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Literatura e Autoritarismo
Dossiê "Escritas da Violência II"
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Dossiê  

NO MEIO DO REDEMOINHO: ÉTICA, VIOLÊNCIA E MODERNIDADE EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Felipe Bier Nogueira1
Resumo: O trabalho tem como objetivo tecer uma visão ampla do exame crítico do romance Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, de modo a compreender a penetração da temática da modernização através da representação da violência na trama. Propõe-se como método de abordagem da obra uma dupla leitura: a primeira, uma leitura horizontal, calcada na história brasileira; a segunda, um aporte transversal, cujo fim é mostrar o ponto em que, através dos agenciamentos que a representação da violência no romance movimenta, a obra rasga seu invólucro particular – o mise-en-scène do declínio do poder patriarcal brasileiro e a consolidação da mediação das relações sociais pela lei no universo do sertão – e avança em direção à matéria bruta da soberania moderna – na qual a relação intrínseca entre lei e violência é fundamental. Como desdobramentos deste contato, Grande Sertão: veredas ganharia contornos universais ao representar a cada vez mais escassa possibilidade de justiça e redenção ante uma violência informe e, por isso, monstruosa. Pretende-se mostrar como o romance se utiliza desta violência notadamente moderna como força motriz para, num primeiro momento, armar a estrutura do universo jagunço sobre bases míticas para, depois, desconstruí-las tragicamente, revelando o ciclo de violências preso à culpa e ao destino, que culmina numa escalada da angústia e em seu fim catastrófico. Neste sentido, as relações de Riobaldo com Diadorim ganham proeminência na análise por formarem um arco cujas extremidades seriam ocupadas pelo teor testemunhal do relato de Riobaldo e pelo desfecho messiânico da trama.
Palavras-chave: Guimarães Rosa; Grande Sertão: veredas; representação da violência; modernidade; messianismo.
Abstract: The present work tries to bring out a broad view to the exam of Guimarães Rosa’s novel Grande Sertão: veredas, focusing on the problem of modernization and its implications on the representation of violence on the plot. We propose, as method, a two part analysis: the first, from a horizontal point of view, subtracts its substance from the Brazilian history; the second one, a transversal approach, whose goal is to reveal the point in which, after using the representation of violence as its raw material, the novel tears its particulars aspects – the mise-en-scène of the decay of Brazilian patriarchal forces and the consolidation of social relations mediated by the law in the sertão – and advances towards the core of modern sovereignty – in which the relation between law and violence is fundamental. As a development of this contact, Rosa’s work would gain its universals contours by representing the scarce possibility of justice and redemption faced with a formless and, therefore, monstrous violence. We intend to show how Grande Sertão: veredas uses this notably modern kind of violence as the driving force that leads to, in a first moment, the structuring of the jagunço’s universe upon mythical basis to, in a second moment, deconstruct them tragically, revealing the cycle of violence, attached to guilt and fate, that culminates in an escalade of anguish and in its catastrophic ending. In this way, the prominent relations between Riobaldo and Diadorim would form an arc whose extremities would be occupied by the ‘testimonial tenor’ of Riobaldo’s narrative and by its messianic outcome.
Keywords: Guimarães Rosa; Grande Sertão: veredas; representation of violence; modernity; messianism.

1- Introdução:
Guimarães Rosa recepciona o leitor de Grande Sertão: veredas com a enigmática frase que servirá de epígrafe e de mote para sua obra: “O diabo na rua, no meio do redemoinho”. O crítico Luiz Roncari, em seu livro “O Brasil de Rosa”, apropria-se desta epígrafe de modo interessante, interpretando o redemoinho a que alude Rosa como sua solução para os impasses políticos – nascidos de uma época de grandes transformações históricas e de importantes impasses institucionais – que se apresentam ao escritor. Diz Roncari:
Pois não seriam estas as faces dos dois ventos contrários – caudilhismo e cesarismo, patriarcalismo e ordem familiar burguesa, regionalismo e cosmopolitismo –, nos campos da política, do amor e das letras, da vida pública, privada e literária, cujos embates formavam o redemoinho [...]? (RONCARI, 2004, p.24)
O esforço analítico de Roncari se insere num movimento amplo de parte da crítica literária que se debruça sobre Guimarães Rosa com o intuito de esclarecer os nexos entre as dinâmicas da vida social no Brasil e a forma singular de seu romance. De maneira geral, o escopo deste movimento crítico tem sido o de rastrear, em Grande Sertão: veredas, traços que possibilitem uma dupla interpretação: tanto de uma história criptografada como também de um projeto político que repousaria nas entrelinhas da narrativa. Tal constatação levanta a necessidade de se apontar o foco desta análise diretamente para os seguintes questionamentos: como compreender a relação entre a história brasileira e a obra de Rosa? Quais seriam, pois, os agenciamentos e constrangimentos que permitiriam a Rosa, nas palavras de Antonio Candido, submeter o regionalismo a uma ‘explosão transfiguradora’ (CANDIDO, 2006a)? Seria possível afirmar que, nesta rotação de perspectiva proporcionada pela obra rosiana no cenário da prosa brasileira do século XX, alocar-se-iam os elementos que dão, à crítica, as chaves para o desvelamento de seu potencial estético e político?
