes empíricas para aferir, mensurar e avaliar a sua análise sobre o passado, a memória não tem como realizar esse caminho. A história, ao objetivar a compreensão de situações de natureza coletiva e ao explicar racionalmente o que o senso comum apresenta de superficial e emotivo, afasta-se da memória. Mas, entretanto, não a nega pois, como já foi visto, ela constitui uma matéria-prima básica sobre a qual se debruça na sua operação de análise e reflexão.

Assim como a memória valida a identidade pessoal, a história garante a autoconsciência coletiva. Mais, enquanto o conhecimento histórico apresenta significativa resistência à passagem do tempo (uma das principais razões da história é conservar o conhecimento do passado), a maioria das lembranças morrem com seus possuidores. Lowwenthal (1998) acrescenta, ainda, que a história diz coisas a respeito do passado que aqueles que o viveram não as (re)conheceram como seu presente; a memória não consegue fazer isso. Por outro lado, se é verdade que tanto a história quanto a memória focalizam o seu olhar retrospectivo sobre o passado a partir do presente, somente a história o faz de forma consciente. Enquanto o produto dessa sua revisitação do passado pode constituir novos conhecimentos científicos, as lembranças da memória no tempo inventam e descobrem novos fatos sem condições de enfrentar a aferição lógica dos mesmos. Quer dizer, tanto a história como a memória geram um novo conhecimento, mas somente a história se propõe a fazê-lo de forma intencional” (p. 311). Neste sentido, Le Goff (1996) coloca que há duas histórias. Uma, a produzida pela memória coletiva, que ele considera como sendo essencialmente temática, deformada, anacrônica, mas na qual a relação entre o presente e o passado nunca está acabada. A outra, é a história científica. Ou seja, Le Goff, mesmo não dissociando diretamente memória e história, o faz indiretamente através do seu produto. Por isso, conclama para que o conhecimento histórico produzido pelos historiadores de ofício, se posicione contra essa história tradicional falseada da memória coletiva. Portanto, conclui, a história (e aqui, para deixar bem claro, ele fala em contraposição à memória) deve dar inteligibilidade à memória, ajudando-a a retificar seus erros (p. 29).

Lembrar o passado é um elemento essencial na conformação da identidade, individual ou coletiva. A necessidade da lembrar é, talvez, a principal atribuição da memória. Sem memória não existiriam referências ou experiências. A memória individual que interage com a de outros indivíduos, vincula-se à memória do grupo, formando parte dessa memória coletiva. A lembrança individual tornar-se de domínio coletivo, assumindo os valores, a língua, os traços culturais e as vivências que passam a ser comuns, assim como a elaboração da memória e das novas lembranças (GIRON, 2000: 27). São os indivíduos que lembram, mas são os grupos sociais que determinam o que deve ser lembrado e como deve sê-lo. Vale a menção da provocativa interrogação: quem quer que quem lembre o quê e por quê? Na medida em que os indivíduos se pautam pelos elementos que os identificam e vinculam a um determinado grupo, acabam assumindo para si lembranças que, em realidade, não viveram diretamente (BURKE, 2000).

Assim, não só os indivíduos possuem memória (individual), como as sociedades também. Os valores, as atitudes, os códigos compartilhados, resultantes de determinada interação, implicam em continuidades e rupturas com tradições e com a cultura transmitidas por outras gerações. Lembranças, símbolos e valores identificam o coletivo no espaço e no tempo. [2] São elementos carregados de memória. Memória coletiva. A memória coletiva se concretiza como tal quando as mesmas lembranças, vividas ou transmitidas, voltam de maneira repetitiva, sistemática, com poucas variações, e quando são apresentadas e assumidas como propriedade específica da comunidade. Quase sempre essas lembranças coletivas decepcionam o historiador, já que constituem registros de acontecimentos e de rotinas singelas desprovidas de glamour ou de um sensacionalismo explosivo. [3] Ainda, a recordação histórica expressa na memória coletiva que legitima uma comunidade e sua identidade, muitas vezes, pode ser sensivelmente simplificadora, na medida em que ordena tudo em função da confirmação e reafirmação da centralidade do acontecimento fundador (direcionando, neste sentido, os fatos anteriores e posteriores). Ou seja, o acontecimento fundador define o que deve ser assimilado, esquecido e tergiversado pela comunidade.

Apesar dessas dificuldades para o trabalho do historiador, Le Goff (1996) destaca as contribuições e avanços que a história tem realizado na análise da memória coletiva. Para ele, os historiadores assumiram o compromisso e a responsabilidade que lhes corresponde enquanto especialistas de uma área específica do conhecimento, e preocupados com todas as problematizações que a memória coloca à própria história. Inclusive, através de um fecundo diálogo com as interrogações colocadas desde outras disciplinas. Segundo ele, as justificativas para tal ênfase se dão em torno de alguns eixos fundamentais: “uma problemática abertamente contemporânea, uma iniciativa decididamente retrospectiva e a renúncia a uma temporalidade linear em proveito de tempos vividos múltiplos nos níveis em que o individual se enraíza no social e no coletivo” (p. 473).

A capacidade de lembrar possibilita a preservação dessa base comum de elementos (de ordem política, social e cultural) transformados em referência e identidade nas relações sociais de cada um dos coletivos. Portanto, o lembrar preserva as vivências da coletividade, do grupo social; o lembrar preserva, para as novas gerações, a complexa experiência histórica acumulada, e isso coloca um outro desafio para o tecido social, o da imperiosa transmissão desse legado; assim, esta é outra necessidade vinculada à memória (seja através dos mecanismos da tradição oral, dos materiais escritos ou dos denominados vestígios).

