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Literatura e Autoritarismo

Literatura: Compreensão Crítica

Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 14 

CENSURA TEATRAL NO BRASIL:
UMA VISÃO HISTÓRICA

Seleste Michels da Rosa1
Resumo: Esse ensaio pretende estudar a censura teatral brasileira desde que ela iniciou, entre 1833 e 1843, até 1988, quando a constituição brasileira acabou qualquer tipo de censura e permitiu a completa liberdade de expressão. Esse ensaio é um rascunho. Precisamos muito mais para olhar todo período de censura brasileira. Contudo nós temos motivações fortes para escrevê-lo mesmo que não possamos fazer todo o trabalho. Primeiro, não temos nenhum estudo que fale de toda a censura teatral brasileira. Em seguida, a censura mudou muito as características das peças brasileiras. E, por último, mas não menos importante, “o povo que não conhece seu passado está condenado a repeti-lo”.
Palavras-chave: Teatro brasileiro- censura- história
Abstract: This essay intends study the Brazilian theatric censorship since it stars, between 1833 and 1843 until 1988, when the Brazilian magna cart finished with whatever kind of censorship and allowed completely the expression freedom. This essay is a draft. We need much more to take a look about the all the Brazilian period of censorship. But we have strong motivations to white this, even we can not do all the work. First, we do not have any study witch talk about all the theatric censorship. After, the censorship changes a lot the characteristics of the Brazilians plays. And, last but not list, “the people which do not know their past are condemn repeating it”.
Keywords: Brazilian theater, censorship, history.

1. Introdução
O teatro brasileiro passou a maior parte de sua existência sob censura, de 1833 a 1897 e de 1930 a 1988, por isso, acreditamos na grande relevância do trabalho. Evidentemente esse objetivo exige um esforço maior do que um artigo. Contudo, tendo em vista a necessidade de uma visão panorâmica desse objeto, empreendemos esse trabalho. A fim de proceder ao estudo historiográfico, dividimos a censura em quatro períodos, o que carrega consigo uma dose de arbitrariedade, mas cremos ser necessário. Conforme Le Goff: “Gordon Leff recordou com veemência:"A periodização é indispensável a qualquer forma de compreensão histórica" [1969, p. 130], acrescentando com pertinência: "A periodização, como a própria história, é um processo empírico, delineado pelo historiador" [ibid., p. 150].
Tendo essa ressalva em mente, vamos a nossa divisão. período inicial, de 1843 a 1897; o período do estado novo, de 1930 a 1945; o de relativa abertura, de 1946 a 1964; o período militar, de 1964 a 1988, onde a censura se apresentou mais violenta até mesmo atacando alguns espetáculos com forte aparato policial. Escolhemos estes períodos, não ignorando a presença de censura teatral em outros, por temos neles órgãos oficiais de censura teatral responsáveis pela censura prévia do texto e emissão de pareceres relativos à obra.
A censura reproduz os valores de uma parte da sociedade onde está calcada assim como a produção teatral, por isso, achamos importantes uma análise sintética dos aspectos históricos e da produção teatral do período. Além disso, é primordial que analisemos as relações entre estado e teatro, que evidentemente interferem na produção teatral e na censura, depois as conformações dos órgãos responsáveis, eventualmente procurando a identidade destes censores; por fim as obras, os autores e os pareceres das obras censuradas bem com os cortes efetuados sempre que o material nos permita, mostrando o quanto à censura, o corte ou a simples proibição, mudou a cena teatral brasileira.
É necessário dizer que o nosso material é escasso, principalmente de relatos nos primeiros períodos, visto que esses autores não se manifestaram quanto à sua censura ou essas publicações não chegaram até nós, e pobre em pareceres nos últimos períodos tendo em vista a recente liberação do material e a parca análise e produção a respeito dos mesmos. Além de um fator que dificulta muito a análise; a falta de historiografia teatral do último período. Contudo cremos que é possível ter uma visão do todo e fazer uma análise coerente através do material disponível.