É certo que a literatura de Rosa joga luz sobre muitos dos processos sociais fremidos pelo choque de ‘ventos contrários’ da história e que podem ser resumidos na idéia de modernização: no entanto, pretende-se mostrar que, no confronto entre os ventos – entre a tradição e a modernidade, entre os costumes senhoriais e os burgueses – o resultado é algo de outra natureza. Ao contrário do que afirma Roncari, a modernização encarada como redemoinho – cujo centro o diabo habita – não permitiria sua interpretação como “harmonização das forças contrárias, como modo de solução” (RONCARI, 2004, p.23). Neste sentido, o deslocamento da literatura rosiana para o centro do vórtice da modernidade exigiria uma leitura crítica que encarasse os problemas levantados por sua obra de modo a rejeitar a simples transição do antigo para o novo, ou justaposição do novo sobre o antigo. É necessário, portanto, que se aceda a uma concepção de modernização que permita à crítica apreender o movimento da obra rosiana do meio do redemoinho.
Para isso, em Grande sertão: veredas, a representação da violência jagunça oferece uma importante porta de entrada para a análise. Sobre este tema, Ana Paula Pacheco (2006, p.106) afirma:
Em Grande sertão: veredas, se pudermos concluir deste modo, foi ainda possível ao autor criar um mundo em que o jaguncismo figurasse livremente, de certo como invenção simbólica – mas que ‘encarna as formas mais plenas da contradição no mundo-sertão’ [...]. A violência dos jagunços – ali isolada das outras violências sociais – podia ser imaginada como forma de redenção.
No romance de 1956, a própria lei que parece reger aquele mundo é a lei do universo jagunço: há claramente uma mitificação da violência que emana daquelas relações e que insurge como condição imprescindível inclusive para qualquer possibilidade de justiça e redenção. Se, em entrevista a Günter Lorenz, Guimarães Rosa afirma, sobre a violência jagunça, que
o que ali acontece não são crimes. A gente do sertão, os homens de meus livros, [...] vivem sem consciência do pecado original; portanto, não sabem o que é bom e o que é mau. Em sua inocência, cometem tudo o que é chamado ‘crimes’, mas que para eles não o são (COUTINHO, 1991, p.94),
pode-se supor que existe um vínculo essencial entre violência e direito, violência e culpa que se estende sub-repticiamente no terreno sobre o qual se erige obra: vínculo que acaba por se mostrar sobremaneira relevante para a apreensão dos novos contornos éticos emersos com a modernidade. O desafio deste artigo seria, portanto, apontar como a obra de Rosa se situa numa região em que tais temas se entrelaçam de modo a potencializar seu alcance político e estético, bem como apontar a maneira como este campo de forças – arregimentadas pela modernidade – faz tremular os agenciamentos que percorrem de ponta a ponta o romance, em seus mais diversos níveis.

2- A vida nua e a violência sem significado:
Walter Benjamin, em seu ensaio “Crítica da violência – Crítica do poder”, afirma: “É falsa e vil a afirmação de que a existência teria um valor mais alto que a existência justa, quando se toma ‘existência’ apenas no sentido da mera vida”. O autor continua:
Sem dúvida, valeria a pena investigar o dogma do caráter sagrado da vida. Talvez, ou mesmo provavelmente, esse dogma seja recente, o último erro da enfraquecida tradição ocidental de procurar na impenetrabilidade cosmológica o sagrado que ela perdeu. [...] Finalmente, é significativo que a qualificação de sagrado recaia sobre algo que, segundo o antigo pensamento mítico, é marcado para ser portador da culpa: a mera vida. (BENJAMIN, 1986, p.174).
