FRATURA,
RESISTÊNCIA, PARÓDIA: HISTÓRIA E ESTÉTICA EM TRÊS POETAS NO
BRASIL DITATORIAL (ANA C., POLARI, LEMINSKI)
Wilberth Claython Ferreira Salgueiro / UFES
Por método,
premido pelo espaço, buscarei movimentos que, sinteticamente,
apontem a maneira com que três poemas dialogaram com a situação
ditatorial brasileira pós-64. Para tanto, apropriar-me-ei
de conceitos – paródia, fratura, resistência – que tentem
dar conta de aspectos que, formal e ideologicamente, estruturam
tais obras diante de um contexto autoritário perverso. Tão
distintos entre si, os poemas – de Paulo Leminski, Ana Cristina
Cesar e Alex Polari – trazem, no entanto, afinidades inusitadas.
A tese, pois, passa a ser: para além de valores congelados
em cânones ou margens, toma-se como critério de julgamento
estético a “tensão entre sentido e forma”, aceitando-se assim
que o “valor literário não pode ser fundamentado teoricamente:
é um limite da teoria, não da literatura” [1] .
O primeiro
poema, de Alex Polari, intitula-se “Dia da partida” e pertence
ao livro Inventário de cicatrizes, publicado em 1978
sob o patrocínio do Comitê Brasileiro pela Anistia:
Aí
eu virei para mamãe
naquele
fatídico outubro de 1969
e
com dezenove anos na cara
uma
mala e um 38 no sovaco,
disse:
Velha,
a
barra pesou, saiba que te gosto
mas
que estás por fora
da
situação. Não estou mais nessa
de
passeata, grupo de estudo e panfletinho
tou
assaltando banco, sacumé?
Esses
trecos da pesada
que
sai nos jornais todos os dias.
Caiu
um cara e a polícia pode bater aí
qualquer
hora, até qualquer dia,
dê
um beijo no velho
diz
pra ele que pode ficar tranqüilo
eu
me cuido
e
cuide bem da Rosa.
Depois
houve os desmaios
as
lamentações de praxe
a
fiz cheirar amoníaco
com
o olho grudado no relógio
dei
a última mijada
e
saí pelo calçadão do Leme afora
com
uma zoeira desgraçada na cabeça
e
a alma cheia de predisposições heróicas.
Tava
entardecendo. [2]
Amparado
em sólida direção marxista, tingindo de tonalidade utópica
o “ser da poesia”, Alfredo Bosi reconhece no artefato poético
(desde menções de caráter revolucionário no texto bíblico,
passando pelas iluminações de Blake até a força do verbo dos
poetas soviéticos) um poderoso instrumento de resistência,
porque não sucumbe “à falsa ordem, que é, a rigor, barbárie
e caos”. Contra o mal, o discurso da poesia se faz coletivo,
coral, órfico, utópico, “comunitário, comunicante, comunista”:
“O ‘gemido da criatura opressa’ não se cala por infinda que
seja a espera da liberação. E porque esse gemido é também
protesto, altera-se, muda de tom e de timbre, vira grito,
rouco desafio, duro afrontamento, até achar os ritmos da poesia
utópica.” A palavra propicia a transformação, inaugura mundos
– mesmo quiméricos; ao resistir, subsiste “no eixo negativo
que corre do passado para o presente e [persiste] no eixo
instável que do presente se abre para o futuro” [3] . Entre os caminhos estéticos
que a poesia-resistência pode trilhar estão, segundo Bosi,
a metalinguagem, o mito, a biografia, a sátira e a utopia.
Parece este último o caminho indicado pelo poema de Polari.
Expõe-se
o poeta, em “Dia da partida”, sem artificialismos, usando
a linguagem em clave referencial, sem medições ou mediações.
Registra-se o “fatídico” (fatal, trágico) dia de sair de casa,
para não “cair” como o “cara”, num outubro de 1969. No dia
25 deste mês, a Junta Militar – que governava o país desde
que Costa e Silva tivera um derrame em agosto – “elegeu” para
presidente o general Emilio Garrastazu Médici. Tem início
o período mais repressivo e cruel da nossa história recente.