2. Os Primórdios
O teatro brasileiro nasceu sob a pena da igreja e a proteção do estado, isso se reflete claramente nos padrões de censura impostos desde os primeiros momentos. Nosso primeiro dramaturgo é Anchieta e sua obra tem fins claros de catequização. Por um longo período o que temos na colônia são autos religiosos e alguns eventos com encenações em igrejas; não temos notícia de teatro com fins exclusivamente de divertimento até o Brasil sair do status de colônia, com a vinda da família real. Em 1810, o príncipe regente decreta que um teatro a altura da família real, instalada no Brasil, deveria ser construído. No dia 12 de outubro de 1813, o Real Teatro São João é inaugurado, com a peça Juramento dos Numes de Gastão Fausto da Câmara Coutinho; mas a nossa dramaturgia, segundo Sábato Magaldi, só é inaugurada em 13 de março de 1838 com a peça Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães.
Sendo assim, é a partir da vinda da família real para o Brasil e da construção do primeiro edifício teatral brasileiro que nosso teatro chegou a sua função de entretenimento, mas com a saída do teatro da órbita exclusiva da igreja iniciou-se a censura, segundo Cafezeiro e Gadelha: “A construção de casas de espetáculos foi acompanhada de financiamentos a companhias (provavelmente segundo critérios de simpatia por parte de sua majestade e autoridades) e de fiscalização censória às atividades teatrais.” (CAFEZEIRO, 1996, p.127). Essa observação já aponta dois problemas, primeiro a censura, e depois o financiamento estatal que também vai ser marcante na nossa história. Essa primeira censura já ficou estabelecida no regulamento interno do Teatro de São Pedro, em 1833, que garantia camarotes pagos pelos públicos à Intendência Geral de Polícia, então responsável pela censura. Contudo a nossa análise parte de 1843 quando foi oficialmente instalado o Conservatório Dramático e a censura passou a atuar sobre o texto teatral.

3. 1843-1897- Período Imperial
Depois da encenação de Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, o dramaturgo Gonçalves de Magalhães ainda nos brindou com outra peça que ficou para posteridade, Olgiato, representada na reabertura do teatro São Pedro de Alcântara, em 7 de setembro de 1839. Mas, ainda em 1838, temos o lançamento de uma peça que modifica totalmente a dramaturgia nacional recém inaugurada, em 4 de outubro, a peça O juiz de paz na roça; inaugura a famigerada comédia de costumes brasileira; de um dos nossos mais comentados comediógrafos e do autor que fez a escola mais forte dentro da dramaturgia brasileira: Martins Pena; é levada aos palcos.
Este comediógrafo é um capítulo importante neste trabalho, pois suas comédias ironizam os costumes da sociedade brasileira, sejam eles políticos, sociais ou morais; portanto, ele é um dos nossos primeiros censurados de relevância. Segundo Sábato, “O comediógrafo atinge religião e política, e esta no funcionamento dos três poderes – executivo, legislativo e judiciário” (MAGALDI, 1962. p. 40-41). Ele também se manifesta sobre uma questão de grande relevância política na época, a escravidão, em suas peças Mãe e O demônio familiar. Mas seu foco de críticas são mesmo os hábitos sociais da pequena burguesia, como mostra sua peça O pedestre, ou Os ciúmes de um pedestre, que ri de uma destas autoridades policiais mais rasteiras, segundo Sábato, “proibida pela censura porque ofenderia o autor de Otelo” (MAGALDI, 1962, P.65), visto que o protagonista dela era um pedestre negro.
Além de escrever comédias, Martins Pena se aventurou no drama escrevendo Dona Leonor Teles de Meneses julgada pelo conservatório, em 1845, indigna de subir ao palco por colocar em cena crimes da família real portuguesa. Mesmo tendo o Brasil 23 anos de independência a família imperial brasileira era da mesma casa que a portuguesa e isso era das grandes preocupações do conservatório, nenhuma crítica à família real, ou a própria monarquia ia à cena.
Gonçalves Dias também marcou presença no teatro nacional, principalmente com sua obra mais famosa: Leonor de Mendonça de 1846, um drama histórico, que também não foi ao palco. Segundo Décio, “Já se adivinha, por esse jogo de evasivas, o desfecho do episódio: Leonor de Mendonça não subiu ao palco. “O poeta maranhense escreveria ainda outro drama, Boabdil, que teve melhor sorte: foi encenado uma vez, ao que dizem, na Alemanha”” (PRADO, 1999. p. 48). Além destes dois, escreveu Patkull e Beatriz Cenci, obras sem maior correlação social, mas que demonstram um grande esforço na construção da personagem. O escritor, com formação claramente européia, paga tributo artístico aos de sua época fazendo dramas históricos bem ao gosto das escolas vigentes, assim como Beatriz Cenci, baseada em uma história verídica ocorrida no século XVI, escrita por volta de 1843, sofreu a censura do conservatório e foi proibida “num dos mais flagrantes desacertos deste órgão e dos congêneres que o sucederam, fazendo da censura, entre nós, uma história de equívocos e ridículos.” (MAGALDI, 1962, p.68).
Joaquim Manuel de Macedo, romancista brasileiro de grande público também colaborou com a formação deste primeiro tipo de teatro de entretenimento brasileiro: o teatro romântico. Ele escreveu muitas peças que também caíram no gosto do público médio mantendo a mesma estrutura de seus romances, moças que tramam seus matrimônios e principalmente o final feliz com o bem recompensado e o mal castigado. Não é diferente em sua burleta Antonica da Silva, mas a censura exigiu vários cortes.
Sendo assim, a nossa produção teatral inicial foi vítima de uma censura bastante atenta e também bastante exagerada. Tendo em vista o foco da produção em suaves dramas históricos, romances românticos e algumas comédias de costumes que de forma alguma constituíam um teatro político; a censura do conservatório foi bastante atuante e desbaratada. Alguns pareceres chegam ao cômico, como o de O pedestre, anteriormente citado.