É possível dizer que Michel Foucault teria levado a cabo a sugestão benjaminiana e localizado quando, no Ocidente, o poder soberano passou a gerir e controlar a vida como parte de uma nova configuração da soberania política: segundo o autor, a partir dos limiares da Idade Moderna, um poder que antes se exercia essencialmente como instância de confisco – inclusive da vida – passara a ser um poder “destinado a produzir forças, a fazê-las crescer e a ordená-las mais do que a barrá-las, dobrá-las ou destruí-las. Com isso, o direito de morte tenderá a se deslocar ou, pelo menos, a se apoiar nas exigências de um poder que gere a vida e a se ordenar em função de seus reclamos” (FOUCAULT, 2005, p.128). Passa-se, portanto, da velha fórmula causar a morte ou deixar viver para causar a vida ou devolver à morte: neste quadro, as instituições de justiça passam paulatinamente a se integrar a aparelhos reguladores, cuja função primordial torna-se a de reprodução do próprio poder.
É exatamente a este poder – ou, nos termos foucaultianos, ao biopoder – que Benjamin parecia aludir: poder que, modernamente, ao sacralizar a mera vida biológica e ao trazer o simples viver para o centro dos cálculos políticos, faz com que o espaço da vida nua – originariamente situada à margem da norma – venha paulatinamente coincidir com o terreno da pólis. Assim como a passagem da voz à linguagem para Aristóteles (cf. AGAMBEN, 2007, p.15) pressupõe um trânsito entre o silêncio das meras manifestações de dor e prazer animais para a expressão do justo e do injusto – a saber, da ética, que é própria ao homem –, também a política, reduzida em seu átomo fundamental, pressupõe a vida nua numa relação de exclusão e de inclusão: acerca disso, afirma o filósofo Giorgio Agamben (Idem, p.15-16, itálico no original) “o vivente possui o lógos tolhendo e conservando nele a própria voz, assim como ele habita a pólis deixando excluir dela a própria vida nua”. Quando, no redemoinho da modernidade, os limites entre o dentro e o fora da política, entre bíos e zoé, se esfumaçam de modo a se indeterminarem, a própria política acaba por se sustentar sobre uma aporia essencial, “que consiste em querer colocar em jogo a liberdade e a felicidade dos homens no próprio ponto – a ‘vida nua’ – que indicava a sua submissão” (AGAMBEN, 2007, p.17)
Tendo em vista a construção deste quadro da modernidade, como não se apropriar da epígrafe rosiana de modo a considerá-la o mecanismo heurístico que, ao mesmo tempo, lança luz sobre a matéria histórica da qual se utiliza Rosa – a saber, as contradições vividas por um universo sertanejo em franca ebulição – e aponta para o centro da célula da soberania política? Neste sentido, o redemoinho não pode ser encarado como harmonização de tendências antagônicas na cultura brasileira: pelo contrário, se a vida matável e insacrificável do homo sacer – colocado virtualmente em potência no exato ponto em que a vida do cidadão moderno se confunde com o direito – se estende a todo o terreno da política, o resultado não pode ser outro senão a própria figura do diabo – insígnias da desordem ética e da violência – habitando o seu centro.

3- O Mal e o mundo misturado:
Riobaldo, no movimento de revirar a memória, que constitui a sua própria narração, fornece ao leitor inúmeras passagens em que se apresenta a figuração do Mal como algo que nasce do chão do sertão. Numa delas, o herói conta o que sentiu quando, já jagunço antigo, sentou-se no trem em frente a um delegado profissional:
Vinha com um capanga dele, um secreta, e eu bem sabia os dois, de que tanto um era ruim, como outro ruim era. [...] E – lhe falo: nunca vi cara de homem fornecida de bruteza e maldade mais, do que nesse. [...] Vinha reolhando, historiando a papelada – uma a uma as folhas com retratos e com os pretos dos dedos de jagunços, ladrões de cavalos e criminosos de morte. Aquela aplicação do trabalho, numa coisa dessas, gerava a ira na gente. [...] Mas, as barbaridades que esse delegado fez e aconteceu, o senhor nem tem calo para poder me escutar. Conseguiu de muito homem e mulher chorar sangue, por este simples universozinho nosso aqui. (GS:V, p.34-35)
É nítido que, num primeiro plano, o desconforto de Riobaldo ante o delegado se assenta sobre o fato de ele representar o outro combatido pelas forças jagunças. A cruzada travada pelas tropas do governo contra os jagunços só faz crer que a lei jagunça é em si uma ameaça à soberania do Estado, “não pelos fins que possa almejar, mas pela sua própria existência fora da alçada do direito” (BENJAMIN, 1986, p.162). No entanto, para além da simples oposição ao ‘inimigo’, é preciso que se atente que, como sugere o excerto acima, em nenhum momento do romance a alternativa modernizadora se mostra a Riobaldo revestida de um vislumbre de justiça; ao contrário, a violência controladora e tecnicizada do delegado se assemelha à violência animalizada que muitas vezes Riobaldo identifica na própria atividade jagunça.
