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Literatura e Autoritarismo
Dossiê Literatura de Minorias e Margens da História
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Dossiê nº 4 

MEUS ROMANOS: RELATOS DE VIAGEM E DIFERENÇAS CULTURAIS NA OBRA DE INA VON BINZER

Carlos Roberto Ludwig1
Resumo: Esse trabalho pretende analisar a obra Meus Romanos: alegrias e tristezas de uma educadora no Brasil, de Ina von Binzer, romance autobiográfico epistolar, cujas cartas são enviadas para sua amiga imaginária Gretchen. A narradora relata suas viagens e experiências no Brasil no período de maio de 1881 a janeiro de 1883, como é constatado em suas cartas. Em sua obra, seus relatos mostram a visão do europeu sobre o estrangeiro. Nesse sentido, pretende-se nesse trabalho analisar as mudanças do olhar da narradora sobre o Brasil no decorrer de suas viagens, influenciado, sobretudo, pelas teorias racistas e deterministas do século XIX. As diferenças culturais fazem com que o povo brasileiro, principalmente os negros e os índios, seja visto de modo distorcido. Com o passar do tempo, no entanto, o contato com a nova cultura modifica tais visões, corrigindo as distorções da narradora antes de conhecer o país, as quais permanecem como incongruências e descontinuidades dentro do corpo da narrativa. Vale notar também que é comum paradoxos e contradições na narrativa de Ina von Binzer o que caracteriza o discurso frágil e determinista do final do século XIX.
Palavras-chave: Diferenças Culturais, Relatos de Viagem, Narrativa Autobiográfica, Teorias Racistas Deterministas.
Abstract: This paper aims at analyzing the work Meus Romanos: alegrias e tristezas de uma educadora no Brasil, by Ina von Binzer, an autobiographic epistolary novel, whose letters are sent to her imaginary friend Gretchen. The narrator tells her travels and experiences in Brazil in the period May, 1881 and January, 1883, how is noticed in her letters. In her work, her reports show the European point of view on the foreigner. Thus, I intend to analyze in this paper changes in the narrator’s view on Brazil during her trip, which are influenced mainly by the racial and determinist theories in the 20th century. The cultural differences make that Brazilian people, mainly the Negroes and Indians, be seen in a distorted way. However, as the time passes, the contact with the new culture changes such visions, correcting the narrator’s distortions before knowing the country, which remain in the body of the narrative as incongruence and discontinuities. It is also important to highlight that it is very common paradoxes and contractions in the novel by Ina von Binzer, what characterizes the fragile and determinist discourse in the late 19th century.
Keywords: Cultural Differences, Travel Narrative, Autobiographic Novel, Determinist Racial Theories.

1. Introdução
A literatura de viagem foi um gênero literário bastante cultivado durante a Idade Média e nos séculos XVI e XVII, durante o período das grandes descobertas marítimas e do Novo Mundo. Dentre os relatos mais conhecidos e que se tornaram obras literárias ao longo dos séculos estão as Crônicas Medievais, em particular as crônicas portuguesas de Fernão Lopes,2 que se configuram como relatos historiográficos. Essas crônicas fazem relatos sobre a vida cotidiana do reinado de D. Pedro I, que reinou de 1357 a 1367. Essa prosa apresenta-se com detalhes bastante pitorescos e são a base para a literatura de viagem que reaparecerão nos séculos XVI-XVII.
A partir das crônicas e da historiografia medieval, surge no século XVI a literatura de viagem como gênero historiográfico e biográfico que tenta relatar com fidelidade as experiências dos viajantes nas novas terras descobertas. Esse relato é sempre perpassado pelo olhar do colonizador sobre o outro, o estrangeiro, em geral o indígena e os negros. Nesse sentido, no século XVI temos no Brasil a Carta de Pero Vaz de Caminha, como o primeiro documento histórico que relata a vida dos índios. Nela vemos o olhar do estrangeiro sobre o indígena, cujos juízos emitidos mostram o olhar que tenta descrever sua experiência com base nas suas próprias concepções e visões sobre o outro, o índio.
Um exemplo que se opõe à Carta de Caminha na época é o ensaio de Montaigne, sobre Os Canibais. Montaigne, grande pensador do século XVI, teve preocupação em relatar sua experiência com um índio americano na corte francesa. É interessante perceber como esse pensador europeu apresenta uma postura diferenciada em relação aos portugueses, fazendo uma descrição pormenorizada dos hábitos e costumes dos nativos, de modo que mostre o contraste com a vida europeia, que para ele parece muito mais selvagem do que a dos indígenas. Nesse ensaio, Montaigne assinala a consciência social do índio, pois esse não consegue entender as diferenças sociais entre os europeus que não se revoltam contra a situação social desigual.3
Nos séculos XVIII, XIX e XX, a literatura de viagem continua sendo um gênero literário explorado, principalmente pelos imigrantes nas Américas. Como exemplo, temos os relatos de Ina von Binzer, em sua obra epistolar Leid und Freud einer Erzieherin in Brasilien (Meus Romanos: alegrias e tristezas de uma educadora no Brasil) . Por isso, esse trabalho pretende apresentar uma análise da obra de Ina von Binzer, tendo em vista que seus relatos mostram a visão do europeu, dos alemães sobre o estrangeiro. Nesse sentido, busco verificar as mudanças do olhar da escritora sobre o Brasil no decorrer de suas viagens. As diferenças culturais fazem com que o brasileiro, principalmente os negros e os índios, seja visto de modo distorcido, a princípio, e, com o passar do tempo, o contato com a cultura modifica tal visão, corrigindo as distorções que a autora tinha antes de conhecer o país, as quais, no entanto, permanecem como incongruências e descontinuidades dentro do corpo da narrativa.

