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NO CASTELO DO BARBA AZUL:

A QUESTÃO CULTURAL SEGUNDO GEORGE STEINER [1]

Juliana Beatriz Klein [2]

Em seu livro No castelo do Barba Azul, George Steiner dedica-se a uma incursão pela sociedade mundial, transfigurada após duas guerras de âmbito planetário. Dividido em quatro capítulos independentes porém correlacionados, o livro demonstra que a constituição de uma pós-cultura é inevitável e sofre de inúmeras falhas, tendo em vista as descontinuidades decorrentes dos conflitos ocorridos.

Dedicaremos especial atenção ao capítulo 4, intitulado “Amanhã”, por entendermos que as dificuldades inerentes ao processo de implantação de uma cultura “pós” englobam todas as demais. O que dizer de uma sociedade que, em menos de 30 anos, se combateu em nome do poder?

Steiner afirma que uma das maiores dificuldades da era atual refere-se diretamente à cultura. Por isso afirmar que intelectualidade e humanismo não são sinônimos nem palavras diretamente relacionáveis. O fato de haver campos de concentração convivendo com bibliotecas, museus e universidades é uma das características do mundo atual, de modo que a cultura, por si só, não pode dar conta do “fardo” de humanizar as pessoas.

Nesse sentido, formula uma pergunta inquietante: quanto à cultura, cumpre jogá-la no mercado de consumo – para que todos possam ter acesso, ou o ideal é continuar mantendo-a nos museus e sob o domínio dos especialistas? Acreditamos que esse questionamento refira-se à qualidade da cultura que, enquanto entidade, deveria auxiliar no sentido de mostrar caminhos alternativos para a civilização e, no entanto, mostrou-se incapaz de conter a barbárie.

As transformações em decorrência do avanço tecnológico e a rapidez na aquisição dos conhecimentos e seu posterior rápido esquecimento trouxeram à baila infindáveis dúvidas. Na série de rupturas que observamos, a ruptura com a linguagem é das mais gritantes. Verdade é que sempre houve transformações, quando neologismos de determinada época tornavam-se vocabulário corrente no futuro próximo. A diferença é que agora ocorre uma tentativa de rompimento total, a procura por uma forma de dizer o que as palavras não conseguem, porque, segundo o autor,  as palavras são portadoras de mentiras e, assim, estão corroídas pelas falsas esperanças que veiculam. O próprio sentido da linguagem clássica, enquanto portadora de diferenciações (homem/mulher, senhor/súdito) é questionado e gradativamente cambiado por uma linguagem pictórica, irredutível e generalizante.

Assim, o autor propõe a instituição de meta-culturas, ou culturas fora da palavra. Posto o fato de que a linguagem está entrelaçada à mentira, as meta-culturas seriam paliativos ou, antes, substitutivos para os riscos que a linguagem clássica encarna – conforme Steiner, mentira, engano, engodo. As meta-culturas seriam, então, mecanismos para a comunicação entre as pessoas, destituídos da possibilidade de engano.

A música é, para Steiner, uma cultura fora da palavra. Para ele, o sonho do mundo contemporâneo é o estar juntos, ou seja, um espaço e um tempo em que os humanos poderiam COM-partilhar anseios e, sobretudo, felicidade. A qualidade suprema desse tempo-espaço seria o de ser inclusivo e socializador em sentido amplo.

O autor acena com a possibilidade de as pessoas não temerem o pensamento, e sim assumirem os riscos do mesmo. Daí, questionar se o homem é forte o suficiente para agüentar o que pode ser descoberto, se é desenvolvido o suficiente para suportar as verdades que encontrará pelo caminho dos avanços a qualquer preço. Porque sabemos que esses avanços, embora necessários e, por vezes, sadios, podem nos levar à incompreensão relativamente ao outro, de modo a nos transformar em autômatos ou, simplesmente, solitários, o que não justificaria a tão almejada evolução. O declínio da civilização clássica talvez seja uma resposta aos avanços, bem como a busca por formas “de dizer” menos estereotipadas – dado o fato de que a linguagem sempre foi dominada por poucos – talvez nos levem a compreender que, acima da tecnologia e do desenvolvimento, ainda está o humano.



[1] Resenha da obra No Castelo do Barba Azul, de George Steiner

[2] Mestre em Letras - UFSM



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