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A LEITURA SOCIOLÓGICA DA OBRA FELIZ ANO VELHO, DE MARCELO
RUBENS PAIVA

Maria Isabel Londero [1]

Introdução

A literatura moderna oferece ao leitor um caminho através do qual é possível sondar e compreender aspectos de uma determinada sociedade, porém, nesse processo, para não incorrer em suposições infundadas, é imprescindível ter em mente que as fronteiras que separam literatura e história nem sempre se apresentam bem definidas. O texto literário, nesse prisma, não corresponde a um espelho, ou seja, não é um simples reflexo ou um resgate da história passada, mas pode ser visto como um objeto através do qual se torna possível descobrir indícios do poder, do desejo, enfim, da ideologia da sociedade em questão. É um foco de inconformismo interagindo com o contexto histórico ao qual pertence e não a simples representação de uma realidade.

Não se pode esquecer também, quando se procura uma intersecção entre literatura e contexto social, que a historicidade de um texto literário está em sua própria forma de construção, na linguagem empregada, nos temas elegidos, na disposição destes no contexto mais amplo da obra, ou como afirma Nicolau Sevcenko, “[a] criação literária revela todo e seu potencial como documento, não apenas pela análise das referências esporádicas a episódios históricos ou do estudo profundo dos seus processos de construção formal, mas como uma instância complexa, repleta das mais variadas significações e que incorpora a história em todos os seus aspectos, específicos ou gerais, formais ou temáticos, reprodutivos ou criativos, de consumo ou produção” (1985, p. 246).

Em Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, tem-se uma narrativa que agrega as características da literatura moderna, permitindo que a obra seja analisada tomando como parâmetro o processo de inserção social do autor e a sua manipulação da linguagem no intento de causar estranhamento ao leitor para, assim, despertar neste algum tipo de reação.

Com tom irônico e bastante crítico, o romance retrata as experiências sofridas pelo protagonista durante um momento de grande transformação em sua vida particular. Marcelo, o narrador, é um jovem à procura de um ideal: superar com humor e verdade alguns traumas de sua vida, como o desaparecimento político do pai, o deputado socialista por São Paulo, Rubens Beyrodt Paiva, e o acidente que o deixou deficiente aos 20 anos de idade. Marcelo conta sua história com mestria, revelando sentimentos que o ligam à sua geração. A sinceridade sem limites do autor e a forma como aborda alguns temas da época tocam com sutileza em alguns tabus, entre eles o erotismo. Mais do que memórias, Marcelo Rubens Paiva traça um retrato da geração nos fins dos anos 70 e início dos 80.

Caracterizado como autobiográfico e, portanto, narrado em primeira pessoa, o texto apresenta, através de uma linguagem fragmentada, do uso freqüente de termos vulgares e de uma superposição de fatos, o ponto de vista de um indivíduo que sofre de maneira muito intensa as conseqüências das perseguições políticas realizadas durante o Regime Militar.

 Através da complexidade temática e da ruptura com as formas convencionais da escrita, o romance apresenta uma reflexão sobre os conflitos sociais, proporcionando uma discussão sobre aspectos de um contexto sócio-político marcado por autoritarismo e repressão.

Diante de alguns aspectos que podem ser ressaltados na obra, percebe-se que o problema que circunda os limites de abordagem dessa leitura necessita de aportes teóricos de cunho sociológico que venham a contribuir para a interpretação deste texto. A justificativa mais plausível e que melhor satisfaz essa consideração, como já foi sugerida, apoia-se, com efeito, na possibilidade de associação entre Literatura e contexto social, já que, na visão de Antonio Candido (2000), “a análise estética precede considerações de outra ordem” (p. 3). A partir dessa base, será proposta uma leitura a fim de se examinar a influência exercida pela obra de arte sobre o meio social e ainda a influência desse último sobre a obra de arte no que tange a aspectos temáticos, atentando ainda para questões de cunho formal.