2. Meus Romanos: relatos do Brasil e a visão racial determinista
Ina von Binzer esteve no Brasil e trabalhou como professora de inglês, francês, alemão e piano, no período de maio de 1881 a janeiro de 1883, pelo que se constata nas suas cartas. A obra da escritora é constituída por cartas endereçada a Grete (por vezes, Gretchen, Herzengretele, Herzens-Gretchen, Gretel, etc), destinatária da qual não se sabe absolutamente nada, mas que provavelmente foi uma persona criada por Ina von Binzer, para dar traços de verossimilhança às suas cartas, bem como um tom de intimidade necessária para que pudesse expressar absolutamente tudo sobre si mesma. É provável que Ina tenha inventado essa correspondente como um meio de desabafar suas tristezas, angústias, desapontamentos e solidão, pois ela se mudara para um país cuja língua, cultura e costumes eram completamente estranhos, novos e diferentes para ela. Ela provavelmente adotou esse gênero narrativo, pois o romance epistolar estava em voga principalmente nos séculos XVIII e XIX com o a ascensão do romance como novo gênero literário.4
Coincidentemente, a obra de Ina Von Binzer foi escrita ao mesmo tempo em que na Alemanha estava em voga o Naturalismo (1880-1900) cujas características assemelham-se ao Naturalismo no Brasil. Segundo Baumann e Oberle (1985, p. 165):
O Naturalismo é de um lado uma reação direta à literatura europeia estrangeira, de outro lado é, contudo, impensável sem as teorias desenvolvidas no século XIX, que influenciaram por muito tempo a imagem humana natural. Aqui se deve nomear, sobretudo, Charles Darwin (1809-1882), cuja teoria da seleção natural segue o lugar-comum “a luta pela sobrevivência”.5
O período em que Ina von Binzer esteve no Brasil foi marcado também pelo acirramento das discussões da libertação dos escravos, o que é referido constantemente na obra da professora alemã. Em suas cartas, é nítida a preocupação da escritora em descrever esses problemas e isso sugere o quanto a discussão sobre a libertação dos escravos estava em voga no período. Apesar disso, a escritora sempre se refere aos escravos e negros com um olhar filtrado pelas concepções da época como o darwinismo, o determinismo e a teoria das raças. Com relação à libertação dos escravos, através da compra de sua liberdade, Dr. Rameiro, um dos fazendeiros que a hospeda e contrata, diz que eles não querem sair das fazendas. Ele diz que “O bem ideal da liberdade ela não entende.”6 (Binzer, 1994, p. 36). Quanto a isso, Ina escreve (Binzer, 1994, p. 36): “Procurar a visão do mundo ideal de seres humanos bem refinados em uma raça, que é escravizado através das gerações, exigir nossos conceitos de liberdade dos seres humanos, a honra para as mulheres, isso, observo muito bem, seria uma vã ilusão poética.”7 Ina von Binzer coloca-se numa posição superior, pertencente a uma cultura superior, ao passo que os negros não têm condições de terem e manterem a liberdade, muito menos compreendê-la. No entanto, ela não percebe que diferenças entre povos são um constante. As diferenças culturais eram atribuídas, no século XIX, estritamente às diferenças raciais. Por isso, o negro, considerado pelo europeu uma raça inferior, não tem condições intelectuais e culturais de superar tais dificuldades e aceitar a liberdade.
Para uma compreensão mais aprofundada de como se desenvolveram as teorias das raças, o estudo de Nancy Leys Stepan, Raça e gênero: o papel da analogia na ciência aponta os principais elementos das teorias das raças, que em geral se baseavam na metáfora e na analogia científica. Desse modo, era argumentado que negros eram inferiores aos brancos, assim com as mulheres eram inferiores aos homens através de diferenças biológicas e anatômicas. A teoria das raças e a eugenia criaram um arsenal de medição, como cefalômetros, craniômetros e goniômetros perietais, a fim de comprovar científica e mensuravelmente a inferioridade das etnias negras, indígenas, eslavas e judaicas. Segundo essas teorias, o homem africano era inferior ao homem europeu, branco, pois tinha o cérebro menor que o do europeu e, por isso, propenso a pensar menos do o homem branco. Assim também, a mulher era tida como inferior, porque seu cérebro era menor, delicado e sua estrutura cefálica menor. Por conseguinte, principalmente o homem negro era considerado intelectualmente inferior, além do que, era associado aos primatas – principalmente os chimpanzés – porque possuía um cérebro proporcional ao de um macaco. Desse modo, a analogia servia para provar “pseudocientificamente” a inferioridade das raças, assim como criar todo um sistema de adjetivações e classificações para negros e mestiços, por exemplo, que eles eram selvagens, civilizadamente atrasados e intelectualmente retardados. Nancy Stepan assinala também que, enquanto que os negros eram associados aos primatas pelo formado reduzido de seu crânio, a teoria das raças omitia certos dados, como o de que os lábios do homem branco eram tão finos como o de um chimpanzé e, ao contrário, o dos negros eram bem mais avolumados.8 Podemos notar, portanto, o quanto a teoria das raças e a eugenia eram formulações científicas e discursivas decisivas e tendenciosas para determinar a superioridade da cultura europeia sobre as demais, visto que essa cultura se impunha com comprovações ditas “científicas”, o que jamais seria revidado diante das grandes descobertas do século XIX.9 Não é difícil imaginar o quanto a teoria das raças e a eugenia contribui para as teorias racistas e o antissemistimo no século XX, o que desencadeou o maior genocídio com a contribuição de teorias científicas racistas.10
Assim, como veremos, Ina von Binzer apresenta suas descrições sobre o Brasil quase sempre pautadas nas teorias deterministas do século XIX. No entanto, notaremos um desenvolvimento de suas observações devido ao contato com a cultura brasileira. Durante sua estada no Brasil, sua experiência marcou transformações nítidas em sua escritura.