Através desta identidade, que a princípio é um tanto quanto desconcertante para quem deseja encontrar oposições simétricas na obra de Rosa, é possível extrair elementos importantes para o exame aqui empreendido. O esparramar-se do estado de exceção, que se confunde inteiramente com a norma na modernidade, faz com que esta violência animalesca – que antes era o pressuposto externo da política, sobretudo na imagem de um estado de natureza – brote dos poros do sertão e desarranje os parâmetros éticos que regem a vida na pólis. Em Grande Sertão: veredas, o funcionamento desta engrenagem alcançou sua máxima potência, tornando impossível, em muitos momentos da trama, a distinção segura, por exemplo, entre a violência justa da violência inteiramente sem sentido.
Em muitos níveis do romance é possível puxar o fio de tal temática: num primeiro plano, constata-se a presença constante de pequenas histórias que preenchem a narrativa, pequenos causos cuja substância é simplesmente o relato do Mal causado por uma violência completamente sem fins2; noutro plano, é possível ver nas figuras animalizadas de certas personagens – dentre as quais a que mais se destaca é Hermógenes – a relação íntima entre o abjeto, a violência, a ausência de humanidade: ou melhor, a completa indistinção entre tais traços, o que acaba por lhes dar feições ainda mais monstruosas3. Mas há momentos, nas reflexões de Riobaldo, em que o narrador explicita de maneira gritante seu incômodo com o soçobrar da ética no sertão, tal qual a seguinte passagem:
eu careço de que o bom seja bom e o rúim rúim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado... (GS:V, p.237)4
É curioso que Riobaldo chegue a esta constatação numa noite de insônia na qual discutia com Jõe Bexiguento acerca da conduta jagunça, suas violências e suas culpas:
Pecados, vagância de pecados. Mas, a gente estava com Deus? Jagunço podia? Jagunço – criatura paga para crimes, impondo o sofrer no quieto arruado dos outros, matando e roupilhando. Que podia? [...] A gente, nós, assim jagunços, se estava em permissão de fé para esperar de Deus perdão de proteção? (GS: V, p.236-237)
A esta pergunta, Jõe responde: “Uai, Nós vive...” (Idem, p.237). Diante da simplicidade da resposta do jagunço, Riobaldo chega à importante reflexão sobre o ‘mundo misturado’ do sertão. Riobaldo não consegue ser como Jõe, para quem, “no sentir da natureza dele, não reinava mistura nenhuma neste mundo – as coisas eram bem divididas, separadas” (Idem, Ibidem). Ou seja, uma das chaves para o entendimento do funcionamento dos mecanismos da violência soberana no romance está justamente no caráter hesitante de Riobaldo: ele porta a culpa que é, em seu fundo mais íntimo, a insígnia da relação entre vida e direito, da relação entre exceção e norma; culpabilidade violenta à qual se submete o homo sacer no seu trânsito entre os liames do ordenamento jurídico.
Riobaldo, de certa maneira, representa precisamente um estado de avanço da modernidade que se mostra como um ponto de não retorno: é impossível voltar à conjuntura em que as fronteiras entre o dentro e o fora na política – e, portanto, na vida – fossem claramente demarcadas; tampouco é possível expiar sua culpa com o apelo à transcendência divina: Riobaldo se vê só, com suas lembranças, e sua narrativa vacilante ao interlocutor em silêncio é, de certa forma, o espelho no qual é refletida sua condição. Ou seja, a procura incessante de Riobaldo pelas raízes de sua culpa – como, por exemplo, nos questionamentos acerca do pacto – são olhares para o fantasma da vida nua que percorre o sertão: o vulto de sua culpa não se refere a nenhuma falha moral, a nenhum delito, mas é, se é possível assim dizer, uma culpa que remete “à pura vigência da lei, ao seu simples referir-se a alguma coisa” (AGAMBEN, 2007, p.34): destarte, o elemento irredutível da culpa seria precisamente a figura do homo sacer – que, aprisionado no abandono, exposto a uma matabilidade informe, funciona como a roldana que mantém juntos direito e vida.
