Capa |  Editorial |  Sumário |  Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 7 

VIDEIRAS DE CRISTAL - O ROMANCE DOS MUCKERS: CONTRASTES ENTRE
FICÇÃO E HISTÓRIA

Tiane Reusch de Quadros1


"As almas dos fiéis se assemelham a videiras de Cristal:
fecundas nos verões luminosos mas frágeis e quebradiças
quando cobertas pela geada no inverno."
(Videiras de Cristal, Luiz Antônio de Assis Brasil,1990)

Resumé
L´objetif de cet article est contraster la vérsion litteraire et la vérsion histórique du épisode Mucker qui a arrivé au Rio Grande do Sul . Le roman Videiras de Cristal, de Luis Antônio de Assis Brasill ne correspond pas fidélement à l´histoire , attendu qui il est littérature,et pourtant, il faut faire l´attention pour éviter les erreurs dans la difusion des événements.

Introdução

Em Videiras de Cristal, de Luiz Antônio de Assis Brasil, temos uma parcela da história do Rio Grande do Sul mesclada com ficção. Embora o autor se utilize da História como pano de fundo, sabemos que a veracidade não é o principal objetivo de uma narrativa ficcional. ADORNO em sua obra Teoria Estética afirma que
mesmo a obra de arte mais sublime adota uma posição determinada em relação à realidade empírica, ao mesmo tempo que se subtrai, ao seu sortilégio, não de uma vez por todas, mas sempre concretamente e de modo inconscientemente polêmico contra a sua situação à respeito do momento histórico (ADORNO, 1970, p. 16)
Apesar do não-comprometimento da Literatura com a História, através da leitura da obra de Assis Brasil passamos a perceber a dimensão histórica da revolta dos Mucker. A partir disso, é possível iniciar um processo de resgate histórico, indo a algumas fontes e contrastando informações para obter ao menos uma noção de como teria ocorrido a tragédia do Ferrabraz.
Até há algumas décadas, de acordo com GALVÃO E ROCHA (1996, p. 31), havia praticamente só uma fonte de consulta: o livro "Os Mucker", de autoria do padre jesuíta Ambrósio Schupp, que conta a história dos Mucker, como se estes fossem um bando de fanáticos, chefiados por um curandeiro e charlatão de nome Maurer e sua mulher, uma louca e analfabeta que se dizia reencarnação de Cristo, chamada Jacobina.
Ainda de acordo com os autores, quando Luiz Antônio de Assis Brasil escreveu o romance "Videiras de Cristal" retratou a trama do Ferrabraz sob o enfoque do romance-ficção, mas seguiu, ainda assim, embora literariamente aprimorado, a linha seqüencial de Schupp.

A importância da memória na construção da História

A Literatura é capaz de trazer à tona fatos históricos que possam ter ficado esquecidos, deixados à margem por uma sociedade que não conserva a memória de seu povo. Grandes tragédias ocorridas no passado muitas vezes se transformam em relatos breves e desprovidos de emoção às vistas da História. De acordo com FÉLIX (2004),
estudar memória é falar não apenas de vida e de perpetuação da vida através da história; é falar também nas memórias dos excluídos, daqueles que a fronteira do poder lançou à marginalidade da história, a um outro tipo de esquecimento ao retirar-lhes o espaço oficial ou regular da manifestação do direito à fala e ao reconhecimento da presença social2
Muitas vezes a História conta os fatos partindo de um único ponto de vista, deixando de lado a voz de muitas pessoas envolvidas. FELIX (2004, p.41) esclarece que "o modo de seleção da história funciona de maneira diversa do modo de seleção da memória podendo, entre ambas, haver tensão e oposição". A memória não é considerada uma fonte totalmente confiável de informações pela História, pois as lembranças estão sempre em relação exclusiva com o indivíduo que viveu uma experiência, e isso pode fazer com que os relatos não correspondam fielmente à realidade, estando carregados de visões pessoais. Segundo a mesma autora,
A memória liga-se à lembrança das vivências, e só existe quando laços afetivos criam o pertencimento ao grupo, e ainda os mantém no presente. Não é o físico ou o territorial que permite a existência do grupo e, sim, a dimensão do pertencimento social, criado por laços afetivos que mantém a vida e o vivido no campo das lembranças comuns, geradora de uma memória social." (2004, p. 39)
Por mais que versões pessoais dos fatos históricos não sejam imparciais, é necessário conhecer diferentes pontos de vista, pois a História não é construída por uma única voz. Como as vivências dos excluídos são, muitas vezes, carregadas de sofrimentos, ocorrem na memória
zonas de sombras, de silêncios e não-ditos. Esses discursos são decorrentes da angústia de não encontrar escuta, demostrando o medo dos indivíduos e dos grupos sociais de serem punidos ou de serem mal-entendidos. É essa fronteira entre o dizível e o não-dizível que separa a existência de uma memória coletiva organizada de uma sociedade que é majoritária ou de um Estado que deseja se impor, de uma outra "memória coletiva subterrânea" da sociedade civil dominada ou de grupos específicos.3
Na revolta dos Mucker, muitas vozes ficaram silenciadas em função do massacre. A versão que conhecemos condena os supostos fanáticos e, infelizmente, Videiras de Cristal não privilegia "o outro lado" da História.