Contemporaneamente, diante da lógica das necessidades geradas pelo fenômeno que Nora denomina aceleração histórica do tempo presente, e da impossibilidade dos indivíduos registrarem tudo o que passa freneticamente na frente dos seus olhos, configuram-se, com a legitimação da sociedade, os denominados lugares da memória. São lugares espaciais, materiais e simbólicos que registram essa memória que o tecido social tem dificuldade de absorver e transmitir - em função da explosão de informação e da sua rapidez de circulação, características da revolução tecnológica nos meios de comunicação, fato particular do século XX. No caso concreto, além dos arquivos, bibliotecas e museus, os espaços de ação daqueles que continuam lutando pela recuperação da memória confiscada ou apagada, também se configuram, se transformam, em lugares da memória. Este é o caso bem exemplar da Plaza de Mayo, em Buenos Aires, onde, além de ser o espaço onde acontecem boa parte das manifestações políticas, também continua sendo, após mais de quinze anos de “redemocratização”, palco do ritual semanal das madres, abuelas e hijos de desaparecidos e lugar dos vestígios constituídos pelos desenhos de contornos de silhuetas e lenços que, espalhados ao redor do monumento central, simbolizam, respectivamente, os desaparecidos e a luta dos grupos de direitos humanos. É um exemplo concreto de lugar onde, com uma forte carga de poder político e simbólico, se reafirma o voluntarismo coletivo de “não esquecer”. Neste sentido, no caso citado, querer resgatar a memória coletiva passa a ter uma função pedagógica no sentido de evitar a repetição das experiências históricas que propiciaram o terror de Estado.   

Peter Burke (2000) ao discorrer sobre as funções da memória social mostra a diversidade de possibilidades e de usos existentes. Coloca questões interessantes como a contraposição entre memória social e amnésia estrutural (historicizando a respeito desta), a relação entre lugar e memória (implícitos na construção da identidade nacional), ou a idéia de “comunidades de memória”. E introduz a problemática que envolve a destruição de documentos, da memória e, conseqüentemente, do conhecimento histórico (p.  84).

Em tese, na medida em que toda consciência do passado baseia-se na memória, esta é a garantia de que experimentamos um passado (LOWWENTHAL, 1998: 282), mas sem esquecer  que a memória também é um lugar de disputa; a referência orwelliana imbrica-se com as formas de controle, de manipulação e de deformação da mesma. Aqui não há muita diferença com as formas de controle, manipulação e deformação que sofre o próprio conhecimento histórico. Se há uma memória que pode ser confiscada, também se confisca o produto científico da ação da história sobre falsas memórias ou memórias recicláveis, como primeiro passo para, logo a seguir, reciclar a própria história. Portanto, assim como a história, a memória é lugar e objeto de disputa nas relações de poder em confronto na realidade social. Le Goff (1996), mais uma vez, é esclarecedor quando afirma que:

“Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva” (p. 426)

Lembrar e esquecer são ações que implicam em seleção de informações, o que significa dizer que, assim como não há possibilidades de um Funes, também não há memória sem esquecimento. Sendo a memória coletiva uma construção social e um fator de identidade de uma comunidade, então, como viver com esquecimentos impostos? Como lembrar ou esquecer o que não se permite conhecer? Como conviver diante do apagamento (desmemória)? Para uma dada coletividade, quais os prejuízos implícitos nesse acesso ao (des)conhecido passado bloqueado? Os responsáveis pelos anos de chumbo latino-americanos sabem que o desconhecimento impede o posicionamento consciente; sabem, também, do potencial de inércia que possui o esquecimento coletivo. 

2. Usos do esquecimento: o confisco da memória

A análise da temática da memória implica em reconhecer que há, como contrapartida, o esquecimento, os silêncios e os não-ditos. O esquecimento pode ser uma opção de restringir ao essencial certos fatos ou informações a respeito deles. Mas também pode ser o resultado de uma ação deliberada de ocultamento. Diante dessa dupla possibilidade, pode ser útil a proposta de Burke (2000) de “examinar a organização social do esquecer, as regras da exclusão, supressão ou repressão e a questão de quem quer que quem esqueça o quê e por quê” (invertendo, agora, a fórmula usada anteriormente sobre o lembrar). Essa é a fórmula, para ele, da amnésia social, dos atos de esquecimento (p. 85). Na disputa pelo quê lembrar, é possível pensar em memórias subterrâneas, que surgem e se mantêm nos interstícios dos espaços compreendidos entre o esquecimento e a memória social. Elas expressam as memórias dos excluídos, dos esquecidos da memória oficial.

Lowwenthal (1998) apontou que o passado é, em parte, produto do presente, sendo que, permanentemente, os indivíduos e os grupos sociais dão nova forma à memória, reconstruem-na, assim como rescrevem a história e refazem as relíquias. Segundo ele, há três motivos básicos por detrás das falsificações históricas desse passado: melhorá-lo; melhorar as circunstâncias presentes (esvaziando os motivos que levaram a elas); e assegurar a estabilidade do presente alterando (ou protegendo) o passado, evitando a interferência de outros (p. 58).

Evidentemente que se há usos da memória, há também, usos do esquecimento. Isto aponta para a possibilidade de até instrumentalizar os esquecimentos: há esquecimentos que são usados ou que são usáveis para certos fins. Esquecer (algo) pode ser uma opção, uma conveniência. Resulta de uma ação consciente de alguém (a alguém interessa que não se lembre que... ). É diferente de desconhecer ou de sofrer um esquecimento induzido por um outro sujeito; na história, tais situações são recorrentes (YERUSHALMI, 1989: 19).