4. O Conservatório Dramático Nacional
O Conservatório Nacional partiu da iniciativa de alguns intelectuais do império que queriam melhorar as artes dramáticas brasileiras, desde seus primeiros intentos eles se mostram bastante paternalistas. Conforme consta em seus autos “O Conservatório Dramático terá por seu principal instituto e fim primário – animar e excitar o talento nacional para os assuntos dramáticos e para as artes acessórias – corrigir os vícios da cena brasileira.” Nestas ‘artes acessórias’ não está incluída a literatura que não sofre nenhuma censura neste período, podendo as peças serem publicadas sem passar pelo conservatório, só o enfrentando para a encenação. Contudo os ajustes eram feitos no texto, não há registro de atuação dos censores do conservatório nos locais de espetáculo, talvez esta parte da censura esteja delegada à polícia nas complexas organizações das hierarquias censórias do período.
Apesar das disposições iniciais apontarem para motivos plenamente estéticos, a existência do conservatório não se resume a isso, já no seu artigo oitavo, ficam claros quais serão seus critérios de julgamento. “A veneração à nossa santa religião – o respeito devido aos poderes políticos da nação e às autoridades constituídas – a guarda da moral e decência pública, a castidade da língua(...).” (KHÉDE, 1981. p. 58). A partir deste parágrafo vemos que os critérios prescritos pelo regulamento são bastante amplos e subjetivos, fazendo com que qualquer argumento sirva para censura de uma peça; mas o conservatório não se restringe a só isso, ele amplia a questões muito complexas, que não se encontram de maneira nenhuma no regulamento do conservatório, como a do parecer atribuído a Os ciúmes de um pedestre anteriormente citado.
O conservatório tinha uma hierarquia e uma burocracia que pretendiam, pelo menos em tese, a impessoalidade e a transparência dos julgamentos. Então, uma peça ao ser liberada por um censor e pelo presidente, estava definitivamente liberada. Quando o presidente discordasse do primeiro censor podia enviar a análise de um segundo censor, se este também liberasse, a peça estaria livre. Contudo, muitas vezes o presidente abusava de seu poder e fazia seu parecer prevalecer sobre os outros ou mandava a uma segunda análise sempre que o parecer estivesse em desacordo com seu até que o censor concordasse com o seu parecer, semelhante processo ocorreu no caso de Os ciúmes de um pedestre.
E ainda tem mais, além da hierarquia interna do conservatório, temos a externa. Quando o conservatório se estabeleceu, havia a censura policial e esta não foi abolida. Então depois da peça ser aprovada no conservatório tinha que passar também pelo crivo policial. E como se não bastassem havia a censura social que o tipo de estado que se estabeleceu no Brasil propicia: o tráfico de influência. Então, caso algum dos importantes da corte ou de seus círculos se sentisse maculado por alguma peça tinha o direito de inquirir os órgãos responsáveis pela censura a respeito do cumprimento de suas obrigações; tendo em vista que estamos em um estado monárquico, ainda podemos relevar, contudo este tipo de procedimento se repetiu até o último período de censura brasileira quando parentes de militares se sentiam no direito de censurar diversas produções artísticas.
Além disso, segundo nota Khéde, a câmara municipal da corte também trata do assunto em seu código de posturas, e João Caetano principal ator-empresário, se vale deste argumento sempre que deseja impedir uma peça de ir à cena. Todavia uma outra forma bem mais forte e mais grave é feita através do subsídio oferecido pelo governo ao teatro.
Os teatros sempre viveram com parcos e esparsos recursos, a maioria deles disponibilizado pelo poder público que instaurou uma companhia dramática portuguesa no país e a financiava, além de possuir o único prédio teatral do momento. Desta forma, a coroa tinha sob seu poder toda a produção teatral, pois quem conseguisse passar pela censura podia simplesmente não ter seu texto encenado por falta de vontade política. Podemos dizer que nosso teatro nasceu com os olhos do estado sobre si no pior sentido já que os recursos destinados sempre foram insuficientes, mas os cerceamentos, estes excederam em muito o aceitável.
Em relação ao conservatório, há também divergência quanto a seu ano de fechamento, muitos autores dizem que com o advento da república o conservatório foi fechado, como Khéde, outros afirmam que durou alguns anos a mais e uns precisam a data de 1897, como a maioria adotou esta data decidimos creditá-los em nosso recorte. Contudo, ainda temos resquícios do tipo de censura adotada pelo conservatório durante a década de 20, segundo Bretas:
Os censores eram do meio, dava para conversar. A censura no século 19 era feita pelos próprios autores do Conservatório Dramático. Havia uma preocupação muito forte com a qualidade. Nos anos 20, os censores ainda são pessoas com algum trânsito na sociedade teatral. A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat) chegou a fazer um banquete em homenagem a eles. (BRETAS, 03/07/06).
Então com o início da república a censura foi um pouco relaxada, o que não quer dizer que ela não existisse ou que chegasse a ser branda. Segundo estudo de Bretas, anteriormente citado, cerca de duas mil peças foram vetadas na década de 20, onde, em teoria, o estado era democrático. Mas esse estado de razoável liberdade acaba com implantação do estado novo em 1930.