Os "Mucker"

Antes de tudo, para que possamos compreender a revolta dos "Mucker", é necessário sabermos onde se realizou esse conflito. GALVÃO E ROCHA, em sua obra "Mucker", fanáticos ou vítimas? trazem a localização geográfica do ocorrido:
A leste do Rio Grande do Sul, no prolongamento da serra dos Dois Irmãos, fica o morro do Ferrabraz, com uma altura aproximada de 350 metros. No meio do caminho, entre o Hamburgerberg e o Ferrabraz, havia dois vilarejos: o Campo Bom e a Fazenda Leão (Leonerhoff). Da Fazenda Leão, vinte minutos a pé, adentrando no mato, na direção nordeste, chega-se à região chamada "Padre Eterno", sopé do morro Ferrabraz, palco de todo o drama dos Mucker." (GALVÃO E ROCHA,1996, p.32)
A Fazenda Leão é hoje o desenvolvido município de Sapiranga.
Quanto à significação de "Muckers", de acordo com GALVÃO e ROCHA (1996), embora apareça em alguns escritos a palavra "Muckers", trata-se de uma pluralização indevida. Por invariável, escreve-se "Mucker " tanto para singular quanto para plural. Dos mesmos autores, consta ainda que, pela definição de alguns filólogos alemães, Mucker deriva-se do verbo mucken (incomodar), e é uma palavra de muitos sentidos, entre eles: inconformado, contestador, descontente, vingativo, teimoso, casmurro, reclamante. É incorreta, para os autores, a tradução de fanático que alguns querem dar.
Em Videiras de Cristal, a palavra muckers aparece com a conotação de "santo fingidos, santarrões e hipócritas". (ASSIS BRASIL, 1990, p. 108)
De acordo com os historiadores, os Mucker não tinham, inicialmente, a intenção de se tornarem violentos. Foram a exclusão social e a falta de uma cultura mais esclarecida que acabou levando-os para o confronto, a revanche e a violência.

O romance Videiras de Cristal e a História

De acordo com a História, o episódio dos "Mucker" gira em torno da família Maurer, no qual o casal João Jorge e Jacobina criaram um círculo de interesses (João Jorge curava os doentes através das plantas e Jacobina lia a Bíblia e fazia pregações). A partir disso surgiu uma pequena sociedade, que muitos chamavam de seita.
Além do casal Maurer, temos o pastor João Jorge Klein, que auxiliava Jacobina nas pregações. No confronto, destacam-se João Lehn (o inspetor de quarteirão), o subdelegado Cristiano Splinder e o delegado de polícia de São Leopoldo Lúcio Schreiner.
Os confrontos com a Igreja Católica e Protestante e com as autoridades policiais se deu a partir de incêndios que foram realizados nas casas de famílias da região, o que resultou em muitas mortes. Os incêndios foram atribuídos aos Mucker, e isso causou a revolta da população e das autoridades da época. O grupo foi massacrado e recebeu a culpa pelos crimes da região. GALVÃO e ROCHA questionam a atribuição dos crimes aos Mucker:
Há até hoje uma busca de por quês, a respeito de tantas mortes, incêndios e destruição . As pistas encontradas não são unânimes. Parece claro que a intolerância e a maldade de alguns, de lado a lado, está ligada a distúrbios genéticos de gerações passadas, descendência dos criminosos degredados. Os Mucker foram colocados contra a parede, e matar era a única forma de se defenderem. Outros invocam razões de vingança e punições contra dissidentes e perseguidores. Aí aparece o radicalismo e o fanatismo. E, por fim, há correntes que sustentam que o clima social entre os moradores da colônia, antes dos Mucker, era de isolamento e de uma certa intransigência, geradora, não raro, de inimizades. Nesse bojo, muitas mortes teriam sido praticadas por rivalidades, na certeza de que a culpa recairia nos Mucker.4
A leitura da obra de GALVÃO E ROCHA é bastante elucidativa, uma vez que traz a dúvida quanto àquilo que até então tinha sido considerado uma verdade absoluta. A revolta dos Mucker é uma história com final trágico, em que muitas pessoas morrem por algo que, nos dias atuais, seria considerado apenas mais uma entre tantas manifestações de fé.
Como os personagens centrais do episódio dos Mucker são João Jorge Maurer e sua esposa Jacobina, vejamos agora o que traz a obra Videiras de Cristal e o que dizem outras versões acerca dos mesmos.