Tzvetan Todorov (2000a) afirma que os regimes totalitários do século XX, deram à memória um estatuto inédito na medida em que perseguiram com afinco a sua supressão. Entretanto, políticas diversas de censura ocorreram muito antes; nunca é demais lembrar o exemplar trabalho da Inquisição. Mas no século XX, o domínio sobre a informação e a comunicação redimensionou a apropriação da memória num nível quase absoluto. Com sucesso diverso, há inúmeros rastros da eliminação de vestígios do passado, de manipulação, de tergiversamento ou de maquiamento do que existiu. São distorções e mentiras que ocupam o lugar da realidade simultaneamente à proibição da procura e difusão da verdade (p. 12). E isto ocorre independentemente de matiz ideológico. Seja sob ditaduras de direita ou de esquerda, seja sob a ditadura do capital, a memória e a história são vítimas constantes dessa dominação. A ênfase recente na (re)construção de um pensamento único vinculado aos interesses da globalização neoliberal mostra a vigência desta discussão e a permanente luta pelo controle das formas autônomas e científicas do pensamento, reatualizando o cenário orwelliano.

Em relação a isso, insere-se, também, a problematização da nostalgia. Os mecanismos que a estimulam exercem influência na relação entre conservar ou esquecer o passado, até porque induz qual o passado que deve ser lembrado, ou o quê do passado deve ser revisitado. Num presente marcado por complexidades tão indecifráveis, a profusão da nostalgia sugere não só uma sensação de perda de um tempo sem problemas como expressa, também, a alienação em relação ao próprio presente (WOOD apud LOWWENTHAL, 1998: 39). Assim, a nostalgia pode ser narcótico eficiente de paralisia. Por que não pensar que o seu fomento implica no esvaziamento das tensões sociais desmobilizando e desarmando certas forças sociais e políticas? Seja para não enfrentar os dilemas do presente, seja para resgatar um passado reciclado e perfeito, o fato é que a nostalgia desempenha um efeito alienador ao visar uma certa compensação das incertezas do presente e do passado recente, servindo de porto seguro, com seus apegos a lugares e rostos conhecidos e suas situações previsíveis, confortáveis e, literalmente, congeladas.

Em outra ordem de coisas, a expressão confisco da memória é utilizada por Bronislaw Baczko (1999) ao analisar a Polônia no período do denominado socialismo real. É uma idéia síntese que caracteriza a tentativa de expropriação do passado e a imposição de um novo corpo de valores e idéias que se colocam, conflitivamente, contra a memória e a interpretação do passado anteriormente existente, no sentido de purgá-los e manipulá-los em benefício do novo poder estabelecido. No caso polonês, a tentativa de controle mostra-se, retrospectivamente, insuficiente, apesar de ser uma política de Estado que não escamoteou esforços e meios de controle e manipulação. Para Baczko, a memória coletiva mostrou-se muito mais coesa do que se poderia imaginar, o que evidenciou-se na fase final de desestruturação do domínio do PC desde o início dos anos 80. Dois motivos, segundo ele, explicam a derrota do projeto de confisco: primeiro, a crença de que as representações coletivas são indefinidamente maleáveis e, se eficientemente afrontadas pela pressão político-estatal, se prestam a qualquer tipo de manipulação; segundo, o menosprezo geral pela população e pelo senso comum da sua dinâmica social: “Pode-se lhes dizer qualquer coisa que acabarão por acreditar” sempre e quando o sistema “conserve o monopólio da palavra, o controle total da informação, e disponha de modernos meios de comunicação de massas e dos meios totalitários de pressão” (BAZCKO, 1999: 168).      

Uma outra experiência semelhante, é a do Terceiro Reich, sempre paradigmática. Porém, aqui nos interessa uma situação diferente, a da restruturação da sociedade no pós-guerra e o significado da fracassada desnazificação, no que diz respeito à reconstrução desse passado e à inserção da memória nessa experiência. O distanciamento do pós-guerra, não diminuiu a dificuldade da opinião pública em colocar-se diante da realidade e da dinâmica do período nazista. De fato, após a queda do nazismo, a sociedade alemã procurou esvaziar aspectos essenciais do regime, visando reduzir as responsabilidades do mesmo a um pequeno grupo encastelado no poder, dissociando e desresponsabilizando assim dessa experiência, as elites administrativas não nazificadas, dispostas a aceitar a política de revisão dos tratados de expansão inaugurada por Hitler (MOMMSEN, 1898: 54). Inclusive, ocorreram esforços para reciclar histórias locais, como magnificamente retratou Michael Verhoeven no filme Uma Cidade Sem Passado (sobre fatos verídicos envolvendo uma futura historiadora).