No âmbito deste estudo, serão levados em consideração o enredo e a estrutura formal da obra na tentativa de uma melhor compreensão do tema desenvolvido, buscando-se ainda uma articulação entre esses elementos e referenciais de História Social e Sociologia da Literatura, tendo em vista autores consagrados pela Escola de Frankfurt, dentre eles, Walter Benjamin e Theodor Adorno, como norteadores da investigação. Isto porque se acredita que a interdisciplinaridade desempenha um papel fundamental neste processo, tendo em vista a necessidade de respaldo em outras áreas do conhecimento para refletir sobre o caráter ideológico da formação de sociedades autoritárias.

Democracia brasileira: o desmascaramento da ideologia através da arte

Para definições dessa ordem, é preciso pontuar o fato de que o Brasil, ao longo do seu processo de formação, apresentou uma série de valores degradantes para o conjunto da sociedade brasileira de tal forma que permanecem dissimulados na realidade atual. Paulo Sérgio Pinheiro, consciente das condições de formação da nação brasileira, pensa o Brasil como um país de tradição autoritária, “sem ruptura com o antigo regime” (1991, p. 47). Aliás, a Independência instaurada em 1822 não extinguiu a nação economicamente dependente; a Abolição da Escravatura, em 1888, não suprimiu, na prática, o país escravocrata, nem as leis racistas; e os preconceitos herdados na tradição patriarcal não deixaram de vigorar. A exemplo desses acontecimentos, a República – principalmente através das práticas oriundas dos latifundiários – manteve ideologias de exclusão e de preconceitos contra as classes desassistidas politicamente e, sobretudo, economicamente.

Afora isso, é importante salientar que o Brasil, em particular na primeira metade do século XX, foi palco de uma série de eventos que, mais do que nunca, atestou o caráter autoritário da classe dirigente da nação. Dentre esses fatos, merecem destaque as práticas violentas advindas do Estado Novo (1937-1945) e a influência da Segunda Guerra Mundial (1942-1945).

Na segunda metade do século XX, a propósito, o Brasil experimentou, em particular durante o período ditatorial (1964-1985), as mais diferentes pressões impostas pela classe dominante. Os poderes de que a ditadura passaria a dispor não apresentavam limites. A brutalidade cometida pela classe dirigente, recalcada no apoio militar, gravitava em torno das repressões das contestações armadas por meio de torturas, execuções e perseguições variadas; perda dos direitos políticos; financiamento da montagem do aparelho repressivo, dentre outras.

Em resumo, conforme afirma Segatto, a formação social brasileira é marcada por políticas autoritárias e governos repressivos, que, em diferentes períodos e sistemas governamentais, exerceram forte poder e opressão sobre as estruturas sociais, especialmente sobre as massas populares. O sociólogo, fazendo uma relação entre diferentes momentos históricos do Brasil e representações desses traços na literatura, afirma que nosso processo histórico “caracterizou-se por ter sido marcadamente excludente e autoritário” (1999, p. 201). Temas e problemas de ordem social, como democracia limitada, cidadania restrita, repressão e opressão, conforme o autor, são “postos e repostos freqüentemente nas explicações e análises de grande parte dos cientistas sociais” e representados na literatura, sendo que, nas manifestações artísticas, essa realidade é “criada, ou recriada, inventada ou reinventada artisticamente (...) ela surge de modo peculiar, como representação artística, como figuração estética, por meio de imagens sensíveis” (1999, p. 201-202). Nessa perspectiva, o autor revela que a produção literária, ao (re)construir o real, cria um conhecimento particular que contribui “para o desvendamento da essência mesma do processo histórico brasileiro” (1999, p. 219), afastando-se de qualquer tipo de banalização ou distanciamento no trato de questões que atingiram negativamente o modo de vida e relacionamento entre os indivíduos.

As reflexões de Segatto são extremamente úteis para compreender como episódios do processo histórico estão representados em obras literárias de forma a expor uma visão diferenciada daquela apresentada pelas ciências sociais. Enquanto estas tentam realizar uma análise descritiva e objetiva dos eventos, a literatura aborda-os através de uma linguagem elaborada estética e subjetivamente, acentuando o impacto destes traços do contexto sócio-histórico na produção artística e cultural. Segatto, neste sentido, destaca a importância do estudo de obras literárias para a descoberta de vários aspectos deste contexto. A literatura, segundo o sociólogo, ao fazer uso da representação estética, pode ser considerada um dos meios de acesso à compreensão do real, ajudando no alcance de elementos fundamentais que fazem parte da realidade histórica concreta.