5. 1930-1945- O Estado Novo
O estado novo instaura grandes mudanças na sociedade brasileira, primeiramente econômicas, por causa da crise de 29, que afeta diretamente a produção cafeeira, fazendo que nossa elite com suas riquezas extremamente vinculadas a esse produto percam seu patrimônio e depois sociais, pois novos ricos surgem no lugar daqueles, essa emergência muda um pouco a conformação cultural do país. Além disso, temos a implantação de um estado repressor com um aparato muito bem preparado para banir os opositores desde a revolução feita por Getúlio Vargas em 1930. A rigor o estado novo só inicia em 1937 com a outorgação da constituição de 1937, conhecida como Polaca, devida a sua base fascista importada da constituição polonesa, mas a censura começa a mostrar mais forte um pouco antes.
Tratando diretamente do problema econômico que se instaurou após a crise temos a peça O rei da vela de Oswald de Andrade, que obviamente foi censurada e só foi levada ao palco mais de trinta anos depois de escrita em 1937. A peça põe em cena um casal Abelardo I, um novo rico, banqueiro, que enriqueceu às custas de empréstimos feitos aos antigos cafeicultores. Heloísa é uma moça da aristocracia, com um nome de família a oferecer a Abelardo; os dois irão se casar por interesse para unir o nome ao dinheiro. Sem contar todos os enredos e vícios que a família de Heloísa tem. Do mesmo autor temos ainda O homem e o cavalo, peça que também não foi encenada.
Temos ainda a peça de Joraci Camargo que foi sucesso de público Deus lhe Pague, segundo Sábato, sem maiores qualidades do que ser o introdutor do teatro social no país, mas a produção teatral deste período não é muito profícua, além desta peça temos a produção do modernista Flávio de Carvalho, evidenciada pela peça O bailado do deus morto, uma peça muito avançada para época e, portanto restringida pela censura. O teatro brasileiro continuava mantendo suas maiores produções e seu maior público nas comédias de costumes que seguem o estilo de Martins Pena. Muitos autores relatam que a pressão do estado sobre as pessoas em forma de ameaças, os primeiros desaparecimentos e as grandes arbitrariedades faziam com que a autocensura fosse tão grande que impedia a produção. Além destes fatores, temos o econômico, pois o centro da produção estava focado numa elite burocrática, diferente do que acontecerá posteriormente. Conforme afirma Vianninha, o teatro deste período produz para quem não tem papel no processo produtivo.