Durante um bom tempo, os historiadores do contemporâneo trabalharam a história recente alemã desde a perspectiva do corte radical instaurado pela “ditadura totalitária”. Entretanto, a interpretação pautada pelo entendimento de que a Alemanha teria sido a primeira vítima da ocupação do nazismo, esvaziou-se com as pesquisas históricas realizadas a partir dos anos 70. A tese que responsabiliza Hitler e seu bando reduzindo o estudo do Terceiro Reich a meia dúzia de biografias, também foi rejeitada. A revolta estudantil do final dos anos 60, aumentou a pressão para conhecer a essência do envolvimento e das relações da sociedade alemã com o nazismo, durante o período do entreguerras. Partiu de uma geração mais jovem o questionamento da atitude dos pais, imputando-lhes terem falhado e/ou mostrado indiferença e oportunismo político, diante dos desafios daquele tempo. Para Hans Mommsen (1989), o esquecimento que parte da sociedade tentou realizar, voltou, repetidamente, através de novas feridas expostas e novos atores sociais questionadores, configurando o “passado que não quer desaparecer” (p. 61). Enquanto não se encara o passado de frente, a ferida não termina de cicatrizar. As novas gerações, por vários motivos, querem passar a limpo as responsabilidades. Primeiro, porque não aceitam expiar uma culpabilidade que consideram de outras gerações. Segundo, porque rejeitam compactuar com a postura de anestesiamento. Terceiro, porque repelem qualquer postura conivente com aquela experiência histórica. Trata-se de um caso típico em que abrir o armazém das lembranças pode ser doloroso e delicado mas acaba sendo necessário para realizar a reflexão que, definitivamente, permita resolver “... a relação dos alemães com a sua história; é um processo de longo fôlego e somente no seu final, e não no seu começo, pode nascer o esquecimento” (p. 65). Ou seja, esquecer após conhecer; esquecer, como opção, após refletir para amadurecer um esquecimento de consenso, coletivo. Tudo isto é bem diferente de um esquecimento que oculta o passado e deixa feridas permanentemente abertas. Não é um confisco tácito de memória desde a prática de uma política de Estado, como a descrita por Baczko (1999), ou como a que se vincula aos regimes latino-americanos ou mesmo à própria dominação nazista na Alemanha.

O silêncio, o não esclarecimento dessas questões, o desconhecimento desse passado, colocam uma outra problemática, a de servir de fermento para as argumentações que negam os acontecimentos (além da perda do potencial pedagógico que implicitamente possui o ato de lembrar). É nesta linha, que se coloca o clássico debate de Vidal-Naquet (1994) com as teses negacionistas (revisionistas) do holocausto. Em primeiro lugar, Vidal-Naquet toma emprestado de Yerushalmi (1989) o termo “assassinos da memória”, criado para identificar os revisionistas. Depois, faz algumas considerações a respeito da memória e da história, pertinentes para esta discussão, principalmente por tratar-se da abordagem de situações-limite onde há uma intencionalidade de apagar a história. Seu ponto de partida é o de deixar bem claro que a memória e a história diferem entre si pelo modo de seleção do passado. Por isso, memória e história podem disputar entre si e opor-se em relação ao que se quer preservar, enquanto conhecimento legítimo. De forma enfática, mostra com que armas concretas deve colocar-se o historiador diante dos “assassinos da memória”  e defensores da mentira:

(...) não me proponho responder a essa acusação global situando-me no terreno da afetividade. Aqui não se trata de sentimentos senão da verdade. Esta palavra, que antes pesava, hoje tem uma tendência a dissolver-se. Esta é uma das imposturas do nosso século, sumamente rico neste terreno. (VIDAL-NAQUET, 1994: 14)

Esgrime então, o argumento mais sólido e, por sua vez, radical para enfrentar os detratores negacionistas:

Que fique entendido, de uma vez por todas, que não respondo aos acusadores, que não dialogo com eles sob nenhum aspecto. Um diálogo entre dois homens, embora sejam adversários, supõe um terreno comum, um comum respeito – no encontro – pela verdade. Mas esse terreno não existe com os revisionistas.  (VIDAL-NAQUET, 1994: 14)

É claro que a verdade absoluta é inalcançável. Poucos fatos, entretanto, são tão inquestionáveis quanto tudo aquilo que se insere no holocausto, fartamente documentado, testemunhado e lembrado. A veemência do posicionamento de Vidal-Naquet, fortemente engajado contra o esquecimento, sem dúvida alguma, não se distancia em nenhum instante de justificativas pautadas pelo conhecimento científico (histórico) e essas são as armas que lhe permitem desconsiderar os negacionistas como interlocutores a respeito da revisão histórica da Segunda Guerra Mundial. Ou seja, não aceita debater com quem baseia seus argumentos em uma memória pautada por premissas irreais, em pressupostos históricos reconhecidamente falsos que negam a produção historiográfica; portanto, desconsidera interlocutores que, consequentemente, estão fora da lógica científica.

É evidente que a sonegação da informação, da experiência e a imposição do esquecimento, são mecanismos necessários para consolidar o anestesiamento geral e a desresponsabilização histórica. Tais mecanismos contribuem para a implantação de uma memória “reciclada” que interessa ao poder dominante e que, evidentemente, se afasta ainda mais do (passado histórico) real. Comparativamente, o problema da permanência de um esquecimento velado ou de silêncios sobre a experiência histórica, foram uma atitude mais ou menos generalizada em largas camadas da população alemã e, provavelmente, estimulada por interesses concretos de algumas instituições e de alguns setores sociais específicos. O que pode ser explicado por vários motivos. Primeiro, pela resignação e aceitação da população em geral, diante das acusações e responsabilizações de todas as culpas possíveis, dificultando o olhar retrospectivo sobre o passado imediato. Segundo, pela necessidade dos grupos – internos – derrotados pelo nazismo, ou daqueles profundamente marcados pela tragédia da guerra, de elaborar um esquecimento que afastasse o terror da repressão do Reich, assim como os horrores do conflito. Terceiro, pela questão de sobrevivência de setores nazistas ou próximos a eles que precisavam preservar-se e reintegrar-se numa Alemanha diferente, democrática e desafiada pelas mazelas de um delicado pós-guerra. Quarto, pela tentativa de convencimento de que o peso do nazismo havia diminuído sensivelmente justificando, portanto, o fim da desnazificação ou seu abrandamento, o que, evidentemente, dizia respeito, concretamente, a determinados interesses econômicos e setores sociais. Quinto, pela conjuntura de pós-guerra e o afrouxamento dos aliados ocidentais no processo de desnazificação, na medida em que precisavam de novos aliados para enfrentar o novo inimigo, a URSS. Portanto, veja-se que a situação descrita para o caso alemão pós-nazismo, mostra uma parcela significativa da população querendo esquecer a traumática experiência dos anos 30 e 40 (embora pressões internas específicas e de parte da comunidade internacional sempre mantiveram constrangedores questionamentos). A situação da Alemanha pós-nazismo, de qualquer forma, é bem diferente da América Latina pós-ditaduras de Segurança Nacional. Neste caso, a luta não é por esquecer e sim por lembrar. É o contrário do “passado que não quer esquecer” da Alemanha. Na América Latina do pós-ditaduras, as instituições do Estado, boa parte do setores políticos e empresariais, as forças armadas e importantes segmentos da economia internacional e da política externa norte-americana, têm conspirado fortemente contra o lembrar. Se não fosse a resistência pelo resgate da memória e da história, por parte de determinados setores político-sociais, a tendência vitoriosa teria sido a da imposição de um esquecimento acelerado.   