A literatura desvendando a História

Em vista desses pressupostos, dá-se – por parte do artista engajado – a apreensão da realidade de maneira a representar um universo fragmentado, caótico e dividido. A arte, em virtude disso, começa a incorporar elementos que a diferem de modelos até então vigentes. As mudanças significativas presenciadas nas produções literárias estão centradas, à primeira vista, em aspectos temáticos que, a rigor, contribuem para a sua estruturação formal. Nesse sentido, conforme Theodor Adorno (1988), “[o]s antagonismos não resolvidos na realidade retornam às obras de arte como os problemas imanentes de sua forma” (p. 8). Em outros termos, a representação da realidade conflitiva e tensa não pode formular-se somente em nível temático, mas, especialmente, em âmbito formal. Aliás, Anatol Rosenfeld também observa que "mesmo a deformação e a desarmonia na arte são elementos formais de uma síntese mais ampla" (1993, p. 191), caracterizando-se como espaços de inserção que possibilitam o desmascaramento ideológico.

A desestruturação dos elementos formais sublinhados por Adorno e Rosenfeld – ou seja, a deformação e a desarmonia – seria conseqüência das condições sociais com as quais o artista estaria em contato. Circunstâncias essas que espelhariam valores degradantes acerca da sociedade.

Em vista da descrição da sociedade brasileira e das condições de produção e de recepção das obras literárias naquele período de constantes tensões, é plausível, aqui, ter em conta alguns pressupostos teóricos de Walter Benjamin. Para o autor, a produção artística de “boa qualidade” consistiria naquela que agregaria valores sociais a valores estéticos no intuito de despertar a reflexão acerca da situação presente (1985, p. 121). Não bastaria, portanto, a obra agregar somente valores estéticos ou unicamente sociais, pois “a tendência política correta de uma obra inclui sua qualidade literária, porque inclui sua tendência literária” (idem, ibidem). Afora isso, aqueles valores sociais, para serem agregados, deveriam espelhar a situação atual que, a rigor, é projetada pelo escritor do conjunto de fatos passados, viabilizando, dessa forma, esboços de horizontes de continuidade.

Theodor Adorno, a propósito, é adepto à premissa da impossibilidade da narração de uma experiência massificada pelo mundo capitalista. Na sua concepção “narrar algo significa (...) ter algo especial a dizer”; no entanto, segundo ele, “isso é impedido pelo mundo administrado, pela estandardização e pela mesmidade” (1983, p. 270). A sua proposta, então, é no sentido de projetar um movimento em que o artista, a princípio, se isola do sistema e avalia as condições de estruturação da sociedade e seus valores; para, em seguida, retornar ao sistema, criticando-o com uso de uma linguagem própria desse sistema.

   Em consonância com essa perspectiva, a obra constitui-se como um instrumento de denúncia e documentação das ações repressoras impostas pelo processo, contribuindo tanto para uma conscientização e reflexão acerca das conseqüências de um regime opressor, quanto para a construção de uma memória coletiva.

A narrativa, ao utilizar a primeira pessoa, consistindo em uma autobiografia, diminui o distanciamento entre o narrador e o fato, e, conseqüentemente, apresenta uma maior coerência entre as experiências e a maneira de narrá-las de modo que, se elas foram extremas e difíceis de assimilar, o discurso do personagem também pode carregar este caráter traumático e complexo. Marcelo Rubens Paiva adotou, para a composição de alguns de seus romances, o recurso da fragmentação formal, recurso esse que conota a impossibilidade de se representar objetivamente experiências traumáticas e conflitantes, bem como, remete para a necessidade de renovação estética devido às limitações dos padrões narrativos convencionais, ao recriar esse contexto, pois considera sua perplexidade.

