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Literatura e Autoritarismo

Literatura: Compreensão Crítica

Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 14 

MARAVILHAMENTO OU APREENSÃO NO ENCÔMIO DA ITÁLIA? O SEGUNDO LIVRO DAS “GEÓRGICAS” DE VIRGÍLIO

Matheus Trevizam1
Resumo: Nas Geórgicas e, no segundo livro do poema, nos trechos de descrição da técnica de enxertia e do elogio da Itália, terra contraposta ao Oriente, temos elementos para discutir a “polifonia” virgiliana. Trata-se do fenômeno de sentido vinculado à multiplicidade de pontos de vista sobre os mesmos assuntos, sucessivamente expressos. Assim, propomo-nos, aqui, ao exame dessa questão, incorporando bibliografia especializada e a leitura do próprio poema.
Palavras-chave: Geórgicas; enxertia; elogio da Itália; polifonia; monstruosidade.
Abstract: In the Georgics and, in the poem’s second book, in parts related to the description of the grafting technic and to the praise of Italy, land which is contrasted with the Orient, we have elements for the discussion of Virgil’s “polyphony”. Here, we are talking about the meaning phenomenon which has to do with the multiplicity of viewpoints about the same themes sequentially expressed. This way, we propose an examination of this question, incorporating specialized bibliography and the reading of the poem itself.
Keywords: Georgics; grafting; Italy praise; polyphony; monstrosity.

1. Introdução e delimitação geral da abordagem
A crítica, desde há muito, tem reconhecido nas Geórgicas virgilianas uma obra complexa, desconcertante em suas múltiplas sobreposições de planos constitutivos, ideias nem sempre facilmente conciliáveis e vastas possibilidades de leitura (GALE, 2000, p. 58-78). De início, então, convém, segundo a tipologia estabelecida pelo filólogo Bernd Effe numa sua monografia publicada em Munique, associar esse “poema da terra” à categoria didática dos textos “transparentes”, nos quais, segundo explicação de Dalzell, que o cita, “conteúdo e tema, embora vinculados um ao outro, não coincidem” (DALZELL, 1997, p. 32). Nesse caso, portanto, o conteúdo (der Stoff) ostensivamente apresentado são as técnicas e vicissitudes da lida agrária, correspondendo ao tema (das Thema), por sua vez, o “algo a mais” (moral, filosofia, religiosidade...) que Virgílio pretende “ensinar” de maneira menos óbvia.
O curto esboço de análise feito acima já nos permite entender a concomitante justaposição da diferença como um princípio operante para o entretecer dessa obra: da “singeleza” do conteúdo, que, por sinal, no fundo se constrói em rica e erudita referência a muitas tradições da cultura greco-romana pregressa (FARRELL, 1991), deriva-se um verdadeiro caleidoscópio de temas abstratos, cujo âmbito decididamente se desvia da concreta especificidade do fazer agrário para o reflexivo e o universal. Sob o ponto de vista apenas do “tema”, segundo a terminologia de Effe, ocorre mesmo a criação de precisos pontos de embate entre posições ideológicas distintas, como no caso da passagem abaixo (II 490-494), em que, à racionalidade do epicurista romano Lucrécio, segue-se sem maiores impedimentos a tradicional religião “ingênua” dos campesinos helênicos ou itálicos:
felix qui potuit rerum cognoscere causas                          490
atque metus omnis et inexorabile fatum
subiecit pedibus strepitumque Acherontis auari.
fortunatus et ille deos qui nouit agrestis
Panaque Siluanumque senem Nymphasque sorores
.
“Feliz quem pôde conhecer as causas das coisas
e todo medo, o Fado inexorável
e o estrépito do Aqueronte avaro sujeitou aos pés.
E feliz quem conheceu os deuses agrestes,
Pã, o velho Silvano e as ninfas irmãs”.2
Ora, diante de semelhantes incompatibilidades do dizer, seria empobrecedor se pretendêssemos ignorar as várias sinalizações (inclusive alusivas!) que o urdume das Geórgicas amiúde nos oferece, visando a “convidar-nos” para leituras-outras. De maneira irreconsiliável com o fechamento dos temas da obra num todo absolutamente linear e coeso em sua significação, as muitas discrepâncias sucessivamente apresentadas ao longo de seus versos, longe de apenas serem episódicos “cochilos”, definem uma forte polifonia (GALE, 2000, p. 70-72) como necessário parâmetro interpretativo para o poema.
As passagens do livro II das Geórgicas que nos interessam aqui mantêm vínculos, sob a aparência da “normalidade” e dos intentos de louvar a coragem dos agricultores da Itália e a própria terra, com agenciamentos de sentido bastante desestabilizadores do descrito em superfície. Nessa grande subdivisão da obra, como é sabido pelos leitores de Virgílio, o poeta concentrou a descrição da arboricultura, segundo aproximativamente praticada na península em sua época: é que o foco essencial da preceituação do magister didático virgiliano se identifica, por ora, com mostrar a cultura das oliveiras e a das vinhas, de fato tidas por algumas das mais importantes para a economia itálica antiga (ROBERT, 1985, 238-249).
Corresponde a uma visão consagrada das Geórgicas entender que haveria alternância entre os livros “pessimistas” (os de número ímpar) e os “otimistas” (os de número par, como o segundo mesmo e o quarto), resultando o todo num conjunto de grande equilíbrio distributivo (WILKINSON, 1997, p. 74-75). Em vez da uariatio como mera estratégia de fazer alternarem-se exclusivamente “más” e “boas” visões sobre o mundo, no entanto, propomos entender esse texto e, ainda mais, os peculiares trechos de que nos serviremos doravante para exemplificar, como construtos de sentido a todo momento desafiadores de lineares parâmetros interpretativos.