O não-dito, o esquecimento e o silêncio oficial sobre os desaparecidos latino-americanos induzem a reconhecê-los como uma categoria social que sofre o processo da exclusão histórica e inscreve-os dentro do espaço das memórias subterrâneas constituindo assim, pelo menos segundo as pretensões anestésicas plantadas pelo poder vigente, um grupo sobre os quais se quer que nada seja conhecido. Ou seja, os desaparecidos constituem uma espécie de grupo de “sem-memória”; melhor dito, “sem-registro” de memória. Eduardo Galeano (1999) precisa as implicações pertinentes desta situação: “A impunidade é filha da má memória. Sabiam disso todas as ditaduras militares de nossas terras.” E mostra claramente que o delírio orwelliano ou o cenário de Fahrenheit 451 já não impactam tanto na América Latina onde “... foram queimadas cordilheiras de livros, livros culpados por contar a realidade proibida e livros culpados por simplesmente por ser livros, e também montanhas de documentos” (GALEANO, 1999: 217).

Os processos de anistia no Brasil, Chile, Uruguai e Argentina não só pouparam os vencedores da guerra suja, como os recompensaram. E as “redemocratizações” fragilizaram-se diante da manutenção do entulho autoritário que ainda hoje permanece fortemente arraigado ao poder. [4] Silêncio al Sur, idéia de Moraña (1997), expressa os efeitos perversos das diversas leis de impunidade que silenciaram o Uruguai (e todo o Cone Sul) sobre o seu passado, institucionalizando um silêncio oficial sobre as práticas repressivas e tentando suprimir, da memória coletiva, as responsabilidades e a vontade de justiça nas vítimas. [5]

A memória é seletiva; não há memória sem esquecimento. Mas não se pode esquecer o que se desconhece. Para que a memória tenha significado para o sujeito, este deve esquecer a maior parte do que viu. É condição básica do fato de lembrar, classificar, combinar e destacar lembranças para exercer, assim, o direito de poder esquecer parte delas. Entretanto, para esquecer devemos conhecer. Se conhecemos, lembramos. Se lembramos, podemos esquecer, podemos exercer o direito da opção de esquecer. Este é o problema dos familiares dos desaparecidos. Não se trata do que fazer para lembrar, mas de como agir se os fatos não são conhecidos até hoje. Nesse sentido e pensando principalmente no caso argentino, deve-se definir o que é, de fato a desmemória. Trata-se de esquecimento, de memórias recicladas ou de apagamento? Será que a desmemória não corresponde a uma etapa anterior dessas possibilidades? Como esquecer, reciclar ou apagar o que não se conhece? Os relatos pulverizados e os fragmentos da sobrevivência esboçam um cenário que ainda é um grande quebra-cabeça onde faltam, ainda, muitas peças. Como foram desaparecidos? Quem decidiu pelo desaparecimento? Quem os desapareceu? Onde? Quando? Quem viu? Quem sabe? Quem participou? O problema colocado consiste no fato de que aquilo que foi apagado foram os próprios eventos, a própria história. Nestas condições, é literalmente impossível esquecer, reciclar ou apagar memórias, simplesmente porque não há o quê apagar. Como apagar o que não é lembrado? Como lembrar ou esquecer o que não se conhece? Portanto, persiste a dúvida: a desmemória é sinônimo de apagamento da memória? Ou ela é uma não-memória impossibilitada de esquecer enquanto não existirem condições de acessar os fatos que permitam, realmente, elaborá-la como memória coletiva, concreta, e que, com o tempo – seja individualmente, seja coletivamente, enfim, consensualmente - possa ser esquecida? Moraña (1997) reivindica tal situação como memória-rota e, destacando uma clivagem pedagógica, diz que certas experiências não podem restringir-se somente ao passado, mas exigem vinculação com o futuro (p. 40). O voluntarismo que circunscreve o Nunca Mais [6] precisa encontrar raízes nessa memória que ainda deve ser construída. Uma memória que articule a história dos povos e imponha uma ética, que contribua para a formação de uma consciência histórica, que permita imaginar outras realidades, reconstituir e afiançar novas opções para a sociedade civil a partir da crítica do legado do terror e das ausências (SOSNOWSKI, 1997: 52).