Se o que se sugere aqui é que Grande Sertão gira sobre um eixo que toca a violência da soberania moderna, não é, portanto, por acaso que o desenvolvimento da trama coincide com o desenvolvimento de Riobaldo como jagunço: de fato, se observar-se bem, ele é o único personagem em cujo ser impera a dúvida, ele é o único que sente dentro de si o constante revolver interno de suas certezas e que vê nascer, dialeticamente, “a esperança mesmo do meio do fel do desespero” (GS:V, p.237). Não se quer afirmar, com isso, que as demais personagens sejam inteiramente estanques: não é difícil mostrar também altos e baixos em Zé Bebelo, Diadorim etc. Mas o que aqui se intenta evidenciar é que, em linhas gerais, tais personagens oscilam diante de características pessoais bastante marcadas, enquanto que a tônica do caráter de Riobaldo é a própria dúvida: e, se é possível dizer que a vacilação das demais personagens do romance está diretamente ligada ao crescimento de Riobaldo como jagunço, este soçobrar dialético da alma do herói coincide com o seu caminhar em direção à violência e em direção à culpa5.
Com efeito, chega-se assim a uma importante distinção metodológica no recorte do romance: se, até a morte de Joca Ramiro, a força de gravidade de Grande Sertão: veredas está alocada na guerra entre os jagunços e os soldados do governo, o movimento de Riobaldo na trama pode ser caracterizado pela sua cooptação pelas forças jagunças. Ou seja, até sua metade, o romance se utilizaria do substrato histórico, que assinalaria a modernização do país, sobretudo do sertão – cujo fim seria a extinção de uma força que é alheia à força centralizadora do Estado republicano – para, por um lado, fazer crescer as figuras míticas dos chefes em oposição a uma força que representa a ameaça de destruição da ordem jagunça; e, por outro, observar o jogo de atração e repulsão em que Riobaldo se coloca perante a violência. A escolha de um lado, para Riobaldo, coincide com a escolha de uma violência que ainda apresenta algum sentido, por mais que o próprio narrador reconheça também nela os sinais do abjeto. A vitória dos jagunços, a prisão de Zé Bebelo e seu julgamento podem, assim, ser considerados os marcos que balizam e sustentam a ascensão mítica na trama – isto é, a obnubilação da real potência destruidora da violência, escondida na sombra do arco formado pelos chefes jagunços, em cujos extremos se colocam Joca Ramiro e Hermógenes – e, como ponto de inflexão da obra, ao mesmo tempo revelam seu ulterior desenvolvimento e seu mergulho na violência recíproca.
Se Grande Sertão acabasse neste ponto, ele já seria um grande romance: mas, a partir de sua segunda metade – a saber, a partir da guerra motivada pela vingança – percebe-se com maior nitidez que há uma força que traga a obra para um mergulho mais fundo na violência, para uma dissolução trágica dos laços tecidos na primeira metade da trama. Para uma melhor compreensão do funcionamento desta temática em Grande Sertão: veredas, cabe que se atente ao cenário do julgamento na fazenda Sempre-Verde. Por que é possível dizer que tal cena marca uma virada na obra? Há consenso na crítica literária que trata de Grande Sertão de que o evento tem grande importância alegórica; no entanto, há muita discordância no que tange o seu significado. Para Willi Bolle (2004), por exemplo, o julgamento não deve ser encarado como alusão a um projeto político utópico e democrático: ele seria uma estratégia do autor para descobrir a engenhosa máquina de produção dos discursos do poder. É certo que a guerra continuará e que, como um revolver diabólico da terra prometida pelo direito burguês, ao invés de o advento do julgamento romper o ciclo de vinganças, dar-se-á início a uma guerra fratricida. Mas ainda assim pode-se afirmar que se trata de uma encenação? Seguramente não. Mais do que mera retórica, o julgamento de Zé Bebelo é um julgamento sobre sua vida: o que está em jogo não é um projeto político democrático vislumbrado por Rosa – a “possibilidade de interação pública entre homens mediados pela lei” (STARLING, 1999, p.122) –, tampouco somente um jogo discursivo observado por Riobaldo (BOLLE, 2004). Se é necessário dizer para que lado o julgamento aponta, dir-se-ia que ele não remete nem ao passado arcaico do Brasil, tampouco ao futuro projeto democrático: ainda retomando a epígrafe rosiana, o julgamento seria o momento em que o mundo revirado, o mundo à revelia, entra dentro do vórtice da modernidade, tocando o chão no ponto em que direito, vida e violência se confundem numa indistinção mútua: uma zona que se situa aquém do bem e do mal.

