Capa | Editorial | Sumário | Apresentação   Revista nº 5
  APRESENTAÇÃO

       

Convém traçar uma diferença básica entre a Arte e a Ciência. Convencionalmente, enquanto essa última está preocupada em encontrar soluções imediatas para os problemas que surgem no seio da sociedade, aquela, em inúmeros casos, propõe-se a demonstrar as falhas humanas com um intuito marcado: advertir os homens dos perigos sociais para que eles se armem contra tais ameaças.

Os estudos contidos na presente Revista Eletrônica não visam a um fim prático imediato; ao contrário, eles se propõem a esclarecer, embora modestamente, alguns pontos de vista críticos ou mesmo conservadores que ainda perpassam na consciência social. Seu objetivo, portanto, é chamar a atenção para certas inconsistências e desajustes que os homens, na sociedade contemporânea, carregam.

Esta Revista foi organizada por membros do Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo e apresenta inúmeros tópicos de abordagem condizentes ao núcleo temático apregoado pelo Projeto. Este número conta com artigos de oito colaboradores cujos interesses radicam em torno da denúncia de um sistema social marcado por práticas ou ideologias autoritárias.

A Revista inicia com um artigo de autoria de Amarildo Luiz Trevisan. Nele, o autor propõe-se a investigar os impactos gerados pela concepção unidimensional da racionalidade na formação cultural (Bildung) e suas perspectivas de reversão, analisando o ponto de vista de Theodor Adorno, segundo o qual o poder de sensibilização humana se daria pelas imagens estéticas. Com isso, o autor – através de uma análise realizada a partir de uma leitura semiótica e hermenêutica de imagens que enfatizam o sentido expressivo do conceito de formação cultural nos fundamentos da Educação – aposta nas Ciências Sociais, nas Artes e nas Letras, para se produzirem conhecimentos que resultem na formação de agentes produtores e socializadores de capital cultural. Do seu ponto de vista, isso propiciaria um sistema menos desumano e cruel.

A aludida idéia de que a formação cultural está impregnada por elementos ideológicos autoritários fica reforçada no artigo de Juliana Beatriz Klein. Segundo ela, é a cultura de determinada comunidade e a disseminação dessa cultura que promovem e privilegiam atitudes fascistas. A arte, frente a esse imperativo, deveria promover a reflexão dessas formações culturais em cujo alicerce estão presentes elementos autoritários. A autora elege uma canção de Renato Russo para, dentre outros aspectos, manifestar o caráter crítico e de denúncia aí veiculado.

Segue-se a esse trabalho, o artigo de João Luis Pereira Ourique. Através da análise do filme Mera coincidência, o autor pretende demonstrar a manipulação que a mídia sofre e de que faz uso para atender aos pressupostos ideológicos elaborados pela elite dominante. Em seus apontamentos, João Luis procura defender a hipótese de que tal manipulação é determinante nas formas de controle e organização social, convergindo, assim, para experiências limites associadas ao autoritarismo.

O artigo de Joselaine Brondani Medeiros volta a sua atenção para a obra Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, publicada em 1953, depois dos acontecimentos da ditadura do Estado Novo (1937-1945). A sua leitura centra-se, dentre outros aspectos, nas formas de violência sofrida pelos presos políticos, ou seja, aqueles sujeitos considerados subversivos ao sistema autoritário, para, com isso, revisar o conceito de história tradicional. Através da análise do romance, a autora procura enfatizar a necessidade de se formular um novo conceito de história, que se pauta não nos grandes feitos da humanidade, mas na exclusão social, na violência e nas inúmeras formas de discriminação.

Na mesma linha argumentativa, está o artigo de Luziane Boemo Mozzaquatro. Ela analisa os contos Os sobreviventes e Eu, tu, ele, ambos extraídos do livro Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu. Tematizando acerca das relações dos indivíduos com os acontecimentos ocorridos na Ditadura Militar brasileira, os textos buscam elaborar temática e formalmente aspectos vinculados ao autoritarismo vivido na época. Assim, marcas de opressão coletiva, torturas e massacres filiam-se a uma forma de composição estética fragmentada e desestruturada. Tudo isso sugeriria a representação do estado psicológico dos sujeitos sociais.

Uma abordagem semelhante é desenvolvida por Maria Isabel Londero. O seu artigo discute os entrelaçamentos não somente entre texto literário e contexto social, mas também os vínculos existentes entre o tema da obra artística e a sua forma de estruturação. Tomando como referência o romance Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, que narra a imersão do narrador-protagonista no contexto violento e opressor dos anos 1970 e 1980, a autora tenta defender a idéia de que o estilo fragmentário de composição, dosado com um conteúdo crítico, visa a resistir às acomodações em lógica linear causal ou a esquemas positivistas, propondo, assim, uma representação da história enquanto uma sucessão de catástrofes e ruínas.

Vera Lúcia Lenz Vianna e Lizandro Carlos Calegari dedicam seus artigos à produção de Clarice Lispector. A primeira, com base no romance Perto do coração selvagem, acompanha a trajetória de vida da personagem Joana, com o intuito de enfatizar a premissa de que o corpo é um meio onde se processam saberes. Com isso, segundo a autora, ter-se-ia a subversão da idéia de que os paradigmas tradicionais sobre a aquisição de conhecimento estariam sustentados na e pela razão. Assim, conforme Vera Lúcia, “isso implica, necessariamente, assinalar questões relativas à produção de sentido e às relações de poder e dominação que marcam tanto os limites como as posições dos sujeitos na conjuntura social”. O segundo – através da análise do conto Amor, da obra Laços de família pretende demonstrar que a humilhação, a inferioridade, a marginalização e a violência enfrentadas pelas mulheres na sociedade brasileira estão associadas à ideologia patriarcalista autoritária que permeia as relações sociais.

Gostaríamos de agradecer a contribuição de todos pela disponibilização dos presentes artigos, o que veio a enriquecer as possibilidades de debates a respeito de tópicos que necessitam de atenção e constante revisão.

Com isso, portanto, a Revista, mais uma vez, é um esforço no sentido de reunir trabalhos que buscam aumentar as condições para reflexão acerca do impacto do autoritarismo na produção cultural e, particularmente, no âmbito da Literatura.

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Rosani Úrsula Ketzer Umbach
João Luis Pereira Ourique
Lizandro Carlos Calegari (Orgs.)

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