3. América Latina: a desmemória do terror de Estado

As conhecidas motivações e formas de controle e de censura sobre a memória nos regimes de exceção são indutoras de um esquecimento organizado. Muito mais desafiador e complexo é entender a lógica de controle e supressão, oficial ou não-oficial, na sua reconversão para tempos de democracia (Alemanha pós-nazista, França pós-Vichy, Espanha pós-Franco) (BURKE, 2000, 87). De certa forma, é isto que está em questão na América Latina do pós-ditaduras. Mas, se na Europa de pós-guerra, com exceção da Alemanha e de algumas antigas regiões de forte presença fascista, o advento da democracia impôs a tese da lembrança, da confirmação do ocorrido e da memória como reverso valioso do esquecimento (RABOSSI, 1989: 11), na América Latina, como já foi apontado, o pós-ditadura foi significativamente diferente. [7] Por isso, voltamos a Eduardo Galeano (1999) que escreve que, na região, a justiça e a memória são luxos exóticos: “O esquecimento, diz o poder, é o preço da paz, enquanto nos impõe uma paz fundada na aceitação da injustiça como normalidade cotidiana. Acostumaram-nos ao desprezo pela vida e à proibição de lembrar” (p. 214). Com a justificativa de que esclarecer isso é revanchismo e indução de instabilidade institucional, a história, a justiça e as vítimas do terrorismo de Estado dos regimes de Segurança Nacional  são, de novo, violentamente atingidas pelo sistema de poder (agora “democrático”). A institucionalização do silêncio oficial e a supressão da memória coletiva foram fundamentais para desresponsabilizar os culpados e impor o anestesiamento e a amnésia do silêncio final. Assim, a memória virou campo de batalha político (MORAÑA, 1997), como confirmam estas palavras do general Augusto Pinochet:

O país sabe que nunca procurei o poder, quando o exerci jamais me agarrei a ele e quando chegou o momento de entregá-lo, de acordo com a nossa Constituição [negociada sob pressão], o fiz lealmente (...) agi como governante infatigável e irredutível no afã de evitar os conflitos armados, por buscar em todo momento a paz para o Chile. (...) sou absolutamente inocente de todos os crimes e dos fatos que irracionalmente se me imputam”. (El País,12/12/98)

Diante de tamanha manipulação, pode-se coincidir com Yerushalmi (1989), quando afirma que, em determinadas situações, a antítese da palavra esquecimento – e da palavra silêncio –, talvez, não seja memória, senão, justiça (p. 26).

Como optar pelo esquecimento se não se sabe a dimensão do que se quer fazer esquecer? Como reparar as feridas das ausências e a negação da verdade? O perdão ou a anistia se justificam desde que a ofensa tenha sido reconhecida publicamente. Aliás, muitas vezes considera-se que o esquecimento de consenso pode derivar do ato de perdoar (até como forma de contribuir para o “desarmamento” dessas posições). Historicamente, essa é uma das funções do esquecimento. Mas há um pequeno problema. É possível perdoar? Como perdoar aos que não pediram perdão? Patricio Aylwin, primeiro presidente eleito no Chile pós-Pinochet, pediu perdão às vítimas do terror de Estado, tentando diminuir as feridas e conclamando os chilenos à reconciliação; porém, foi prepotentemente interpelado pelo judiciário e pelos militares que desaprovaram publicamente seu gesto. Fatos como estes, justificam o medo diante dos resquícios do entulho autoritário e da herança da cultura do terror.

É mister reconhecer o grande mérito das organizações de familiares desaparecidos (latino-americanas). Há um enorme mérito desses grupos e dessas pessoas que não deixaram que a história recente tenha virado uma tábula rasa e a memória um objeto esquecido e fora de moda. Ao clamar por justiça e exigir a punição dos responsáveis, tornaram-se uma referência política, histórica e ética fundamental. No tempo do vazio político, da fragmentação histórica e da falta de compromissos, contrapõem-se persistentemente: Levaram nossos filhos, mas nascemos as Mães. Eles nos pariram... tentamos ser a ponte entre eles e vocês. (MADRES DE PLAZA DE MAYO, 1997) A frase é muito emblemática e mostra como ao resgatar a continuidade da sociedade, da memória e da própria história, as Madres traduzem um profundo processo de construção de consciência política. O seqüestro dos seus filhos e dos seus netos, assim como da memória, história e identidade dos mesmos produziu uma atitude de resistência que gerou novos sujeitos históricos. E estes, por sua vez, juntam-se a elas na persistência da luta pelo resgate da história, da identidade e da memória seqüestradas. 

Os eventos conhecidos têm sido escamoteados ao máximo, numa clara intenção de, primeiro ignorá-los; não sendo possível tal atitude, negá-los; finalmente, distorcê-los. [8] A reciclagem de atores sociais e políticos que se beneficiaram durante aqueles anos é outra possibilidade resultante da instrumentalização da memória e dos esquecimentos. De forma geral, em todos os países do Cone Sul ocorreram experiências semelhantes e setores conservadores neo-democráticos procuraram distanciar-se e dissociar-se das mesmas, objetivando acumular um capital de simpatias políticas que lhes garantisse a sobrevivência no poder. Concomitantemente, utilizaram-se de todos os subterfúgios possíveis para que as investigações não avançassem, como as negociações políticas, as pressões econômicas, a ignorância da mídia e as ameaças golpistas. Paralelamente, apostou-se, com relativo sucesso, na apatia resultante dos efeitos singulares da combinação da cultura do terror e da cultura da desesperança. Também se apostou na ação do tempo, ou seja, que o tempo fizesse o seu papel e fosse empurrando ad infinitum qualquer prestação de contas com a justiça e com a sociedade, desmobilizando as pressões e esperando que os militantes mais velhos dos direitos humanos fossem morrendo e suas causas acabassem isoladas no tecido social. Assim, esperar, perversamente, que, com a morte das últimas Madres e Abuelas, o silêncio delas e a sua ausência fossem o último desaparecimento (o último registro) dos desaparecidos.