4- Diadorim – amor culposo, amor violento, amor messiânico:
Numa passagem, que se encontra no início do livro, mas que, na memória e no contar embaralhados de Riobaldo, remete a um momento posterior à traição de Hermógenes e Ricardão e à morte de Joca Ramiro, Diadorim diz: “’Tá que, mas eu quero que esse dia chegue!’ [...] ‘Não posso ter alegria nenhuma, nem minha mera vida mesma, enquanto aqueles dois monstros não forem bem acabados...’”. E continua Riobaldo, sobre o amigo:
E ele suspirava de ódio, como se fosse por amor; mas, no mais, não se alterava. De tão grande, o dele não podia mais ter aumento: parava sendo ódio sossegado. Ódio com paciência [...]. E, aquilo forte que ele sentia, ia se pegando em mim – mas não como ódio, mais em mim virando tristeza. Enquanto os dois monstros vivessem, simples Diadorim tanto não vivia. [...] Durante que estávamos assim fora de marcha em rota, tempo de descanso, em que eu mais amizade queria, Diadorim só falava nos extremos dos assuntos. Matar, matar, sangue manda sangue. (GS:V, p.45-46, grifo meu)
A figura de Diadorim merece uma atenção especial na apreciação crítica do romance: o relato de Riobaldo não deixa dúvidas de que o Menino, Reinaldo, Diadorim sempre exerceu um poder de atração sobre o herói, desde o dia em que se conheceram às margens do São Francisco, quando o garoto de olhos verdes revestiu-se de uma coragem que o pequeno Riobaldo desconhecia para atravessar o rio. Contudo, após o assassinato do pai, Riobaldo vê Diadorim destilar dentro de si este ódio que cresce e exige a vingança, ódio que não demanda outra coisa senão a continuação de uma guerra corrosiva, que coloca jagunços contra jagunços. Se, portanto, após o julgamento de Zé Bebelo, a anomia se enraíza graças ao contato com a célula soberana desnudada (cf. SELIGMANN-SILVA, 2009), é possível caracterizar este segundo momento do romance como seu descenso trágico: começando pela morte de Joca Ramiro, todo o investimento mítico se dissolve em violência; Hermógenes, antes parte integrante do sistema jagunço, despe-se de sua pouca humanidade e assume seu caráter animalesco e abjeto – pactário –; a coragem do Menino/Reinaldo revela seu duplo na obsessão por vingança e sangue; a atração de Riobaldo por Diadorim paulatinamente se trasveste em destino e violência.
Como afirma o crítico Roberto Schwarz: “Diadorim não é o diabo, mas a espetadela do destino que põe Riobaldo fora dos eixos.” (SCHWARZ, 1981, p.49). De fato, Diadorim é a força do destino que o arrasta ao sertão, ao fundo de violência que culminará no pacto. Ao puxar o fio da violência, as escolhas de Riobaldo tendem a, cada vez mais, ganhar contornos de golpes de destino; à medida que reconhece a dureza do sertão, o herói se espanta com o absurdo da constatação de que o que o move bruscamente à aspereza de sua sina violenta seja o amor:
Sertão é o penal, criminal. Sertão é onde homem tem de ter dura nuca e mão quadrada. [...] Por que foi que eu conheci aquele Menino? O senhor não conheceu, compadre meu Quelemém não conheceu, milhões de milhares de pessoas não conheceram. [...] para que foi que eu tive de atravessar o rio, defronte com o Menino? [...] Deveras se vê que o viver da gente não é tão cerzidinho assim? (GS:V, p.126)
Não por acaso, tal amor por Reinaldo\Diadorim é um amor vergonhoso: para Agamben, a vergonha “é o que se produz na absoluta concomitância entre uma subjetivação e uma dessubjetivação entre um perder-se e um possuir-se, entre uma servidão e uma soberania” (AGAMBEN, 2008c, p.112). Não haveria maneira melhor de pôr a nu o vínculo ambíguo entre Diadorim e Riobaldo. Diadorim, com seu extraordinário pólo de atração, coloca em movimento, no ser de Riobaldo, esta engrenagem que tece a teia da dúvida e da violência, da hesitação e da certeza, da passividade e da soberania. Portanto amor e violência em Diadorim são fundamentalmente inalienáveis: assim como a vergonha que este amor transgressor exerce sobre Riobaldo é essencial para o próprio revolver da alma do narrador, a coragem que brota timidamente da alma de Riobaldo através da força de gravidade de Diadorim move-o no sentido de assumir para si a violência de que necessita para dar fim à guerra. Ainda acerca do asco, continua Agamben: “quem prova asco, de algum modo se reconheceu no objeto de sua repulsa, e teme, por sua vez, ser reconhecido por ele. O homem que sente asco reconhece-se em uma alteridade inassumível, ou seja, subjetiva-se em uma absoluta dessubjetivação” (Idem, p.111, itálico no original). De fato, se a narrativa de Riobaldo oscila numa zona entre o ser e o não-ser, em grande parte isto se deve à relação tensionada que o herói mantém com seu companheiro Diadorim: as lembranças dele promovem os momentos de mais alto lirismo na prosa rosiana – a saber, quando as reminiscências de Riobaldo pousam sobre Diadorim, sua narrativa se torna cristalina, e tanto o seu ser como o mundo parecem-lhe revelar sua unidade. Por outro lado, Diadorim é sua neblina: é também a força que o arrasta ao fundo mais ermo do sertão; é aquele que distila o ódio e anseia por vingança, fazendo Riobaldo com ele submergir na mais absoluta violência.