Inicialmente uma das primeiras decepções é que o Brasil fala português, e não espanhol (Binzer, 1994, p. 05): “Fazenda significa plantação. Sinto muito que não se chama hacienda, pois provavelmente tenhas acreditado nisso até agora, e então tenho que te desapontar logo na primeira palavra da minha primeira carta. [...] então confundíamos o espanhol e o português tão ingenuamente. Assim vai-se perdendo uma ilusão depois da outra.”11 Nota-se aqui um dos primeiros fatos que alteram sua concepção cultural do Brasil: Assim vai se perdendo uma ilusão atrás da outra! Ou seja, a imagem que ela tinha, assim como os europeus tinham, do país vai de encontro aos fatos reais e à cultura que realmente está em voga aqui. Dessa forma, o contato com a cultura brasileira traz à tona o conflito entre as diferenças culturais e raciais, o qual molda a concepção do Brasil conhecida pelo europeu.
Ao viajar para o interior do Brasil, a autora se surpreende de não encontrar selvagens, nem canibais, nem assaltantes nas estradas, mas ser recebida por Dr. Rameiro numa carruagem elegantemente europeia (Binzer, 1994, p. 05-06):
Será uma segunda decepção para ti, que eu não possa te contar da minha viagem do Rio de Janeiro até aqui nenhuma vez sobre um ataque de índios ou uma luta de tigres [...] Na estação ferroviária, o próprio Dr. Rameiro foi me buscar, e, imagina, Grete, em uma carruagem europeia bastante confortável! Raramente me irritou tanto uma carruagem como essa!12
A irritação e a ironia de Ina von Binzer assinala o desconhecer da cultura do outro. Essa é outra situação de que o conhecimento da cultura do outro, limitada pelas concepções da época, entra em confronto com uma realidade realmente muito mais parecida com sua própria. A concepção cultural sobre o Brasil que ela possuía, com base em sua própria cultura, é desmistificada com o contado direto com a cultura brasileira, constituída a partir da cultura europeia trazida pelos portugueses. Apesar disso, ela sempre se refere ao Brasil como um país selvagem, povoado por negros e escravos, pessoas cuja cultura e capacidade intelectual são inferiores à europeia.
Outro exemplo de sua superioridade cultural é observação da bagunça na sala de costura (Binzer, 1994, p. 32):
Então por volta das doze horas, foi aberto na grande sala de costura, vulgo Nähstube, um majestoso armário, em forma de buffet, sobre cujo conteúdo eu sempre refletira, e cheguei à conclusão – a Mãe de Deus, além do Menino Jesus, fitas, coroas, grinaldas, laços e pulseiras e brincos. O Negro Felício, o qual eu estava acostumada a ver como tecelão da casa junto à máquina de costura, servia, da mesma forma que o Padre em vestimenta, como coroinha. Tudo era estranho para minha alma evangélica, Grete!13
Aqui ela se refere ao seu ponto de vista que não admite desordem, como também seu puritanismo que desrespeita as imagens de santos como símbolos religiosos. Sobre a religião, ela também observa que “E tu deves justamente surpreender-se comigo e maravilhar-se com o espírito de devoção de um povo, que antes de tudo pensa em construir a seu Deus altares e abrigar adequadamente sua santidade.”14 (Binzer, 1994, p. 42). Não só uso de símbolos religiosos pelos católicos é reprovado por ela, como também construir altares para os cultos religiosos. O que determina sua visão sobre isso pode ser aqui seu sentimento de superioridade europeia, o fato de ela ser protestante e, portanto, não admitir o uso de imagens e construções de altares para cerimônias religiosas. Tanto as diferenças culturais como as diferenças religiosas são vistas negativamente, como consequentes da expressão de sua “superioridade cultural” e sua reprovação dos hábitos e cultura brasileiros.
Outro fato incompreensível para ela é o de as moças não conseguirem aprender alemão, no entanto, aprenderem francês com muita facilidade (Binzer, 1994, p. 73):
Ah Grete, ambas as línguas, mas especialmente a alemã, permanecerá para minhas alunas eternamente um livro sob sete chaves; é notável quão pouco elas aprendem comigo! Ainda não pude descobrir se isso depende de mim ou delas, talvez isso se deva também às diferenças raciais entre Alemães e Romanos, pois elas aprendem metade do francês dormindo e as francesinhas terminam também suas aulas muito melhor.15
Novamente ela atribui essa dificuldade às diferenças de raças – Rassenunterschied (Diferenças Raciais) – entre alemães e “romanos”. Ora, essa concepção era algo nada estranho na época, como vimos acima, mas algo muito comum e inclusive cientificamente aceito e comprovado: povos colonizados eram inferiores aos europeus e, por conseguinte, não tinham condições de aprenderem com tanta eficiência quanto os europeus. Mas ela não percebe que ambos “romanos” e “germânicos” constituem a cultura e o povo europeus, que deram base à cultura brasileira, misturada com o índio e o negro. Observa-se aqui que o uso de Romanos generaliza sua concepção sobre a cultura brasileira, o que vai lançá-la em contradição mais adiante, quando ela refere-se a portugueses e italianos como não-romanos. Um dos traços muito fortes da obra de Binzer é justamente um conjunto de contradições e paradoxos que assinalam a fragilidade de seus argumentos frente à cultura brasileira.