4. Continuar Vivendo

O tempo que foi continua pulsando, vivo, dentro do tempo que é, ainda que o tempo que é não queira ou não o saiba. O direito de lembrar não figura entre os direitos humanos consagrados pelas Nações Unidas, mas hoje mais do que nunca é necessário reivindicá-lo e pô-lo em prática: não para repetir o passado, mas para evitar que se repita; não para que os vivos sejamos ventríloquos dos mortos, mas para que sejamos capazes de falar com vozes não condenadas ao eco perdido da estupidez e da desgraça. Quando está realmente viva, a memória não contempla a história, mas convida a fazê-la. Mais do que nos museus, onde a pobre se entedia, a memória está no ar que respiramos; e ela, no ar, nos respira. (GALEANO, 1999: 216)

Deixando de lado as ironias e o convicto engajamento de Galeano, mesmo considerando que a memória tem outras utilidades, o que é reivindicado por ele, a atitude de lembrar é extremamente pertinente para enfrentar os desafios da história recente latino-americana. Tal atitude, ao contrapor-se à imposição de um esquema de congelamento e parcialização da realidade histórica, não deixa de ser uma opção política.

O conhecimento sobre os acontecimentos das últimas décadas no Cone Sul latino-americano exige o trabalho de resgate das memórias individuais e de elaboração de uma memória coletiva, mas também de recuperação da própria história. Tanto a recuperação da elaboracão da memória  contra o apagamento/esquecimento induzido/desmemória, quanto a procura da verdade do que foi dito que nunca ocorreu, são compromissos da história e responsabilidade dos historiadores. O próprio Le Goff apela aos profissionais científicos da memória, a engajarem-se na democratização da memória social como eixo prioritário das suas análises científicas. Isto implica, também, em apurar, cada vez mais, a importância do papel da memória na dinâmica temporal onde o passado é sempre objeto e motivo de reflexão para o presente e até para o futuro (p. 477).  Aliás, a ênfase do passado que deve servir ao futuro é insistentemente (re)colocado nas respectivas obras citadas de Galeano, Le Goff e Todorov. Da mesma forma, a afirmação do papel que a memória desempenha como matéria-prima sobre a qual o historiador pode produzir, com seus métodos de trabalho, o conhecimento histórico. [9]

Por outro lado, há também o direito ao esquecimento. “Seria de ilimitada crueldade lembrar continuamente a alguém, os fatos mais dolorosos da sua vida; também existe o direito ao esquecimento... Cada qual tem direito a decidir.” (TODOROV, 2000a: 25) Quando há uma possibilidade de amadurecimento reflexivo sobre os fatos armazenados na memória é possível realizar um reordenamento, uma readequação das lembranças que pode permitir, inclusive, o esquecimento daquelas mais dolorosas. O esquecimento pode ser uma decorrência natural de uma série de fatores mas, sobretudo, deve ser uma opção e um direito (e é claro que a opção de lembrar também deve ser uma opção e um direito). Perpassando tudo isto está a questão do livre-arbítrio individual ou do consenso coletivo. Um caso bem interessante de reorganização da memória é o de Pablo Díaz, único adolescente que sobreviveu ao fato conhecido como La Noche de los Lápices, acontecido na Argentina durante a ditadura militar. Hoje, com quase 40 anos, carrega a marca de ser o único sobrevivente de um grupo de jovens entre 14 e 17 anos seqüestrados na cidade de La Plata, pelas forças da repressão, no ano de 1976, por participar da campanha pela instauração da passagem estudantil. No início da redemocratização, foi tomado por uma vontade de falar compulsoriamente sobre o tema. “Dei milhares de palestras, mas agora seleciono meu próprio contato com o tema.” Ele explica, entretanto, que faz uma só exceção a cada ano, no mês de setembro.

Em setembro incomodo (a minha família), porque é o aniversário do seqüestro. Tudo se agita. Eu sou muito reservado e nessa época permito-me voltar a pensar, a refletir, a me fechar de novo. É minha obrigação moral. Se quisesse que fosse distinto, não poderia: os mesmos estudantes secundaristas me lembram disso quando leio frases pintadas nas paredes relacionadas a “La Noche de los Lápices” ou nas faixas que carregam nas passeatas. (DUSSEL, FINOCCHIO & GOJMAN, 1997: 146)

Provavelmente, o esquecimento de acontecimentos traumáticos como esse é desejável. Porém, a lembrança rejeitada pode ativar ainda mais a memória, podendo induzir dolorosas neuroses. Mais vale tornar presente esse passado doloroso do que negá-lo, para descartá-lo, aos poucos, neutralizando-o até a pretendida superação.

A memória exige o conhecimento do passado e de todas as suas conseqüências por parte da sociedade. Enquanto isso estiver encoberto e continuar a se pressionar por um perdão sem justiça, a reconciliação, de fato tão necessária, é inviável. Assim como a publicação dos respectivos Nunca Mais, a persistência da memória converteu-se numa responsabilidade da consciência política dessas sociedades. Como reafirmam as autoras da obra Haciendo Memoria en el País del Nunca Más, a memória relaciona-se com o fato do Nunca Mais ser mais do que uma declaração de princípios, ser, em realidade, um acordo básico da sociedade. O repensar a história e reconstruir memórias subterrâneas, silenciadas, ocultadas, pode contribuir para pensar outros futuros e “... imaginar e construir uma sociedade onde as desaparições e a tortura não estejam presentes”. (DUSSEL, FINOCCHIO & GOJMAN, 1997: 121)

Conclusão

A intenção do texto era discutir algumas questões vinculadas aos usos da memória e do esquecimento à luz da experiência histórica dos regimes militares latino-americanos. Tratando-se de um caso que pode ser considerado como limite (por envolver extermínio, genocídio, terror de Estado), parece pertinente finalizar com duas idéias-força que mostram os limites nos quais pode ser pensado o papel da memória e o da sua relação com a história. A primeira, de Jacques Le Goff (1996), na defesa que faz de uma memória coletiva que sirva para a libertação e não para a servidão dos homens (p. 477). A Segunda, de Tzvetan Todorov (2000b), ao afirmar que o “O passado não tem direitos em si, deve ser colocado a serviço do presente, assim como a memória deve manter-se submissa à justiça” (p. 19). A partir dessas duas considerações sobre a memória e o seu resgate histórico pode-se concluir lembrando que é evidente que não cabe à história julgar. Mas diante de casos de situações-limite, a produção histórica transforma-se em matéria-prima que, ao ser colocada à disposição da sociedade, contribui para que esta possa posicionar-se e decidir ao respeito.