Como informa Boris Fausto, “os grupos armados urbanos, que
a princípio deram a impressão de desestabilizar o regime com
suas ações espetaculares [4] , declinaram e praticamente desapareceram. Esse desfecho resultou,
em primeiro lugar, da eficácia da repressão, que abrangeu
os ativistas da luta armada e seus simpatizantes, constituída
esta última sobretudo por jovens profissionais”
[5] . Se no poema o militante tem 19 anos, na rememoração
livresca (em 1978) o poeta já possui quase 30. A linguagem
coloquial, oralizante, bem ao espírito dos poetas marginais
desbundados, e livres, comparece em peso: “aí”, “barra”, “tou”,
“sacumé”, “trecos”, “mijada”, “zoeira”, “tava”. A “alma cheia
de predisposições heróicas” lembra o Galileu de Brecht,
quando o protagonista diz: “Triste a terra que precisa de
heróis”. Nessa lírica que se quer de cunho confessional e
autobiográfico, é imperioso destacar o engajamento do poeta-cidadão,
Alex Polari, que, preso, escreveu também Camarim de prisioneiro,
em que confirma sua poética de guerrilha, sem torres de marfim:
“Quanto a técnicas, estilos etc., isso permanece para mim
como algo secundário, sem qualquer importância (...) Esses
poemas são, em certa medida, vômitos. Evocam a clandestinidade,
a tortura, a morte e a prisão. Tudo, absolutamente tudo neles,
é vivência real, daí serem diretos e descritivos” [6] .
Em que
pese parte da intelectualidade menosprezar os poemas ditos
engajados, que se arvoram revolucionários, a poesia-resistência
pode se dar de diversas formas, mesmo que se polarizem (e
aí se reduzam) as opções entre história ou literatura.
Atingir o leitor diretamente assemelha-se, ressaltada
a evidente metáfora, a ser atingido pela opressão bélica,
autoritária, censora. Conclui Bosi o capítulo “Poesia resistência”:
“Projetando na consciência do leitor imagens do mundo e do
homem muito mais vivas e reais do que as forjadas pelas ideologias,
o poema acende o desejo de uma outra existência, mais livre
e mais bela. E aproximando o sujeito do objeto, e o sujeito
de si mesmo, o poema exerce a alta função de suprir o intervalo
que isola os seres. Outro alvo não tem na mira a ação mais
enérgica e mais ousada. A poesia traz aquela realidade pela
qual, ou contra a qual, vale a pena lutar.” [7] Optando pelo coletivo, e assumindo
um ar espontâneo para a expressão poética, Polari emblematiza
a tribo que fez da arte um instrumento de denúncia contra
a desumanização, fez da arte uma voz da e pela minoria engajada,
fez da arte um signo de resistência pelo viés do engajamento.
Passemos
ao segundo poema, bastante conhecido, de Paulo Leminski:
ameixas
ame-as
ou
deixe-as
Publicado
em livro de 1980 (Não fosse isso e era menos / Não fosse
tanto e era quase)
[8] , o poema pede, de imediato, um despojar-se da grandiloqüência,
ao colocar chistosamente num pedestal algo tão sem importância,
digamos, vital: ameixas. Para provocar um tal estranhamento,
o chiste bastaria, com seus efeitos de condensação e deslocamento.
Visível é o recurso de tirar de uma palavra outra palavra
(“ame” + “as”, e “eix” + “as” de “ameixas”), que o poeta num
estudo sobre Bashô e o haicai denominou kakekotoba: “É
a passagem de uma palavra por dentro de outra palavra, nela
deixando seu perfume. Sua lembrança. Sua saudade” [9] . O leitor há de se lembrar ou
de descobrir – no inexorável processo de decodificação para
o deleite estético – tratar-se o poema de uma bem-humorada
paródia sobre os negros anos da ditadura, quando o governo
militar divulgou por todos os rincões o slogan “Brasil:
ame-o ou deixe-o”, que nutriu de ilusão e má-fé toda uma geração
de ingênuos e desinformados. Reduzido, por analogia, a uma
ameixa, o país se perde na plenipotência da arrogância e da
propaganda enganosa, ao produzir retoricamente um discurso
midiático de acusação, chamando os exilados (e, por extensão,
os presos e assassinados pelo regime) de “traidores” e “subversivos”.