Além do mais, ela também faz um comentário sobre a construção, o estilo e o gosto de uma capela construída (Binzer, 1994, p. 41):
Seu estilo, que não expressa nem o estilo bizantino muito menos o gótico, é geralmente sem gosto e demasiadamente ornado, que se aproxima, no mais das vezes, sempre ao conhecido estilo jesuítico, e em seu interior me horrorizam, sobretudo, as imagens horríveis da Trindade Sagrada, que foram representadas em figuras coloridas de madeira em tamanho natural.16
Ironicamente, o estilo em que foi construída essa capela é herdado dos jesuítas que são portugueses, tão europeus quanto Ina von Binzer. Quanto a uma rua cuja pintura era colorida “demais”, ela afirma que se trata de ter sido “construídas humanamente possíveis com mau gosto”17 (Binzer, 1994, p. 43). O ponto de vista sobre a falta de gosto e a incapacidade de construir algo como os europeus é novamente fruto do racismo determinista do século XIX. Novamente, com relação à imagem do outro, ela identifica os brasileiros como os “outros” (anderen) e ela se identifica com os alemães e europeus. Com essa posição de européia ela vai se autodenominar até certo ponto da narrativa, quando ela vai se sentir diferente dos europeus, devido ao contato e à assimilação de traços da cultura brasileira.
Com relação ao gosto cultural, Ina von Binzer relata um episódio que vivenciou na fazenda São Francisco, na carta 20 de junho de 1881. Ela foi convidada a tocar piano e tocou uma valsa de Chopin. Em seguida, uma brasileira começou a tocar um “Troubadour” com bastante habilidade, mas para Ina lhe faltava espírito para interpretar a música, como ela menciona (Binzer, 1994, p. 18): “Ah Grete, porque sou quase tão fixamente germânica, que eu não posso achar esses romanos com o máximo de vontade intere18 Como ela observa, a brasileira tocou perfeitamente, mas sem espirituosidade e alegria no seu julgamento, bem como todos os brasileiros na sala olhavam “pálidos, amarelos e... imóveis”19 enquanto ela tocava (Binzer, 1994, p. 18). Nessa mesma noite, ela percebe a presença de um estrangeiro na sala, que também não se sentiu nenhum pouco atraído e tocado com a interpretação da pianista. Ele era um italiano, que passava alguns dias na casa do Dr. Rameiro. Ela nota que (Binzer, 1994, p. 18-19): “Esse infeliz parecia tão distantemente tocado quanto eu. Ri espontaneamente assim que vi seu rosto, visto que nossa Europeidade em comum já nos promoveu muitos julgamentos do mesmo tipo sobre as condições deste país e ele elevava os olhos para o teto com imensa expressão cômica.”20 Como nota, o italiano tem o mesmo gosto que ela, pois é um europeu, diferente dos brasileiros, o único ouvinte a não se identificar com a interpretação da brasileira, além de Ina. O que é contraditório é que antes ela considerava que os brasileiros eram descendentes de “romanos”, assim como os portugueses, os franceses e os italianos, da mesma origem latina, pois aprendem tão bem o francês porque são romanos, ao passo que agora o italiano não é considerado “romano”. Agora o italiano é europeu; ao contrário, os brasileiros não têm mais a mesma identidade romana. Aqui Ina se contradiz ao tentar qualificar os brasileiros como incapazes de tocar uma música, ao passo que os brasileiros consideraram a peça tocada perfeitamente. No entanto, ela sentiu raiva, porque os brasileiros não gostaram de sua interpretação e, portanto, o olhar distorcido que Ina von Binzer lança sobre a cultura do outro se deve muito mais ao seu ressentimento do que de fato a uma diferença cultural concreta e real.
Em seguida, reprova também o hábito de falar francês e estudar música como algo demasiado para um país ainda não “civilizado”: “E isso num país que está recém começando a se tornar civilizado e que somente agora tem um conservatório! Quão dolorosa estirpe vindoura, se uma epidemia de se tocar pianos proporcionalmente surgir aqui.”21 (Binzer, 1994, p. 19). Não consegue admitir que os brasileiros tenham vontade de aprender música e línguas estrangeiras. Novamente o determinismo racial intervém nas concepções de Ina, de modo que ela não admite que um povo considerado inferior tenha condições de aprender música. O que ela não percebe que os brasileiros, brancos, são na verdade ou portugueses ou descendentes de portugueses e, ou seja, descendentes de europeus quanto ela mesma. Paradoxalmente ela não vê as semelhanças entre eles, os alemães ou europeus em geral.
Nesse sentido também, Ina considera que os brasileiros têm deficiências em termos científicos: “Já concebo agora muito melhor que os brasileiros ainda não têm nada de expressivamente em realizações científicas: seu modo de vida não deixa surgir nenhum pensamento ordenado.22 (Binzer, 1994, p. 60). Para ela, os brasileiros não têm condições de serem tão organizados como os europeus, bem como de desenvolverem uma cultura científica, algo atribuída à inferioridade e ao seu modo de vida desleixado e preguiçoso.