Neste ponto, é possível afirmar que Diadorim é, desde o começo e até o fim, o sinal de desequilíbrio do romance: isto é, Diadorim é o coeficiente de conflito sem o qual Grande Sertão perderia grande parte de sua pujança estética; ele revela o jogo que Riobaldo observa, em seu ser, entre a subjetivação através de sua dessubjetivação, entre amor e violência. Assim, é possível afirmar que o acorrentamento trágico dos destinos das personagens ao descenso até o mais íntimo da violência tem como contrapartida uma escalada da angústia, que coloca ainda mais em evidência o papel de Diadorim neste joguete entre amor e violência, entre culpa e destino. Tal relação aporética é explorada por Georges Bataille no seguinte excerto:
Essencialmente, o amor eleva o gosto de um ser pelo outro a esse grau de tensão em que privação eventual da possessão do outro – ou a perda de seu amor – não é sentida de maneira menos dura que a uma ameaça de morte. Assim, ele tem por fundamento o desejo de viver na angústia, em presença de um objeto de valor tão grande que aquele que teme sua perda fica sem forças. A febre sensual não é o desejo de morrer. Da mesma maneira, o amor não é o desejo de perder, mas o de viver no medo de sua possível perda, o ser amado mantém o amante à beira da fraqueza: somente a esse preço, poderemos experimentar a violência do arrebatamento diante do ser amado (BATAILLE, 2004, p.379)
Diadorim mantém vivo, portanto, o elemento de desordem que habita o coração de Grande Sertão: veredas, e é por isso que Riobaldo se aferra ao amor pelo amigo para descer ao fundo mais obscuro da violência e da morte. Assim, a proximidade com Diadorim é a proximidade com a transgressão; logo, trata-se da tradução da substância da soberania na matéria prima da escalada da angústia, que prepara para o movimento de catástrofe do final da trama: o momento em que Riobaldo faz o pacto, emerge como chefe, assume para si a violência, torna-se jagunço para superar o jagunço, e marca o fim da guerra com a revelação de uma verdade – Diadorim é Deodorina. Da catástrofe, sucede o momento de silêncio de sua morte:
Recaí no marcar do sofrer. Em real me vi, que com a Mulher junto abraçado, nós dois chorávamos extenso. E todos meus jagunços decididos choravam. Daí, fomos, e em sepultura deixamos, no cemitério do Paredão enterrada, em campo do sertão. / Ela tinha amor em mim./ E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi./ Aqui a estória se acabou./ Aqui, a estória acabada./ Aqui a estória acaba. (GS:V, p.616)
Com a morte de Diadorim, Riobaldo perde o contraponto necessário para movimentar-se enquanto sujeito: ele vê-se irremediavelmente pregado a si mesmo, como se sua consciência desabasse e, “ao mesmo tempo, fosse convocada, por um decreto irrecusável, a assistir, sem remédio, ao próprio desmantelamento” (AGAMBEN, 2008c, p.110).