João Jorge Maurer e a cura através das plantas

João Jorge Maurer, esposo de Jacobina Maurer, era admirado pelos moradores de sua região pelo seu dom de curar com as plantas:
No princípio era apenas o Doutor Maravilhoso - Der Wunderdoktor! - como todos exclamavam, fascinados pela sua habilidade em curar com as plantas, embora fosse analfabeto e seus horizontes não alcançassem além do distrito de São Leopoldo. (ASSIS BRASIL,1990, p. 18)
Existem diferentes versões para o fato de João Jorge ter adquirido sua tão famosa habilidade, mas o que prevalece é o fato de ser sua esposa, Jacobina, a responsável pelo sucesso das curas:
João Jorge Maurer perguntou uma vez a ela [Jacobina] por que as plantas nem sempre faziam efeito. Jacobina respondeu: "Farão efeito se você quiser me ouvir. O espírito natural pode te orientar. Ele fala pela minha boca". A partir desse dia, João Jorge explicava aos clientes que as receitas das poções não eram mais prescritas por ele, mas sim pelo Espírito Natural que falava por intermédio de Jacobina." (ASSIS BRASIL,1990, p. 55)
Em "Os Mucker", SCHUPP narra a "vocação" de Maurer ao uso das plantas através de uma "voz misteriosa":
Um dia - assim se referem os outros - estava João Jorge na roça, de machadinha em punho, "esmoiteava" e abatia a rudes golpes uma árvore após a outra. Era um dia quente, e Maurer sentia mais do que aliás o incômodo de seu trabalho.Mal tinha ele erguido o busto, para conceder a si mesmo uns momentos de descanso, quando ouviu uma voz: "João Jorge, por que tanto te atormentas? Vai, joga de ti a tua machadinha e faze o que te apraz! Nasceste para ser médico!" (SCHUPP, 1993, p. 39)
De acordo com GALVÃO E ROCHA, João Jorge teria conhecido um homem, talvez um pastor ou um simples curandeiro, de nome Ludwig Buchorn, de quem aprendeu a usar a riqueza das plantas da região para fins medicinais. O fato verdadeiro teria sido que Buchhorn curou Jacobina de seus males crônicos e ensinou João Jorge a identificar ervas e aplicá-las adequadamente. Por ser o Ferrabraz uma colônia na qual havia falta de médicos (o mais próximo ficava em São Leopoldo, a três horas de carroça), surgiam, não só na região mas em muitos lugares do Rio Grande do Sul , curandeiros. João Jorge conhecia as necessidades de sua região e passou a receitar chás às pessoas que o procuravam. Além disso, João Jorge criou um pequeno hospital em sua casa, onde os doentes permaneciam até a cura.
Ainda dos mesmos autores consta que as doenças mais comuns eram ferimentos decorrentes do trabalho no campo e cansaço proveniente do esforço físico. Pessoas de diferentes localidades do estado procuravam o "Wunderdoktor" segundo a pesquisa de GALVÃO E ROCHA, que criticam o posicionamento de SCHUPP quando este afirma que "o Brasil, rico em plantas medicamentosas, possibilita que até pessoas ignorantes conheçam grande número delas e as empreguem com vantagem" (GALVÃO E ROCHA, 1996, p. 39), pois o padre considerava Maurer um charlatão, sendo que este apenas tinha a intenção de suprir as deficiências de sua região. João Jorge não impunha pagamento, segundo os autores, e isso teria lhe rendido a simpatia dos vizinhos, muitos pacientes e, mais tarde, quando sua fama aumentou, resultou em invejas e incompreensões. João Jorge seria um pacifista que, mesmo quando perseguido e aprisionado, nunca apelou para a violência. Quando estava para iniciar o conflito, ele teria ido embora. Não porque fosse um covarde, como o acusavam, ou porque se sentia traído por Jacobina, mas porque seu objetivo era curar e não matar.