Além do mais, ela vê a cultura do outro através de estereótipos, notando que há um traço “tipicamente brasileiro”. Sobre tal comportamento, ela observa que, durante a inauguração da estrada de ferro em São João del Rei, todos os hóspedes foram alojados em casas particulares (Binzer, 1994, p. 38): “Parece-me pouco característico para o Brasil, onde as más condições são a ordem do dia, que uma cidadezinha de mais ou menos 700 habitantes convidara cerca de 800 hóspedes, todos à frente do Imperador Dom Pedro II.”23 Ela acha estranha tal atitude, o que para ela é um traço típico da “camaradagem” do povo. A casa em que ela fica hospedada tinha 27 hóspedes, o que a surpreende, mas não a desaponta. Novamente a cultura do brasileiro é vista a partir de concepções europeias, pois considera que o fato de o povo ser desorganizado é a causa dessa situação em que as pessoas são hospedadas de improviso.
Em geral, a narradora das cartas sempre se identifica com os alemães e com os europeus, como uma cultura superior a que ela pertence e que, portanto, é considerada melhor e “civilizada”. Ao fazer uma visita a Frl. Meyer e Mr. Hall, ela observa novamente as diferenças entre os brasileiros e os europeus: “Ele é realmente simpático, nem um pouco como os brasileiros, quase como um alemão; ele tem grandes olhos azuis tão sinceros e parece tão humano. Ele me perguntou se eu não iria nos domingos na igreja inglesa; é que uma alemã não há aqui.“24 (Binzer, 1994, p. 93). Como se nota, o brasileiro é sempre referido pela negação, tanto pelos advérbios como por adjetivos negativos, assim como a ausência de uma cultura, religião, igrejas alemãs no país. Da mesma forma, a autora identifica os americanos como um povo civilizado: “aqui há uma fazenda bem perto, que pertence a um colonizador americano, portanto pessoas muito civilizadas.”25 (p. 128, grifo meu). Ela não percebe que, assim como o Brasil é um país colonizado e habitado por negros escravos, os Estados Unidos também foi um país colonizado pelos ingleses e por negros. Desse modo, parece que as diferenças culturais são de fato imaginadas por ela como uma reação às diferenças naturais e à forma de vida brasileira. Assim como os brasileiros, os americanos também foram uma colônia como a nossa e, portanto, têm tantas diferenças culturais quanto as nossas. Nesse sentido, Ina atribui as diferenças de comportamentos às diferenças raciais, com base no darwinismo e no determinismo racial, espacial e cultural (Binzer, 1994, p. 154-155):
O norte-americano observa o trabalho e os trabalhadores; ele mesmo cria e produz à vontade com as mãos; despreza no negro apenas a raça subjugada. O brasileiro, menos escrupuloso, mas por outro lado orgulhoso e, no entanto, novamente mal-educado, despreza diretamente o trabalho e os trabalhadores. Ele mesmo não trabalha, se pode de algum modo evitá-lo, vê o nada-para-fazer como um atributo da livre ignorância...26
Como já mencionara anteriormente, ela reitera que os brasileiros não gostam de trabalhar, ao passo que os americanos prezam isso como um bem supremo. Segundo ela a “preguiça” é uma visão filosófica do brasileiro que vê no tempo livre, e não no trabalho, um bem supremo. Outra vez, Ina von Binzer vê a cultura brasileira do século XIX a partir do viés racista e determinista, classificando o povo a partir de generalizações, e esquecendo as particularidades. Assim também, ela vê os negros como incapazes de terem sua liberdade e considera-os intelectualmente inferiores, embora trabalhem muito mais que os brancos.
Em contrapartida, um fato parece ser decisivo para alguma mudança nas concepções de Ina von Binzer: essa diferença cultural entre as duas culturas também é vivenciada por ela. Numa dada ocasião, não é identificada como uma “típica alemã” (Binzer, 1994, p. 75):
“Ela é uma alemã? Ah, ela não tem o tipo alemão e está de fato muito bem vestida! A combinação “Tipo Alemão” era para mim, para a Germana estarrecida, bem como tu podes pensar, extraordinariamente aflitiva e ao mesmo tempo era admirada com meus cabelos louros [...]. O jovem perguntou-me se eu era Russa e quando ele finalmente me interrogou, em parte ao meu deleite, em parte à minha indignação, opinou ele por fim: ‘Mas enfim – a Senhora não é alemã? ‘E porque não?”, eu disse, interiormente irritada: “Ah, Bá”, ele fez com ar de pouco caso, “isso se conhece, os alemães estão sempre mal-vestidos e não têm nada de chic”.27
Essa situação irritante e embaraçosa propicia-lhe a experiência de que há diferenças que ela não percebe, bem como concepções estereotipadas sobre uma cultura, mas que de alguma forma influenciam-na a repensar os dados da cultura do outro que ela trazia de suas experiências limitadas sobre os brasileiros através de livros e relatos. As concepções de cultura, raça e povo para ela são determinadas por teorias racistas e biológicas da época. Aliás, ela cita Smarda, Fernando Schmidt e Lewes como exemplos de sociólogos do século XIX que falam sobre as raças. Ao citar Lewes, ela menciona que “as necessidades estão à mão ou então facilmente se produzem, e a ambição e o sentido do trabalho [...] estão distantes para o escravo e até mesmo aos libertinos, com raras exceções.”28 (Binzer, 1994, p. 155-156). Para ela e para os teóricos da época, um povo sem ambição e sem vontade de trabalhar, como os americanos e os alemães têm, é um povo cujo sucesso estará comprometido. Novamente ela observa que, embora o negro trabalhe, é um elemento étnico nocivo à sociedade, pois é desregrado, intelectualmente incapaz e inferior aos europeus. Por isso, a solução seria adotar a imigração germânica em massa para “salvar” o país da ruína.