É o tipo de poema que nos incita a rever a memória pátria,
sem ufanismos tolos ou xenofobias tacanhas.
Freud,
no início de Os chistes e sua relação com o inconsciente,
de 1905, rastreia o conceito de chiste em alguns pensadores
da época: “Um chiste é um juízo lúdico” (Fischer);
“A brevidade é o corpo e a alma do chiste, sua própria
essência” (Jean Paul); “Um chiste diz o que tem a dizer, nem
sempre em poucas palavras, mas sempre em palavras poucas demais,
isto é, em palavras que são insuficientes do ponto de vista
da estrita lógica ou dos modos usuais de expressão” (Lipps).
Dissociando o chiste do cômico, Freud detecta que “rimas,
aliterações, refrães, e as outras maneiras de repetição de
sons verbais que ocorrem em versos, utilizam a mesma fonte
de prazer – a redescoberta de algo familiar”
[10] . Daí, resume os recursos de que lança a mão a condensação
típica do chiste (e que encontra correspondência também nos
sonhos): “uso múltiplo do mesmo material, jogo de palavras,
e similaridade fônica” (p. 193). Dito de diverso modo, o prazer
provocado pelo chiste possui um núcleo verbal e um outro no
nonsense (p. 212).
Basicamente,
pois, depreende-se que o poema de Leminski, lido na fronteira
entre a psicanálise e a história, se sustenta numa rearticulação
fonomorfossintática da linguagem que surpreende ao resgatar,
parodicamente, uma memória imposta pela oficialidade militar
de um regime violento e opressor. Na aparente despretensão
da sátira, o verbo poético corrói, com graça e via alegoria,
a arrogância de um poder armado, poder sem alegria. Assim
visto, pode-se retornar a Freud, quando diz que a paródia
destrói a “unidade existente entre o caráter de uma pessoa,
tal como o conhecemos e seus discursos e atitudes, substituindo
as figuras eminentes ou suas enunciações por outras, inferiores”
(p. 228). A “pessoa” parodiada é o Brasil com seus déspotas,
substituídos pela figura “inferior”, e algo absurda, da ameixa
– fruta não autóctone e, cúmulo da paródia que reescreve a
história, também, na gíria policialesca, bala de arma de fogo.
Ganha, nessa acepção, sentido totalmente diferente: “ameixas
/ ame-as / ou deixe-as”: o poema parece dizer, sob a capa
chistosa, de uma história dividida entre os que querem a guerra
(e aqui se obnubila a diferença esquerda / direita), e os
que não. Certamente, para Leminski, com sua paixão pela linguagem,
os poetas ficam com “piedras / noches / poemas”. Como escreveu
Bosi em livro supracitado, “há um momento em que o poeta mostra
não tomar a sério os valores de uma certa cultura, ou melhor,
as relações entre forma e conteúdo que a dominam: é a hora
da paródia” [11]
.
Quando
escreveu o poema seguinte, intitulado “Água virgem” e datado
de “dezembro 1968”, Ana Cristina Cesar tinha 16 anos:
Perdi-me
no entrelaçar-se de malhas.
Entreguei-me
no manchar-se de sonhos.
Marquei-me
no soluçar-se de perdas.