Jacobina Mentz Maurer, a "profetisa"

A obra de Ambrósio Schupp traz uma Jacobina cruel, que se aproveitava da boa-fé dos seus seguidores para promover sua falsa superioridade sobre todos:
Dizes que sou o Cristo, e eu o sou. E estas palavras saídas da minha boca são palavras do Espírito de Cristo. Estou sofrendo e hei de sofrer, mas vou experimentar uma ressurreição. Quem o acreditar e ainda algo mais, esse terá a vida eterna."
Jacobina conhecia o seu público. Sabia até que ponto podia confiar em sua credulidade. Tinha proferido suas palavras com uma autoridade e firmeza, que garantia de modo pleno o efeito por ela visado. O que ainda faltava à sua encenação sacrílega era a de ela agora escolher também, como Cristo o fizera, seus apóstolos, e passou a fazê-lo. (SCHUPP,1997, p. 61)
A obra de Assis Brasil também traz uma Jacobina crente no seu dom, porém, esta é mais humilde do que a de Schupp, pois reconhece que é apenas uma mulher que se comunica com Deus:
Porque o Senhor falava a Jacobina e Jacobina falava a Ele; uma comunhão perfeita entre o Espírito e a Carne, entre a divindade e o homem. Ela, Jacobina, não era nada, ninguém, uma pobre coitada como todos os que se ajoelhavam e sofriam naquela sala. Mas por um especial Dom, só compreensível pela extrema generosidade de Deus, ela ouvia de Deus tudo o que Ele queria dizer aos homens; confiassem nela, ainda que sua presença e sua voz de mulher parecessem tão fracas. (ASSIS BRASIL, 1990, p. 98 e 99)
Quanto ao adultério de Jacobina, em Videiras de Cristal o fato aparece diversas vezes, mas sempre de forma sutil, sem negar nem afirmar, mas dando fortes indícios de que era verdadeiro. O fragmento abaixo traz um desabafo da personagem de João Jorge, o Wunderdoktor, quando este se sente sem valor diante de Jacobina:
Minha angústia aumenta e toma sentido quando vejo tantos homens à volta de Jacobina, todos desejando devorá-la com os olhos cheios de cobiça. Não imagine que posso ignorar esse Rodolfo Sehn, forte e barqueiro, como ele procura estar junto dela, pronto para atender qualquer uma de suas vontades. E noto também como ela se entrega a essa adoração, gostando de enxergá-lo completamente rendido. (ASSIS BRASIL, 1990, p. 177)
O fato de Jacobina ser amante de Rodolfo Sehn também é discutido pelos populares. O fragmento abaixo faz parte de uma conversa entre Martinho Kassell, opositor da seita e Jacó-Mula, fiel seguidor de Jacobina:
-Você, que é próximo de Jacobina, você deve falar para ela ter um procedimento que não deixe dúvidas. Eu sei que ela é muito carinhosa com todos que chegaram lá, beija a todos, mas parece que Rodolfo Sehn faz coisas que os outros nem imaginam.
- O quê?
-Vai para a cama com Jacobina.
-Isso é mentira, Kassel! - Jacó-Mula ergueu-se, enérgico. (ASSIS BRASIL, 1990, p. 270)
A obra de Schupp traz claramente a afirmação de que Jacobina teria "trocado" de marido, pois João Jorge era muito fraco para acompanhá-la:
Apareceu, afinal, Jacobina. Começou-se com um cântico, e assim, o culto religioso iniciara. Findo o hino, dispôs-se Jacobina para a pregação. Em primeiro lugar anunciou que se havia divorciado de João Jorge e unido matrimonialmente com Rodolfo. E ela justificava esse passo, dizendo que não era justo que quem tivesse pouco do Espírito, se achasse à frente de uma causa, que tanto espírito requeria que o espírito de João Jorge havia se considerado fraco em demasia e que sua força tinha se passado a Rodolfo. (SCHUPP, 1993, p. 174)
SCHUPP traz a versão de que não só Jacobina teria abandonado o marido, mas também teria esta aconselhado outros casais a divorciarem-se. Os autores GALVÃO E ROCHA revelam que tudo o que se falou sobre Jacobina e os Mucker são boatos para denegrir a imagem de Jacobina e seus seguidores.
Jacobina foi amante de Rodolfo Sehn?
Esta afirmação pode estar na linha dos tantos boatos desabonadores contra os Mucker. Rodolfo era fiel a Jacobina e a João Jorge (...). Ele era forte, jovem e de boa aparência; funcionava como uma espécie de guarda-costas de Jacobina. Foi quem a protegeu na hora da luta final. Daí a afirmar uma relação mais íntima entre eles carece de maiores fundamentações.5
O fragmento abaixo, dos mesmos autores, sintetiza a opinião dos mesmos sobre o assunto:
Tudo indica que, no início João Jorge Maurer foi a figura principal, passando a liderança, posteriormente, para Jacobina. Quais as práticas que foram adotadas pela seita? Já sabemos que não foram nomeados apóstolos, nem praticados atos de libertinagem; não mataram crianças nem sangraram supostas vítimas; não foram indivíduos desordeiros, mas pacatos colonos e não construíram uma fortaleza, como era voz corrente.6