3. Transformação nos julgamentos raciais na obra Meus romanos
No entanto, percebe-se ao longo de sua viagem ao Brasil que ocorre uma mudança em seu comportamento e em sua interioridade. Ela passa a se identificar com os brasileiros (uns), mesmo sendo alemã, como se ela tivesse assimilado a identidade brasileira. Isso se nota, quando um pesquisador alemão faz uma visita à fazenda. Após esse episódio, ela afirma (Binzer, 1994, p. 50 grifos meus): “Ele é um “erudito”, como ele coloca nos livros, e seria cômico para nós com sua própria pedanteria e suas vestimentas assombrosas, [...] e estou certa de que elas são testemunhas de que todos os alemães eram exatamente como esse Professor.”29 Se antes ela se identificava com os alemães, aqui sua identidade está voltada para a cultura brasileira, desdenhando então a postura do cientista alemão. Contrariamente, ela generaliza agora traços culturais dos alemães a partir de uma única pessoa, cujas roupas e maneiras não são de fato um padrão para identificar a que cultura um indivíduo pertença. Essa mudança do ich-europäer (eu-europeia) para o uns-Brasilianer (nós-brasileiros) já era notada também quando ela comentava os nomes brasileiros que são de origem latina. Na mesma carta, de 14 de agosto de 1881, ela refere-se ao “uns-Brasilianer” (nós-brasileiros): “Elogia-se nossa hospitalidade brasileira e isso com razão, somente não se pode de modo algum opinar de acordo com conceitos europeus.”30 (Binzer, 1994, p. 40). Aqui ela reverte sua habitual maneira de julgar os brasileiros com conceitos europeus e passa a ver algo essencial para a identidade brasileira na hospitalidade do povo. Nota-se aqui como a narradora entra em contradição com a citação mais acima, quando ela critica o modo de os brasileiros hospedarem várias pessoas em uma única casa. (Cf. Binzer, 1994, p. 38).
Outro traço dessa mudança é quando ela passa a observar os hábitos e costumes com interesse e fascinação. Sobre uma procissão nos dias de feriados, nos dias religiosos, ela afirma que “Observamos isso tudo da janela da casa, e podes pensar contigo, quão especialmente cativante e interessante era para nós europeus essa imagem.”31 (Binzer, 1994, p. 28). Aqui ela se encanta e admira a imagem durante a procissão, como algo positivo da cultura brasileira. Ora ela vê o Brasil do ponto de vista negativo, com preconceitos, ora ele vê-o idealizado. Nesse sentido, acontece uma mudança progressiva no modo como ela vê e julga o Brasil e o seu próprio povo.
Portanto, não há uma atitude constante de Ina von Binzer em ver a cultura do outro. Ela modula seu julgamento de acordo com o lugar e com as influências à sua volta, como livros e a presença de outros estrangeiros. Se ela está com um estrangeiro, quase sempre os brasileiros são considerados inferiores. Se ela está num lugar cuja paisagem e cujo clima lhe agradam, ela tem uma perspectiva positiva do Brasil. Podemos notar que a noção de cultura brasileira que Ina herdara de sua educação na Europa, fundamentada em leituras de teóricos deterministas e racistas da época, foi influenciada e mudada pela convivência e por experiências com os brasileiros. Assim a imagem da cultura do outro, regimentada com concepções europeias, entra em contato com experiências que alteram essa concepção, criando uma terceira concepção, mas amenizada, mais tênue e real do país.

4. Considerações finais
As obras de Ina von Binzer apresenta uma visão cultural bastante distorcida e influenciada por elementos da sua própria cultura. Na obra Leid und Freud einer Erzieherin in Brasilien, de Ina von Binzer, vemos que a cultura do estrangeiro (o brasileiro) é visto pelo viés das teorias racistas e deterministas do século XIX, bem como pela concepção de que os europeus são cultural e intelectualmente superiores aos povos colonizados, em particular aqui, os brasileiros do século XIX. Nesse sentido, Ina von Binzer apresenta uma visão bastante cética e pessimista em relação ao futuro do Brasil, apontando geralmente problemas na cultura brasileira. Também classifica os brasileiros como “romanos”, ao passo que os ingleses e alemães são tidos como “germânicos”. Vemos, portanto, que há incongruências quanto a essas terminologias, pois os portugueses, italianos e franceses são de origem latina ou “romana”, para Ina, sendo ao mesmo tempo europeus, que são considerados por ela como parte de uma cultura superior à brasileira. Ela não menciona que o Brasil foi colonizado por portugueses, bem como por outros grupos étnicos europeus, africanos e ameríndios.
Notamos, portanto, que na obra de Ina von Binzer há um desenvolvimento no seu ponto de vista. No início de sua obra, vemos em suas cartas que seu olhar é bastante determinista, racista, considerando que a cultura brasileira é inferior à europeia. Num segundo momento, passa a ser influenciada pela cultura do outro e se identifica com o nós-brasileiros (uns-Brasilianer, ao invés do Ich-Europäer). Essa mudança de opinião pode ter ocorrido por dois motivos: ela foi influenciada pela cultura brasileira a ponto de mudar de ponto de vista; e a paisagem natural do país também teve influência sobre sua postura quanto à cultura brasileira, a ponto de considerar o país um dos mais belos lugares do mundo.
As distorções em sua obra ocorrem por quatro motivos principais: ele está fortemente influenciado pela visão europeia aprendida nos livros e transmitidas antes da viagem ao país; não conhece todo o país, apenas parte do sudeste e algumas cidades do nordeste, para poder emitir de fato juízos mais precisos sobre a cultura brasileira; há descontinuidades entre as afirmações na obra, pois dados que são apresentados num momento da narrativa se contradizem em outros momentos.