6. O Departamento de Imprensa e Propaganda
O estado montou um aparato grande e enérgico que reage contra qualquer ação contrária a sua vontade e não eram precisos muito motivos para usá-lo. Contudo ele se preocupava em manter estável sua imagem pública, por isso fundou o DIP -departamento de imprensa e propaganda - órgão responsável pela censura teatral e também de rádio, livros e jornais. A partir deste momento a censura passa a se interessar mais pelos livros publicados censurando-os também. Além da censura há uma intensa cooptação da intelectualidade e um intenso trabalho ideológico voltado para as massas (MOBY, 1994. p. 75).
Uma parte desta intelectualidade cooptada era da SBAT, que chegou a reivindicar que a censura policial tornasse-se válida em todo território nacional. No entanto, o tom da censura não deixou de ser paternalista, o presidente através dela estaria indicando o caminho perfeito e seguro para se seguir. A importância desta manipulação para o estado era medida na importância dada ao DIP dentro da estrutura estatal, era um órgão ligado diretamente à presidência e contava com os nomes de Cândido Mota Filho e Cassiano Ricardo para traduzirem para a linguagem popular, as diretrizes oficiais.
Apesar do pedido da SBAT, a censura continuava sendo feita em cada estado individualmente, caso a peça fosse reprovada pelo DIP, não poderia ser encenada em nenhum lugar do país; caso fosse aprovada, teria que passar pelos órgãos de censura estaduais conforme o interesse da companhia em montar a peça na localidade.
Em 1945, com a redemocratização o DIP é desativado e a censura passa a ser responsabilidade da censura federal como é até o final de 1988, contudo decidimos dividir em dois estes períodos, tendo em vista que as características censórias são muito diferentes no primeiro se centrando em aspectos morais e no segundo em aspectos políticos.