Na obra em análise, a fragmentação formal está ligada ao impasse no entendimento de uma experiência, ou seja, o personagem-protagonista não consegue compreender o que está acontecendo consigo, nem mesmo sabe, com certeza, qual será sua condição futura: “Era mais ou menos a sensação que eu estava esperando sentir, quando saísse daquele hospital. Exilado, sem poder voltar. Alguma coisa ia mudar, isso eu sabia. Mas tinha medo de imaginar o que poderia ser. Afinal, para onde eu não voltaria?” (Paiva, 1982, p. 40). O termo exilado, para definir o fato de estar internado em um hospital, remete semanticamente para uma situação peculiar ao regime ditatorial.

Utilizando-se da fragmentação, a narrativa propõe uma reflexão sobre a importância da obra literária como uma manifestação artística que busque percorrer o caminho inverso ao trilhado pelos historiadores. Nessa perspectiva, abandonar-se-ia a tendência à objetividade e ao mascaramento dos fatos, para explorar-se o fragmento e, em conseqüência, o lado negativo e penoso da história dos vencidos, o que não é retratado pela historiografia vigente.

Assim, portanto, a representação da História, em escritores como Marcelo Rubens Paiva, resiste à acomodação em lógicas lineares causais, ou a esquemas positivistas, incorporando contradições e indeterminações, e se aproximando do que Benjamin propunha como uma representação da História como sucessão de catástrofes, como ruína. Nesse sentido, ao explorar-se o recurso da fragmentação formal, o escritor está conservando, na estrutura interna da obra literária, tanto a perplexidade e a inquietação provocadas pelas estruturas autoritárias e violentas, quanto a visão de História como resultante de constantes catástrofes e ruínas.

Rosenfeld apresenta observações sobre o romance moderno que ajudam a explicar a inovação estética, como a identificada neste romance. Para o teórico, as narrativas modernas se caracterizam, entre outros aspectos, pelo desaparecimento das relações lógico-causais de acontecimentos relatados pelos personagens, o que faz emergir uma estrutura em que a seqüência lógica da narração é abandonada. O autor aponta que este aspecto resulta da reprodução das experiências psicológicas dos personagens:

“Ao desaparecer o intermediário, substituído pela presença direta do fluxo psíquico, desaparece também a ordem lógica da oração e a coerência da estrutura que o narrador clássico imprimia à seqüência dos acontecimentos. Com isso, esgarça-se, além das formas de tempo e espaço, mais uma categoria fundamental empírica e do senso comum: a da causalidade (lei de causa e efeito), base do enredo tradicional, com seu encadeamento lógico de motivos e situações, com seu início, meio e fim. Tais modificações (...) decorrem, pelo que se vê, do uso de recursos destinados a reproduzir com a máxima fidelidade a experiência psíquica”. (Rosenfeld, 1969, p. 84) 

Considerações finais

Obras que problematizam questões políticas e humanitárias e levam o leitor a se posicionar constituem o que Antonio Candido chamou de “literatura social” (1995, p. 249). Esse tipo de literatura “trata de uma realidade tão política e humanitária quanto a dos direitos humanos, que partem de uma análise do universo social e procuram reificar as suas iniqüidades” (Idem, ibidem). Para o autor, as produções literárias “nas quais o autor deseja assumir posição em face dos problemas” (Idem, ibidem) resultam numa “literatura empenhada, que parte de posições éticas, políticas, religiosas ou simplesmente humanísticas. São casos em que o autor tem convicções e deseja exprimi-las; ou parte de certa visão da realidade e a manifesta com tonalidade crítica” (Idem, p. 250).

Na produção literária brasileira, encontram-se diversas obras que podem ser classificadas como “literatura empenhada”, conforme Candido. Dentre elas, pode-se destacar, como se procurou demonstrar, a obra analisada, no sentido de que apresenta uma visão crítica do artista e/ou suas convicções sobre um determinado problema social e político.