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[1] Departamento de História – UFRGS

[1] Relativizo esta relação pois considero ainda insuficiente a minha leitura sobre o(s) real(is) significado(s) do termo desmemória em relação à problemática do terror de Estado dos regimes militares latino-americanos dos anos 60 - 80. 

[2] Por exemplo, no que diz respeito ao nacionalismo, tudo passa pela memória e pela identidade. As denominadas Histórias Nacionais (História Pátrias) foram, durante muito tempo, a expressão de uma forma de memória coletiva que visava unificar e delimitar uma identidade comum (da nação), assim como legitimar a inclusão ou exclusão de certos fatos e personagens (in)convenientes.

[3] Feita de vida cotidiana, ela é tomada por acontecimentos triviais: “... a inundação, a geada precoce ou tardia, o incêndio da granja deixaram mais traços do que a Revolução Francesa ou mesmo os “maquis” da Segunda Guerra Mundial”. Idealizando o passado, torna-o belo e desprovido de contradições, tensões e conflitos sociais. (BURGUIÈRE, 1993: 526)

[4] James Petras aponta para a relação existente entre o poder autoritário em retirada e os compromissos assumidos pelos setores políticos que concertaram a transição democrática: “Não há dúvida de que o resultado mais funesto do processo de ‘redemocratização’ foi a disponibilidade dos regimes eleitorais para legitimar os militares e para perdoar e esquecer os crimes contra a sociedade que os mesmos cometeram no passado”. (PETRAS, 1995: 250)

[5] “A memória cívica foi, assim, substituída pela lembrança íntima dos que, simplesmente, não podem esquecer; a justiça social foi reciclada como ética privada; a catarse possível do debate aberto e o julgamento dos culpáveis foi substituído por uma aparente tábula rasa que instaurou o paradoxo das liberdades recuperadas enquanto se retirava da esfera pública, a discursividade da culpa, consolidado pelas práticas sociais da ditadura. Nova proibição de recordar as desgraças ou pelo menos de elaborar ativamente essa lembrança e traduzi-la à legalidade da ordem democrática.” (MORAÑA, 1997: 36)

[6] O Nunca Mais é entendido aqui como uma declaração de princípios e atitudes de vigilância, repúdio e resistência diante de qualquer possibilidade de volta à barbárie do terror de Estado. Nunca Mais é também o nome dado aos registros sobre a violência contra os direitos humanos patrocinada desde o Estado durante os regimes militares. O levantamento, a organização e a publicitação dos tais registros ocorreu durante as respectivas redemocratizações (“Nunca Más” – Arg. –, “Brasil Nunca Mais”, “Uruguay Nunca Más”, etc.), resguardando-se uma metodologia de investigação e uma formatação dos resultados muito semelhante. Ressalta-se a existência dessa ligação direta que invoca um voluntarismo que procura resgatar aspectos civilizatórios imbricados com o respeito universal dos direitos humanos e do Estado de direito, além de constituir um elemento de uma nova identidade que deve ser descontaminada dos  valores que pautaram o passado imediato. 

[7] A apropriação da história recente e a negação do protagonismo da pressão popular  no desgaste dos regimes militares foram canalizados por negociadores confiáveis. O enorme vácuo induzido nas ausências provocadas por anos de efetiva política de terror (repressão sistemática e massiva com nuanças de extermínio dirigido), contribuiu, de forma importante, na definição do inóspito cenário de democracias que sofrem, atualmente, os perversos efeitos das práticas neoliberais. Nos anos 80 e 90, manifestou-se o conflito entre a vontade de lembrar e o esforço de esquecer. Os novos governos democráticos encaminharam o perdão institucional dos responsáveis pelo terror do Estado. Se o perdão se expressou na forma da anistia, a impunidade e o imobilismo foram a anestesia; o resultado visado aponta para a apatia como amnésia coletiva, ou seja, o anestesiamento consagrando a impunidade.

[8] O caso chileno é bastante paradoxal. “Durante cerca de 9 anos, houve uma dialética entre a memória coletiva e a vontade política de esquecer. Do lado da memória, diversas ações judiciais foram movidas contra Pinochet e outros agentes do seu regime. Do lado do esquecimento, pode-se evocar uma certa “morosidade” da justiça, o veto das Forças Armadas e a sensação de que a lentidão das ações judiciais contra Pinochet não “acompanharia” o ritmo do seu envelhecimento, até sua morte natural”. (GODOY, fevereiro 2000: 25-26)

[9] “Recordar o passado, para nos livrarmos de suas maldições: não para atar os pés do tempo presente, mas para que o presente caminhe livre de armadilhas. (GALEANO, 2000: 216);  A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro.” (LE GOFF, 1996: p. 477); “A recuperação do passado é indispensável; o qual não significa que o passado deva dirigir o presente, senão que, ao contrário, este fará do passado o uso que preferir.” (TODOROV, 2000a: 25)

 
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