7. 1946-1964 Relativa Abertura
Este período que fica entre dois períodos de extremo fechamento se caracteriza pela grande alegria nacional que se instaura principalmente na era JK a partir do grande crescimento econômico. O Brasil está crescendo e a população tem esperança de vê-lo se tornar uma grande nação moderna, uma nova capital será construída e afastará o centro político do Rio de Janeiro. Há uma efervescência cultural, surge a bossa nova, símbolo da modernidade e de uma nova era para o país, o país sofre uma grande modernização, os índices populacionais já mostram que a população se concentra mais nos grandes centros urbanos. Contudo os padrões sociais, a religiosidade, e as regras de comportamento familiar permanecem semelhantes ao do período anterior, pelo menos na elite. Isso é perceptível através do tipo de censura que é mais acentuada neste período: a censura moral.
Uma criação da censura deste período é a censura de faixa etária, antes as crianças iam ao teatro junto com as mães para ver qualquer tipo de peça. Essa nova instituição foi uma reviravolta nos hábitos dos que costumavam freqüentar o teatro; e sem dúvida fez com o público se reduzisse. As crianças estavam excluídas do teatro, esta mudança se refletirá depois quando os teatros ficarem às moscas, afinal quem não aprendeu a freqüentar o teatro desde de criança demora, ou nunca vem a adquirir tal hábito. Além disso, há censuras que classificam como adultos, só os jovens de mais idade, pois aos 21 anos já estamos saindo da juventude para ingressar na idade adulta. O que demonstra o caráter totalmente arbitrário destas classificações.
A produção censurada mais evidente do período é a de Nelson Rodrigues que teve quatro peças censuradas, duas por longo período. A produção de Nelson é a mais forte do momento. Sua peça Mulher sem pecado passou pelo teatro despercebida em 1942 e só voltará a ser encenada depois do estrondoso sucesso que fará Vestido de Noiva em 1946, segundo muitos críticos mudando definitivamente a dramaturgia nacional. Nelson produz muito nesta década, mas só terá algumas de suas mais belas peças encenadas na década seguinte onde a censura muda totalmente seu foco de interesse.
Em 1946, ele escreve Álbum de Família que é interditada em 1948, uma das primeiras ações do governo Gaspar Dutra, não por motivos estéticos, mas plenamente morais, no entanto não foi só a polícia que achou Nelson indigno de encenação, uma parte da intelectualidade ficou impactada com a quantidade de encestos e perversões sexuais presentes na peça, temendo que seus filhos passassem a ‘copular livremente pelos lares’, eles apoiaram a censura à peça.
Em 1947, Nelson tenta encenar outra peça, Anjo Negro, agora tocando um tema nevrálgico nessa sociedade, o racismo, Nelson além do assunto quer levar um ator negro ao palco, Abdias Nascimento, um excelente ator, amigo de Nelson. Todavia a censura não permite que um ator negro faça cenas insinuantes com uma atriz branca; o ator que fará papel de negro será um branco pintado, além da peça ganhar vários cortes. Segundo alguns críticos o fato de termos um ator branco pintado serviu muito bem aos propósitos da peça evidenciando ainda mais o absurdo daquela situação.
Ainda em 1947, ele escreve Senhora dos Afogados, peça censurada em 1948 e só liberada em 1953. Esta peça conta a história de uma família, de cujo pai é um juiz de grande influência, tanto que será nomeado ministro e antes de seu casamento teve um caso com uma prostituta na qual gerou um filho que vem vingar a morte de sua mãe, já que o juiz não suportando o desejo que nutre por ela e tendo que viver em uma família onde a repressão do desejo é uma máxima, mata-a no dia de seu casamento.
Ficam evidentes os valores da família burguesa onde um homem poderia ter um caso extraconjugal sem nenhuma retaliação por isso, mas nunca deveria levar o desejo para dentro de casa não permitindo que sua esposa sentisse-o. Há muito evidente um questionamento do papel da mulher na família e na sociedade, além de alguns incestos e da corrupção da mãe de família no prostíbulo. A censura não permite sua exibição. Em 59, o autor volta a ser censurado, Boca de Ouro, uma crítica da sociedade carioca e de seus lugares de prestígio extra-oficiais, também passa algum tempo censurada, mas é posta em cena ainda no mesmo ano. É evidente que o lugar de prestígio de Nelson dentro desta sociedade e desta estrutura de poder faz com que peças suas sejam liberadas em pouco tempo, contudo também há um preconceito em relação ao nome de Nelson conhecido como ‘tarado de suspensórios’, sendo que uma de suas peças foi liberada usando um nome fictício e proibida quando apresentada com seu nome, o que mostra a total completa e irrestrita arbitrariedade da censura.
Através do rol peças proibidas podemos ver o que o foco da censura do período se restringe ao moral. Nelson é proibido quando critica os valores da sociedade burguesa, patriarcal que forma a elite cultural do Brasil no período, suas peças não contêm um forte conteúdo político e Nelson tem uma posição política relativamente neutra dentro deste período de polarização. Por isso, em 53, já haverá a liberação de Senhora dos Afogados e em 1965, será liberada Anjo Negro, num período onde a ditadura e, por conseqüência, a censura, está mais acirrada que nunca, mostrando que o foco dos cortes agora é outro e a censura moral só serve para esconder outros propósitos escusos.