Conclusão

A obra de Schupp traz a afirmação de que os Mucker matavam aqueles que não aderissem à seita, e é essa a versão mais conhecida da história, que faz com que pensemos que eles realmente foram criminosos:
O furor dos Mucker não mais tinha qualquer consideração, seja quanto ao sangue, seja quanto à amizade. O maior dos crimes era para eles que alguém pudesse negar-se a entrar na seita ou - o que era ainda pior - retirar-se dela. Quem o tivesse feito, era candidato à morte, mesmo se se tratasse de um irmão carnal. (SCHUPP, 1993, p. 220)
Videiras de Cristal apresenta a história dos Mucker baseada nessa versão. Mas a grande questão levantada pelos historiadores GALVÃO E ROCHA permanece, pois ainda há muito o que se verificar quanto à veracidade dos fatos. Os autores buscam responder se os Mucker eram fanáticos ou vítimas através de sua pesquisa, e chegam à conclusão de que antes de serem fanáticos, eles foram vítimas do egoísmo, da opressão, da intolerância, do abuso de autoridade e da incapacidade de negociar conflitos, apenas para citar alguns exemplos.
A reação violenta empreendida pelos seguidores de Jacobina e João Jorge é um fato inconteste, incapaz de ser minimizado. O que precisa ser mensurado, todavia, são os estímulos, as ameaças, as agressões que os arrancaram da situação de pacatos colonos para uma posição de enérgicos defensores de um direito que julgaram usurpado e ofendido. Essa avaliação é toda a medida da história. (GALVÃO E ROCHA, 1996, p. 104)
A leitura de uma obra como Videiras de Cristal nos instiga a saber mais sobre a nossa história. No entanto, é preciso ter o cuidado de não procurar uma única fonte de consulta em busca da verdade, pois a versão dos fortes é freqüentemente privilegiada em relação a versão dos fracos, dos excluídos. Algumas pessoas, ao lerem uma obra literária, tomam como verdadeiros os fatos por ela apresentados, e é preciso estar alerta quanto a isso. O autor ficcional não tem comprometimento com a História, mas utiliza-se dela como melhor lhe aprouver. Os Mucker não são os monstros que a história pintou e, por isso, é necessário que o leitor, tanto da Literatura quanto da História possua um olhar crítico diante dos fatos, pois a Literatura também se inspira na História e, infelizmente, nem sempre difunde os acontecimentos de forma positiva.


BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor. Teoria Estética. São Paulo: Martins Fontes,1970.
ASSIS BRASIL, Luiz Antônio de. Videiras de Cristal. - O romance dos Muckers. 5.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.
FÉLIX, Loiva Otero. História e Memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Universitária, 2004.
GALVÃO, Antônio Mesquita; ROCHA, Vilma Guerra da. Mucker - fanáticos ou vítimas? Porto Alegre: Est, 1996.
SCHUPP, Ambrósio. Os "Mucker" - A tragédia histórica do Ferrabraz. 4. ed. Porto Alegre: Martin Livreiro,1993.

1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Letras - Nível Mestrado / Estudos Literários da UFSM
2 FELIX,2004, p. 42.
3 POLLACK in FÉLIX, 2004, p. 46.
4 GALVÃO E ROCHA,1996, p.80.
5 GALVÃO E ROCHA, 1996, p. 76.
6 GALVÃO E ROCHA,1996, p.104.

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