Ina von Binzer apresenta portanto uma visão sobre o Brasil a princípio de modo bastante distorcido e influenciado por elementos de sua própria cultura, o que mostra que as diferenças culturais entre os povos no final do século XIX e primeira metade do século XX eram muito tensas, moldadas por preconceitos, por visões distorcidas e por vezes idealizadas. Dessa forma, conhecer a cultura do outro exige muito mais um distanciamento da sua própria cultura, a fim de que ela não influencie o olhar sobre a cultura do outro e do estrangeiro.

Referências

AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na Literatura Ocidental. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. (Coleção Estudos).
BAUMANN, Bárbara; OBERLE, Birgitta. Deutsche Literatur in Epochen. Munique: Hueber, 1985.
BINZER, Ina von. Leid und Freud einer Erzieherin in Brasilien / Meus Romanos: Alegrias e Tristezas de uma educadora no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
STEPAN, Nancy Leys. Raça e gênero: o papel da analogia da ciência. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2000.
MONTAIGNE, Michel E. Ensaios. 2. ed. Brasília: UnB, Hucitec, 1987. 3. vols.
PERROT, Michelle (Org.). História da vida privada 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
WATT, Ian. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.


1 Doutorando em Letras – Literaturas de Língua Inglesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), bolsista do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre a obra de Shakespeare com o projeto Inwardness in Shakespeare’s drama: The Merchant of Venice and King Lear, orientado pela Profa. Dra. Kathrin H. Rosenfield (UFRGS) e coorientado pelo Prof. Dr. Lawrence Flores Pereira (UFSM). E-mail: ludwig.crl@gmail.com
2 Cf. Massaud Moisés, A literatura portuguesa através dos textos, op. cit. 2000. Auerbach, op. cit, 2007, também faz um estudo da historiografia medieval, mas levando em consideração mimese dos estilos, destacando principalmente a diferença entre estilo elevado e estilo baixo na literatura. Cf. em particular, os capítulos 2, 3, 4, 5 e 6.
3 Cf. Montaigne, Dos Canibais, 1987.
4 Entre os principais exemplos da época, temos Werther, de Goethe. As ligações perigosas, de Choderlos de Laclos e Pâmela, de Richardson. Sobre isso cf. Ian Watt. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
5 Der Naturalismus ist einerseits eine direkte Reaktion aus die Literatur des europäischen Auslands, anderseits aber nicht denkbar ohne die im 19h. entwickelten Theorien, die das naturalische Menschenbild nachhaltig beeinfluβten. Hier ist vor allem Charles Darwin (1809-1882) zu nennen, dessen Selektionstheorie zum Schlagwort ,,Kampf ums Dasein“ führte.
6 Das ideale Gut der Freiheit versteht sie nicht
7 Die idealen Anschauungen tiefgebildeter Menschen zu suchen bei einer Rasse, die durch Generationen geknechtet ist, unsere Begriffe von Freiheit bei den Männern, von Ehrebei den Frauen vorauszusetzen, das, merke ich wohl, wäre eitel dichterische Illusion.
8 Sobre as analogias e as metáforas nas ciências cf. STEPAN, Nancy Leys. Raça e gênero: o papel da analogia da ciência. In: HOLLANDA, Heloisa Buaque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
9 Sobre isso ver História da vida privada, vol. 4, em que mostra que a segunda revolução industrial na segunda metade do século XIX fez a maior quantidade de descobertas científicas na história da humanidade e, por isso, a ciência se tornou tão importante e inquestionável nesse período. Cf. PERROT, Michelle (Org.). História da vida privada 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
10 Gostaria de chamar a atenção aqui para esses dados e para a contribuição que representaram na ascensão do Nazismo e do antissemitismo no século XX. Além do mais, as teorias não se voltavam unicamente contra os judeus, como para vários outros povos e grupos que não os europeus: ciganos, eslavos, poloneses, árabes, homossexuais, deficientes dentre outros. Vale lembrar também que os problemas de racismo e segregação ocorreram também em muitos outros países, como na África do Sul, onde o Apartheid foi massivamente discriminador e nos Estados Unidos, onde não é raro encontrar placas ou avisos impedindo a entrada de negros e mexicanos em estabelecimentos públicos, bares e banheiros.
11 Fazenda bedeutet Pflanzung. Es tut mir leid, daß es nicht Hacienda heißt, da Ihr das wahrscheinlich bis jetzt geglaubt habt, und ich Euch also gleich beim ersten Wort meines ersten Briefes enttäuschen muß. [...] als wir noch so unschuldig Spanisch und Portugiesisch verwechselten. So geht eine Illusion nach der anderen verloren!
12 Eine zweite Enttäuschung wird Dir sein, daß ich Euch über meine Reise von Rio de Janeiro bis hierher nicht einmal von einem Indianerüberfall oder einem Tigerkampt berichten kann [...] An der Eisenbahnstation holte mich Dr. Rameiro selbst ab, und, denke, Dir, Grete, in einer ganz bequemen europäischen Halbchaise! Selten hat mich wohl eine Halbchaise so geärgert wie diese!
13 So gegen zwölf Uhr wurde in der großen sala de costura, vulgo Nähstube, ein mächtiger, büffetähnlicher Schrank geöffnet, über dessen Inhalt ich schon immer gegrübelt hatte, und zum Vorschein kam – die Mutter Gottes nebst Jesus-kind, Schleifen, Kränzen, Krone, Hals- und Armbändern und Ohrringen. Der Neger Felício, den ich sonst nur als Hausschneider an der Nähmaschine zu sehen gewohnt war, amtierte, ebenso wie der Priester in Ornat, als Meßdiener. Das Ganze war merkwürdig für meine evangelische Seele, Gretel!