A estória acaba, mas a história não acaba. E é, de fato, sobre tal aporia que se sustenta Grande Sertão: a estória poderia ter acabado com a morte de Diadorim, que instaura a grave lacuna no coração de Riobaldo, e com o rompimento brusco do ciclo de violências que caracterizou o agrilhoamento trágico dos destinos dos protagonistas; contudo, se com a morte de Diadorim sobrasse só o silêncio, nada teria se erguido a partir daí: Riobaldo cairia numa dura contemplação dolorosa. Este silêncio, se levado às últimas conseqüências, é a morte do homem: o que necessita ser objeto de reflexão é a paradoxal relação entre morte e vida, e no caso de Rosa, a passagem de uma para outra; intrincado jogo explicitado por este trecho de Bataille:
Esse desejo de soçobrar [...] difere contudo do desejo de morrer pelo fato de ele ser ambíguo: é, sem dúvida, o desejo de morrer, mas é, ao mesmo tempo, o desejo de viver, nos limites do possível e do impossível, com intensidade sempre maior. É o desejo de viver deixando de viver ou de morrer sem deixar de viver. [...] Mas a morte de não morrer não é precisamente a morte, é o estado extremo da vida (BATAILLE, 2004, p.376-377)
E, de fato, o estado extremo da vida é o que se atesta como o grande arrebatamento estético em Grande Sertão: veredas: a permanência na vida através da exploração exaustiva da culpa e da violência. Por tal motivo é de suma importância que se considere o funcionamento paradoxal dos dois níveis em que a obra de Rosa opera: o primeiro nível – da trama – atua sobretudo por meio dos movimentos do ser de Riobaldo, repelido e atraído pela violência, pelo amor e pela morte. Movimento que age no sentido da constituição do sujeito e da matéria narrativa através de um investimento na angústia e na negatividade. O segundo nível depende em todos os significados do final catastrófico da obra: a revelação da verdade e a perda do sinal de desequilíbrio – representado por Diadorim – colocam Riobaldo em choque – “Fim que foi./ Aqui a estória se acabou” (GS:V p.616). Contudo, ainda sobra uma culpa fantasmática, e ela precisa ser levada ao seu paroxismo com a confissão de Riobaldo para que encontre sua verdade – como aponta o próprio Riobaldo, no trecho supracitado: “Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade” (GS:V, p.616).
Portanto, o silêncio de morte do arrebatamento catastrófico convive com a narrativa durante toda sua extensão como seu elemento oculto: não à toa, o narrador-herói nunca escondeu de seu interlocutor que o fim da trama já estava contido no começo – com o enigmático “Nonada” (GS:V, p.23) Riobaldo abre sua narrativa. Com o deslocamento do silêncio pós-catástrofe é que advém a possível leitura messiânica do romance: em grande parte, tal efeito se deve ao local na qual Rosa instalou a fala de Riobaldo: tamanha proximidade com a violência arrastou-a aos confins da linguagem e da memória – não é fortuito, portanto, que ela seja sobremaneira vacilante e fragmentada. No entanto, ao alocá-la neste lócus particular, toda a narrativa de Riobaldo que dali surge é uma passagem do silêncio para a fala; toda sua linguagem se constitui como travessia da morte para a vida, da culpa que cala o homem para o momento de expressão, que funda a experiência e a história (cf. AGAMBEN, 2008b). E o sinal desta passagem está devidamente atestado na maneira como Riobaldo encerra seu testemunho: “Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia” (GS:V, p.624)

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1 Mestrando do programa de pós-graduação em Teoria e História Literária do IEL-UNICAMP. Bolsista CAPES. Email: felipebier@gmail.com
2 O relato do caso da Maria Mutema é, dentro do âmbito deste debate, o melhor exemplo para se identificar o que aqui se está discutindo. Para um maior aprofundamento na interpretação desta passagem, ver As formas do falso, de Walnice Nogueira Galvão (1986)
3 Estado de indistinção e de violência que remete à idéia de estado de natureza, tão cara às teorias que tocaram no problema do nascimento do corpo político e da civilização: neste sentido, é interessante notar que tanto o mitologema hobbesiano (HOBBES, 2008) – a saber, a imagem do homem lobo – quanto a hipótese freudiana do assassinato do pai da horda primitiva, presente no ensaio “Totem e Tabu” (FREUD, 1953), mostram a dupla face do nascimento da norma: a violência sem qualquer possível mesura e seu ulterior aspecto mítico – o homem lobo do homem e o pai onipotente da horda de Freud –, que remete a um período pré-humano em que tal violência teria feito-se presente.
4 Davi Arrigucci Jr. discute exatamente a mesma passagem em “O mundo misturado – romance e experiência em Guimarães Rosa” (1994), apostando na profícua intuição de que há uma relação intrínseca entre a mistura ética no sertão, o Mal e o nascedouro da língua de Rosa.
5 Neste ponto é importante lembrar que a dúvida e a culpa acompanham Riobaldo até o presente da narração, ou seja, é imprescindível que não sejam separados o conteúdo da trama e a própria construção da fala perante um interlocutor em silêncio. Ou seja, se Riobaldo pisa em um terreno arenoso devido à extrema proximidade com a violência, é necessário que o gesto crítico de análise se estenda à difícil questão da construção da linguagem rosiana.
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