8. 1964- 1988 Período Militar
Nas eleições de 1961, João Goulart era eleito presidente do Brasil, candidato com alguma simpatia ao comunismo, portanto gerador de temeridade aos militares do país que querem garantir que o país permaneça capitalista. Contra a posição de Jango se levantou toda a elite, autoridades civis, a igreja católica e grande parte da classe média nas marchas da “Família com Deus pela Liberdade”. Fragilizado o governo, em 31 de março de 1964, com grande apoio popular, os militares tomam o poder no país. Jango sem condições de reagir foge para exílio. Instaura-se um regime de total repressão. Serão 21 anos onde as liberdades individuais não serão respeitadas, onde o arbítrio dominará plenamente as relações de poder, e principalmente, onde não se poderá questionar as autoridades censoras, elas são donas da verdade e não se importam tanto com a opinião pública como antigamente. A classe média e a baixa estão entretidas com as inovações tecnológicas que o milagre importou dos EUA, sem se preocupar com os abismos sociais que começam a crescer.
Contudo o aumento da população escolarizada fez com que surgissem novas classes sociais preocupadas com o mundo em que vivem e cientes da revolução sexual que está acontecendo lá fora e da qual estão sendo excluídos. Estes jovens, em sua maioria universitários, iniciam a fase de maior produção teatral no país, tanto em dramaturgia quanto em encenações de textos traduzidos.
A música, grande propulsora cultural do período anterior, passa a fazer parte do espetáculo teatral dando mais vitalidade a ele e levando um público um pouco diferente para o teatro. Antes o teatro era freqüentado pela elite, o teatro dito “respeitável”, está cada vez mais vazio, e as classes populares lotavam os teatros de revista, mas os estudantes não tinham uma representação que respondesse suas angústias, sendo assim, eles começaram a montar os teatros universitários e pequenos grupos de teatro amador.
Além disso, as relações com o teatro se modificaram visto que foram fundados teatros particulares alternativos aos públicos, por exemplo, o Teatro Brasileiro de Comédia e o Teatro Arena que tiveram grande função neste período. Os recursos públicos repassados ao teatro ainda existem, mas não contemplam os teatros amadores por isso há uma grande ‘profissionalização’ do teatro. Assim os atores, diretores e encenadores vêem obrigados a organizar uma entidade representativa da classe dos atores mais formal, sendo assim, a ditadura tem mais um meio de coação, quem não tem carteirinha, não pode subir ao palco.
A produção é bastante intensa, mas a censura à algumas causou maior impacto, por exemplo, a peça, Liberdade, liberdade de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que foi censurada em 1965, sendo liberada para maiores de 16 anos, com 17 cortes. As peças Navalha na carne e Dois perdidos numa noite suja de Plínio Marcos; um dos seguidores da escola de Nelson, segundo Oliveira; são censuradas: a primeira sendo liberada para maiores de 21 anos com 9 cortes e a segunda sendo proibida para menores de dezoito anos. Além de outras como Carcará, Roda Viva, O berço do herói e Rasga coração, afirma-se que só no de 1976, foram proibidas 500 peças. Mas o teatro funcionou de maneira totalmente diversa do que vinha fazendo até então, segundo Michalski: “As condições anormais em que o teatro funcionou durante essas duas décadas fizeram surgir no palco tendências, experiências, textos e encenações de características muito diferentes de tudo que ali fora visto anteriormente”. (MICHALSKI, 1989. p.7). As maneiras de fugir da censura se tornaram novas experimentações estéticas e também algumas equipes que viviam exclusivamente de teatro preferiam vivem quase sem recursos e fazer teatro amador a fim de ter uma liberdade um pouco maior.
Depois do AI-5 o teatro começa a ficar pobre, nos dois sentidos. A falta de critério da censura faz com que peças prontas para estréia tenham de ser desmanchadas, causando grandes impactos econômicos para os grupos que já tinham alugado teatro, passado meses ensaiando, montado cenário e figurino. Desta forma muitos grupos foram falindo. Os critérios da censura nunca estiveram explícitos e nunca eram fornecidos detalhes do motivo da censura de uma peça. Qualquer palavra ou gesto pode desencadear a censura, além de todos os mecanismos já citados de censura direta ou econômica, o estado lança mão de uma nova forma: a imprensa.
O presidente Costa e Silva, em rede nacional, anuncia que acha a peça Santidade de José Vicente uma imoralidade, após esse episódio manda distribuir uma cópia da peça a cada jornal mandando que eles se manifestem a respeito. Assim inicia-se uma campanha difamatória da peça que além de prejudicá-la, ajuda a difamar o teatro que vem sendo feito.
E a censura prévia ainda era mantida, feita através de uma longa burocracia que incluía todos os detalhes da apresentação do espetáculo. O processo era composto de 10 etapas, e caso a peça fosse cortada se devia recensurar antes que fosse levada ao palco, passando novamente por todo processo. Segundo relatos dos arquivos Miroel Silveira há peças em que não há espaço em branco de tantos carimbos marcados sobre a folha.
Em 1988, começa a abertura lenta, gradual e segura; nossa constituição garante o pleno exercício da cidadania e do uso dos meios de comunicação conforme a vontade individual. Contudo nosso teatro sofre até hoje com a falta de público e de investimento que esses anos de repressão nos legaram, além, obviamente, da restrita tradição que permitiram que chegasse até nós. Hoje o teatro não tem representatividade social, por isso o governo não se preocupa mais em policiá-lo; contudo os olhos censores continuam postos sobre o cinema e televisão onde o caráter obscuro deste tipo de organização permanece o mesmo. Neste ano de 2006, temos no congresso um projeto de censura etária para cinema e televisão, poderá entrar em vigor um novo código que comece a reduzir nossa liberdade novamente; isso prova que um povo sem educação, não tem memória e quem não sabe sua história, realmente está condenado a repeti-la.