14 Und du mußt billig mit mir erstaunen und den Geist der Frömmigkeit eines Volkes bewundern, das vor allem anderen daran dachte, seinem Gott Altäre zu bauen und seine Heiligen angemessen unterzubringen.
15 Ach Grete, die beiden Sprachen, besonders aber das Deutsche, werden meinem Schülerinnen wohl ewig ein Buch mit sieben Siegeln bleiben; es ist merkwürdig, wie wenig sie bei mir lernen! Ich noch nicht herausfinden können, ob es an mir oder an ihnen liegt, vielleicht macht es auch der Rassenunterschied zwischen Germanen- und Romanentum, denn Französisch lernen sie halb im Schlaf, und die Französinnen werden auch viel besser mit ihren Klassen fertig.
16 Ihr Stil, weder ausgesprochen byzantinisch noch im geringsten gotisch, ist meist geschmacklos und überladen, am meisten immer dem sogennaten Jesuitenstil nahekommend, und in ihrem Interieur entsetzen mich überall die schrecklichen Abbildungen der Heiligen Trinität, die in bunten Holzfiguren über Lebensgröße zur Darstellung kamen.
17 gebaut war das menschenmögliche an Geschmacklosigkeit.
18 Ach Grete, bin ich denn so gar starr germanisch, daß ich diese Romanen mit den besten Willen nicht interessant und geistreich finden kann! [...] Ich ärgerte mich über mich selbst, daß ich mich nicht begeistern konnte und blickte ängstlich im Kreise umher...
19 blaß, gelb und ... unbeweglich.
20 dieser Unglückliche schien ebenso antipodisch berührt wie ich. Ich lächelte unwillkürlich, als ich sein Gesicht sah, zumal unser gemeinsames Europäertum uns schon zu vielen gleichartigen Urteilen über hiesige Verhältnisse veranlaßt hat, und er schlug mit unendlich komischen Ausdruck die Augen zur Decke empor.
Und das in einem Lande, das erst anfängt, zivilisiert zu werden und das erst ein Konservatorium hat! Wehe künftigten Geschlechtern, wenn die Klavierseuche hier verhältnismäßig wächst!21
22 Ich begreife es jetzt schon viel besser, daß die Brasilianer noch nichts bedeutendes an wissenschaftlichen Leistungen aufzuweisen haben: ihre Lebensweise läßt keinen geordneten Gedanken aufkommen.
23 Es scheint mir ungemein charakteristisch für Brasilien, wo die Mißverhältnisse an der Tagesordnung sind, daß ein Städtchen von etwa 700 Einwohnern sich ca. 800 Gäste eingeladen hatte, allen voran den Kaiser Dom Pedro II.
24 Er ist wirklich sehr nett, gar nicht wie die Brasilianer, fast wie ein Deutscher; er hat so aufrichtige große blaue Augen und sieht so männlich aus. Er fragte mich, ob ich nicht Sonntags in die englische Kirche ginge; eine deutsche ist hier nämlich nicht.
25 hier ist eine Planzung ganz in der Nähe, die amerikanischen Ansiedlern gehört, also ganz zivilisierten Menschen!
26 Der Nordamerikaner achtet die Arbeit und den Arbeitenden; er schafft selber und legt ungeniert mit Hand an; er verachtete in dem Schwarzen nur die untergeordnete Rasse. Der Brasilianer, weniger peinlich, aber anderseits hochmütiger und doch wieder ungebildeter, verachtet geradezu die Arbeit und den Arbeitenden. Er selbst arbeitet nicht, wenn er es irgend vermeiden kann, er sieht das Nichtstun als ein Attribut des Freien Unwissenheit...
27 ‘Ist sie eine Deutsche? Ah, sie hat gar nicht den deutschen Typ und ist ja auch sehr gut angezogen!’ Das Absprechen des ‘deutshen Typ’ war mir, der starren Germanin, wie Du wohl denken kannst, äußerst schmerzlich und zugleich bei meinen blonden Haar verwunderlich [...]. Der Jüngling […] fragte, ob ich Russin sei, und als er mich schließlich, halb zu meinem Ergötzen, halb zu meiner Entrüstung durch alle Nationen durchgefragt hat, meinte er zuletzt: ‘Mais enfin – vous n’êtes pas allemande?’ ‘Et pourquoi non?’ sagte ich, innerlich wütend. ‘Ah bah’, machte er verächtlich, ‘ça se connait; les allemandes sont toujours malvetues et n’ont pas de chic.’
28 die Notdurft ist vorhanden oder doch leicht zu beschaffen, und Ehrgeiz oder Erwerbssinn [...] liegen dem Skalven und selbst den Freigelassenen mit seltenen Ausnahmen fern.
29 Er ist ein “Gelehrer”, wie er in Büchern steht, und würde mit seiner Pedanterie und seiner wunderlichen Kleidung selbst bei uns komisch sein, [...] und ich bin gewiß, daß sie überzeugt sind, alle Deutschen wären genau wie dieser Professor.
30 Man rühmt bei uns die brasilianische Gastfreundschaft und das mit Recht, nur darf man die Sache beileibe nicht nach europäischen Begriffen beurteilen.
31 Wir betrachten das Ganze von den Fenstern des Hauses aus, und Du kannst dir denken, wie besonders für uns Europäer das Bild fesselnd und interessant war.
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