Esta
Revista Eletrônica realiza, na sua edição de número 06, a publicação
de trabalhos apresentados durante o simpósio da ABRALIC 1, o qual foi organizado pelo pelo Professor Jaime Ginzburg, sob o enfoque
da mesa temática que dá título a essa edição: autoritarismo, violência
e melancolia. Com base nessas discussões – tão fundamentais, mas ainda
pouco difundidas dentro da realidade da pesquisa e do debate acadêmico
e levando em consideração todos os problemas relacionados com essa temática
e com as discussões propostas pelo Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo
– é que esses trabalhos se inserem, buscando o espaço necessário na
articulação entre a crítica e a pesquisa.
O
primeiro texto, de Marcelo Jacques de Moraes (UFRJ), confronta o “prazer
estético” de refletir as misérias humanas com base em um julgamento
político e moral que relativiza nossa sensibilidade. Sob o título Baudelaire
e a astúcia do diabo, o autor propõe uma reflexão na qual a lógica
da nossa existência é assumida com a responsabilidade pelos nossos
atos, pois “O diabo baudelairiano se figura, portanto, como algo da
ordem de uma espectralidade excêntrica que vem pôr em questão toda interioridade,
toda identidade a si de um sujeito, incutindo-lhe o gosto do infinito
e enredando-o na alteridade”.
O
ponto cego da experiência: as noções de guerra e de morte em A
exposição das rosas: duas novelas, de István Örkény é o título
do trabalho de Leonardo Francisco Soares (UFMG) que observa, por meio
das novelas de István Örkény, as contradições humanas através das manifestações
da realidade que contribuem para um processo de reificação, enfatizando
a “necessidade irredutível de narrar aquilo que não pode ser esquecido,
ao mesmo tempo em que se tem a consciência angustiante de que a linguagem
não consegue expressar completamente tal experiência.”
O
terceiro texto, Fratura, resistência, paródia: história e estética
em três poetas no Brasil ditatorial (Ana C., Polari, Leminski),
de Wilberth Claython Ferreira Salgueiro (UFES), reflete sobre
a produção poética pós-64 com base em três poemas que, aparentemente
díspares entre si, guardam afinidades na sua intenção de discutir a
negação ou a “recusa do presente, de alguma forma insatisfatório”.
Enfatizando
a melancolia existente na produção de Caio Fernando Abreu, Luana Teixeira
Porto (Mestrado em Letras da UFRGS) realiza um apanhado histórico sobre
o conceito de melancolia, refletindo sobre a sua construção desde a
Antigüidade, passando pela Idade Média, pelo Renascimento e pela revitalização
da visão sobre a melancolia, relacionando as reflexões modernas com
algumas proposições antigas. Sob o título de Um olhar melancólico:
o conto de Caio Fernando Abreu, Luana relaciona a tensão existente
na narrativa de Caio Fernando Abreu que “pode ser vista como uma literatura
que marca uma visão negativa da experiência social no Brasil, especialmente
se considerarmos a representação da situação social e humana durante
os anos de chumbo e da repressão sexual estimulada num país em que idéias
liberais são colocadas ao lado de um pensamento conservador”.
O
quinto trabalho publicado nesta edição, A literatura e o discurso
crítico: Sergio Sant’Anna em debate, pretende uma abordagem da narrativa
de Sérgio Sant’Anna através da construção fragmentária e das inserções
críticas que o texto propõe, destacando o conflito com uma visão totalizante
da realidade ao se articular com questões sociais e políticas que exigem
uma perspectiva com vistas a compor a estrutura narrativa com elementos
extratextuais ou, nas palavras de Ana Paula Teixeira Porto (Mestrado
em Letras da UFRGS), “A configuração do texto de Sant’Anna, por articular
de modo singular procedimentos estéticos variados e por acentuar uma
perspectiva sócio-política de modo criativo, suscita o questionamento
de interpretações propostas para o entendimento da literatura brasileira
produzida após o golpe de 64”.
Rosana
Kohl Bines, antecedendo sua abordagem sobre a obra de Tabajara Ruas,
O Amor de Pedro por João, questiona a leitura de obras relacionadas
com o período pós-64 e o seu vínculo com um aparato teórico que compromete
o processo interpretativo. Entre parênteses: o lugar do murmúrio
na ficção de Tabajara Ruas é o título do texto que busca refletir
sobre o romance que narra a luta armada brasileira contra a ditadura,
realizando uma experimentação entre os extremos através do clima de
tensão sentido nas zonas intermediárias da obra. “Tabajara Ruas cria
uma moldura bipolar para o romance, em que o tom épico-heróico, por
um lado, e a melancolia, por outro, fornecem as balizas contra as quais
os personagens se moverão, modulando suas ações e pensamentos numa gama
ampla de tonalidades e dicções”.
Através
de uma leitura em direção à compreensão das implicações do conflito
entre os sentimentos de ódio e compaixão, Alamir Aquino Corrêa (UEL)
pretende “discutir a violência social decorrente do autoritarismo presente
em qualquer regime social”. A análise dos contos de Terreno de uma
Polegada Quadrada de Samuel Rawet (Ainda uma vez morto,
Sob um belo céu de Maio, Uma tarde de Abril, Reinvenção de Lázaro e
Lisboa à noite) reflete a melancolia como elemento de possibilidade
crítica dentro de um sistema excludente e autoritário. Sob a perspectiva
do enfrentamento com os conflitos internos e externos, o medo da morte
– ou a perda desse medo – o enfrentamento de acusações em um processo
de julgamento que leva a um sentimento de pavor, a tentativa de evitar
o meio circundante, a finitude, a permanência e o ódio resultante do
medo, Melancolia e finitude ou ódio e compaixão em contos de Samuel
Rawet destaca que os “constructos sociais amoldam o comportamento
dos homens, mas efetivam também a dúvida individual sobre o valor de
cada um, sobre a validade das tradições, sobre a impiedade dos piedosos,
sobre a violência dos violentados”.
Encerrando
essa edição, Sobre buraco negros: violência, banditismo e a literatura
da exclusão busca refletir sobre os últimos anos e a realidade que
confronta democracia e exclusão, destacando que o conceito de democracia
está marcado por um sentimento de esperança que se desmorona e leva
consigo todo um projeto de construção da sociedade. “O nosso período
democrático é também, e mais caracteristicamente, período excludente,
era da sociedade excludente. Deste período o que nos interessa não é
tanto o impacto da exclusão, afinal, sempre presente, mas sim a frustração
por um regime democrático não conseguir redimi-la”. Fazendo referência
a uma “miopia ética” e chamando de “literatura da defesa” as obras que
fazem uma crítica à exclusão, Ricardo Pinto de Souza (UFRJ) discute
o espaço ocupado pelo excluído, pelo bandido e pelo sujeito marginal
e marginalizado no cotidiano da nossa sociedade.
Agradecemos
a todos os autores dessa edição pela disponibilização de seus artigos.
Esperamos que a Revista contribua para ampliar o âmbito de discussão
acadêmica bem como propiciar a seus leitores variadas perspectivas de
questões vinculadas ao espaço social e literário.