Sob
o peso deste som
um
flautim
Sob
o som deste peso
uma
queda
rachou
a
chave
calou
a
chuva
barrou
a
chama
(chuvisca
no centro meu – nenhum grito)
“Nenhum
grito”: pouco importando ter sido o poema produzido dias antes
ou depois do “fatídico” 13 de dezembro de 1968 (data do AI-5),
o clima reinante no país atingia a todos, em especial a uma
jovem estudante de família intelectualizada da zona sul carioca,
centro efervescente de agitações culturais e políticas. Certamente
não escaparia à poeta, de reconhecida precocidade, o momento
de exceção que a nação vivia. Cecília Londres, uma de suas
correspondentes, declara que, “aos 18 anos, Ana Cristina já
era mestra em criar sua própria personagem” [12] . Deste modo, pode espantar, pensando-se no poema, o tom absolutamente
fora do “ar do tempo” de então: neste ano de 1968, o Brasil
se incendiava, com soldados recebendo lições “de morrer pela
pátria e viver sem razão” (Vandré, no 3º FIC, em outubro);
ano em que o C.C.C. (Comando de Caça aos Comunistas) invade
o teatro e espanca atores da peça “Roda viva”, dirigida por
Zé Celso; ano em que Caetano canta entre “espaçonaves, guerrilhas”
em “Alegria, alegria”; ano em que em Paris os estudantes se
rebelam contra certas estruturas de ensino e, por extensão,
de poder; ano que – enfim, conforme precisou Zuenir Ventura
– não terminou. E, no poema, a ênfase num silêncio: “(chuvisca
no centro meu – nenhum grito)”. Verso encerrado entre parênteses.
Em artigo
de 1957, Adorno pensava as relações entre lírica e sociedade,
num mundo desencantado, pós-guerra. Redimensionando radicalmente
estas relações, o filósofo alemão diz que “o eu que ganha
voz na lírica é um eu que se determina e se exprime como oposto
ao coletivo, à objetividade. (...) As mais altas composições
líricas são, por isso, aquelas nas quais o sujeito, sem qualquer
resíduo da mera matéria, soa na linguagem, até que a própria
linguagem ganha voz. O auto-esquecimento do sujeito, que se
entrega à linguagem como a algo objetivo, é o mesmo que o
caráter imediato e involuntário de sua expressão: assim a
linguagem estabelece a mediação entre lírica e sociedade no
que há de mais intrínseco. Por isso, a lírica se mostra mais
profundamente assegurada, em termos sociais, ali onde não
fala conforme o gosto da sociedade, ali onde não comunica
nada, mas sim onde o sujeito, alcançando a expressão feliz,
chega a uma sintonia com a própria linguagem, seguindo o caminho
que ela mesma gostaria de seguir” [13] . Este momento em que o sujeito, taticamente, se impõe – se
opondo – sobre o momento histórico (coletivo, objetivo) constitui
o que Adorno denominou de “fratura”: nem resistência-engajamento,
nem paródia-sátira, o poema fratura e dilui o que dele se
poderia esperar como cumplicidade social e crítica política.
Impera o exercício da linguagem que de dentro se constrói,
não se constrói para fora.
Em “Água
virgem”, forma e estrutura reinam: as quatro estrofes são
metricamente calculadas, embora disfarçadas em versos livres:
os 3 primeiros são decassílabos; os 4 seguintes se fazem em
duplas de 7 e 3 sílabas, reiterando o decassílabo; os 6 próximos
têm 2 sílabas, também arquitetados como 3 duplas de 4 sílabas
cada dupla; tudo desaguando em novo e derradeiro decassílabo.
Além disso, tudo no poema é paralelismo, com as lexias se
entrecruzando, como os verbos “Perdi”, “Entreguei”, “Marquei”
denunciando a primeira pessoa, mas logo refugiando-se numa
seqüência em terceira pessoa: “rachou”, “calou”, “barrou”,
para de novo fazer retornar o sujeito silenciado no verso
final: “(chuvisca no centro meu – nenhum grito)”. Há jogos
quiásticos em “peso deste som” e “som deste peso”. Aliterações
e assonâncias recheiam fonicamente o enigmático poema, como
em “chave”, “chuva”, “chama” e uma profusão de rimas internas.