9. Conclusões
É necessário e urgente resgatar a história da censura brasileira, principalmente por ela ter sido a mais forte e intolerante, além da mais extensa de nossa história e mostrar o quanto toda censura por mais bem intencionada que inicie não tem como manter seus pareceres e critérios totalmente objetivos, visto que seus objetos são totalmente subjetivos; sendo assim é inevitável que se caia em um sistema onde o caráter dos censores irá definir quase que completamente o material censurado, num país corrupto como é o nosso, uma máquina tal qual esta só poderá servir aos interesses de poderosos com fins claramente manipuladores.
Não há motivos para censurar e não há modo politicamente correto de censurar e isso pode ser provado através do estudo de nossa história de cortes e agressões. É hora de toda nossa produção intelectual, cultural e artística poder se manifestar livremente sem que dependa de boa vontade e de favores políticos. Creio que este estudo mostre um pouco das incongruências e inconsistências da censura e ajude no conhecimento de nossa história cultural.

REFERÊNCIAS

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BRETAS, Marcos. O palco proibido. Entrevista feita por Ana Paula Conde, http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2690,1.shl, disponível em: 03/07/06. BRETAS, Marcos Luiz. O teatro e a cidade nos anos 20. No prelo. 2006.
CAFEZEIRO, Edwaldo, GADELHA, Carmen. História do teatro brasileiro: de Anchieta a Nélson Rodrigues. Rio de Janeiro: UFRJ/ Funarte, 1996.
KILPP, Suzana. Os cacos do teatro – Porto Alegre anos 70. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1996.
Le Goff, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.
OLIVEIRA, Ana Maria de. A moralidade como instrumento de censura no teatro de Nelson Rodrigues. http://www.suigeneris.pro.br/literatura_moinceam.htm. Disponível em: 03/07/06.
PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Edusp, 1999.
MAGALDI, Sábato. Moderna dramaturgia brasileira. São Paulo: Perspectiva, 1998.
MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989.
MOBY, Alberto. Sinal fechado – A música Popular Brasileira sob censura. Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994.


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