O texto de Marcelo Rubens Paiva, entre outras coisas, vem demonstrar a consciência política do escritor em meio a violências e opressões sociais. Constitui um instrumento de denúncia da repressão e das torturas impostas pelo regime da Ditadura Militar instaurada em 1964. Isso pode ser observado principalmente no fragmento em que o protagonista expõe qual seria o provável motivo da prisão de seu pai e a forma como os policiais teriam agido:

“O motivo da prisão parece ter sido uma carta enviada por alguns amigos exilados no Chile. Uma amiga da família, Cecília Viveiros de Castro, depois de visitar o filho no Chile, foi detida no aeroporto, onde os agentes de segurança descobriram as cartas. Dali ela foi levada para a 3ª Zona Aérea (para onde, no dia seguinte, levaram meu pai), comandada pelo brigadeiro João Paulo Burnier. Segundo versão de dona Cecília, ela, outra mulher e meu pai permaneceram de pé muito tempo, com os braços pra cima, num recinto fechado. Com a longa duração do castigo, dona Cecília fraquejou, sendo amparada por meu pai, que estava ao lado dela. A atitude dele irritou o chefe do interrogatório, descrito como “um oficial loiro, de olhos azuis”, que atacou meu pai e começou a surrá-lo.

- Vocês vão matá-lo! - gritou uma das mulheres.

Isto fez com que esse oficial ficasse completamente fora de si e, agarrando a mulher pelos cabelos, forçou-a a aproximar-se do meu pai, já estirado no chão.

- Aqui não se tortura, isto é uma guerra – gritou o oficial”. (1982, p. 71-72)

Nesta passagem, o escritor expõe sua posição ideológica que contesta o sistema político e os modos de exercício do poder, questionando os valores estabelecidos. O intuito provável é de provocar a desalienação e a desacomodação da sociedade:

“Chegará o dia de quem desapareceu com Rubens Paiva, assim como chegará o dia dos que desapareceram com vinte mil na Argentina, porque esses desaparecimentos têm o mesmo significado. O sadismo de alguns imbecis que apenas por vestirem fardas e usarem armas se acham no direito divino de tirar a vida de uma pessoa, pelo ideal egoísta de se manter no poder”. (1982, p. 73)

É nesse sentido que esta produção pode ser classificada como arte empenhada tal como o conceito de “literatura empenhada” defendido por Candido. Benjamin complementa essa idéia salientando a importância do papel do artista no sentido de promover a reflexão do leitor para com o texto artístico. Em outros termos, o escritor – através dos problemas expostos em sua obra – produz sobre o leitor um efeito prático, modificando a sua conduta e a sua concepção de mundo, tornando-o ciente das necessidades de mudança. Essa expectativa de transformação vem expressa de maneira explícita na obra quando o narrador ressalta que
“MATARAM RUBENS PAIVA
JESUS CRISTO
CHE GUEVARA
HERZOG
SANTO DIAS
20 MIL NA ARGENTINA
30 MIL EM EL SALVADOR
MATARAM E DECEPARAM VICTOR JARA

Mas nunca vão matar aquela esperança que a gente tem de um mundo melhor, que eu não sei direito como vai ser, mas tenho certeza de que gente tipo “o oficial loiro, de olhos azuis”, tipo brigadeiro Burnier e tipo Médici não vai ter”. (1982, p. 73)

Ao finalizar, cabe ressaltar que a leitura do romance Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva é de extrema importância no sentido de que o texto apresenta uma crítica ao sistema político implantado no período da Ditadura Militar Brasileira, contrariando o que é expresso pelas ciências sociais. Esta, na maioria das vezes, está a serviço da elite e do poder e, por isso, preocupa-se em apresentar apenas uma versão dos acontecimentos, ou seja, aquilo que representa a história dos vencedores. Marcelo Rubens Paiva resgata o outro lado da história, representando, assim, a história dos vencidos. Esse objetivo será alcançado através do modo original de composição da sua obra, que se caracteriza pela ruptura com as formas convencionais de escrita, pela originalidade da linguagem, pela fragmentação formal e pelo grau de complexidade temática que possui. O emprego de todos esses recursos constitui uma estratégia utilizada para provocar um estranhamento no leitor, com o intuito não só de manter viva na memória deste toda a angústia e o sofrimento descrito pelo narrador, mas também impedir que experiências desumanas e traumáticas sejam banalizadas ou esquecidas, o que poderia provocar a reincidência das mesmas.

Referências bibliográficas

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[1] Graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

 



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