Mesmo a distribuição espacial das estrofes evidencia uma consciência
de linguagem que contribui para que a atenção se volte para
a cena que o próprio poema elabora em torno da “maneira” como
se compõe, menos que a “matéria” de que é feito. Não seria
demais lembrar depoimento da autora em que – falando das significações
de “pato”, “pathos”, “cair que nem um patinho” – afirma: “não
vou chegar nunca na verdade do meu texto. Ler é meio puxar
fios e não, decifrar (...) A poesia – assim como qualquer
assunto – tem um universo próprio (...) Ao produzir literatura,
eu não faço rasgos de verdade, eu tenho uma opção pela construção,
ou melhor, não consigo transmitir para você uma verdade acerca
da minha subjetividade. É uma impossibilidade até. Já que
é uma impossibilidade, eu opto pelo literário e essa opção
tem que ter uma certa alegria. Ela é engraçada. Não é uma
perda como parece” [14] . Assim, nesse redemoinho formal, avultam
imagens como a de “perder-se”, “manchar-se de sonhos”, “soluçar-se
de perdas”, “queda”, “peso”, “rachou” e um “nenhum grito”,
sufocado – como que parado no ar, no ar do tempo. Sem querer
cair como um patinho, sugere-se que, mesmo num êxtase de linguagem
intransitiva, o poema pode falar, sim, de um tempo em que
uma espécie de “impotência” atinge a coletividade e, naturalmente,
cada indivíduo que a compõe. Se a poeta diz, no mesmo depoimento,
que “a literatura, uma literatura mais radical, numa primeira
instância, esquece o público” (p. 202), Adorno dirá que “onde
o eu se esquece na linguagem, ali ele está inteiramente presente”
(p. 75). E, mais uma vez com Bosi, este auto-especular-se
constituiria a carne mesma da metalinguagem, “momento vivo
da consciência que me aponta os resíduos mortos de toda retórica,
antiga ou moderna” [15] .
Retomamos,
para finalizar, a proposição de Antoine Compagnon, para quem
a “tensão entre sentido e forma” serve como princípio e critério
para elaboração de julgamentos estéticos. Deste modo, embora
tangenciem um mesmo período autoritário no Brasil, os poemas
de Leminski, Polari e Ana C. mostram-se visivelmente diferentes
do ponto de vista formal: a) Alex Polari articula sua produção
poética buscando a cumplicidade do leitor, que, entre a culpa
e a curiosidade, dispõe-se, simpaticamente, a escutar a experiência
posta em versos – doídos mas espontâneos – pelo poeta-guerrilheiro;
b) Paulo Leminski constrói sua dicção na base do humor, e
para isso aciona a história por meio de chistes que, oscilando
do som ao sentido, parodiam a versão oficial, pondo o rei
a nu, na técnica gestáltica do poema curto que, breve, quer
a sedução rápida; c) Ana Cristina Cesar elabora, na contracorrente
do que hoje se diria “politicamente correto”, um sutil jogo
em que o sujeito se confunde com a linguagem que dá corpo
ao poema, dificultando – mas não impedindo – o entendimento
do tempo histórico na letra dos versos.
No entanto,
apesar das evidentes diferenças “estilísticas”, um traço comum
aos três projetos reside na recusa do presente, de
alguma forma insatisfatório: a) em Ana C., algo se quebra,
se perde, racha, cala, se mancha, soluça, com o sujeito entregue
a um silêncio intransitivo, angustiado, fraturado;
b) em Leminski, o chiste mal disfarça a ausência do sujeito
que, para sobreviver à história, taticamente, vai lê-la à
luz da paródia, produzindo mesmo, em paralelo, um discurso
alternativo de caráter alegórico (“ou”); c) em Polari, a confissão,
mais do que referencial, de um descontentamento com o status,
com o regime, com a cultura, e o gesto de lançar-se, heróica
e utopicamente, em busca de uma transformação.
Reiteramos
que nosso propósito não é fugir ao desafio da valoração, questão
que, como diz Compagnon, “é um limite da teoria, não da literatura”.
Longe, também, de apregoar o “vale-tudo” estético, o propósito
aqui foi o de tão-somente estreitar o circuito entre história
e poesia, expondo três poemas que, ainda que distintos, se
irmanam ao “pensarem” um contexto político-cultural comum,
afirmando, com o supremo valor da diferença, a possibilidade
da convivência dos múltiplos que – na resistência, sob fratura
ou parodicamente – nos lembram que o Belo, como a vida, não
tem fórmula nem auto-evidências apriorísticas, e que a poesia,
ao fazer-se, faz-se como representação da história,
não como um discurso arrogante de verdade.