2. Análise do corpus no segundo livro das Geórgicas
A primeira passagem selecionada para a leitura, então, corresponde a II 69-72, em que se trata de certa técnica humana na produção de verdadeiras quimeras:
inseritur uero et fetu nucis arbutus horrida,
et steriles platani malos gessere ualentis,
                         70
castaneae fagus, ornusque incanuit albo
flore piri glandemque sues fregere sub ulmis
.
“Sim, enxerta-se, o medronho hirsuto com a noz,
plátanos estéreis deram macieiras viçosas,
a faia branquejou com a alva flor da castanheira,
o freixo, da pereira, e porcos comeram bolotas sob olmeiros”.3
O contexto dos versos acima corresponde, nas Geórgicas, a um momento de aparente elogio do “sucesso” dos arboricultores itálicos: inegavelmente, num tempo tão laborioso para os de nossa estirpe quanto a Idade férrea, em que se inserem pelo mito os agricolae de Virgílio, omnibus est labor impendendus, et omnes (arbores) cogendae in sulcum ac multa mercede domandae [VIRGÍLIO, 1998, p. 42 – “todos devem dedicar-se ao trabalho, e todas (as árvores) devem ser coagidas aos sulcos e ‘domadas’ com muito custo” – II 61-62]. Entretanto, recorrendo à diligência e à inventividade de que se fez portador com o “providencial” fim das doçuras da existência sob Saturno, o homem chegaria a “vencer” a esterilidade de várias espécies arbóreas improdutivas (arbutus - “medronheiro” -, platani – “plátanos” –, fagus – “faia” –, ornus – “orno” – ulmis – “olmeiros”) para delas conseguir “nozes” (v. 69), “maçãs” (v. 70), “castanhas” (v. 71), “peras” (v. 72) e “bolotas” (v. 72).
O linear “otimismo” manifesto nesses versos de Virgílio, no entanto, esbarra no fato de que ele e, provavelmente, seus leitores romanos, sabiam não serem possíveis tais “maravilhas” do engenho do homem. As espécies arbóreas acima elencadas como receptoras dos ramos de enxertia são, notavelmente, muito distintas deles mesmos. O “agrônomo” latino Varrão de Reate, que é reconhecido por Thomas (VIRGÍLIO, 1994, p. 11), comentador da edição de Cambridge das Geórgicas, como importante fonte derivativa de saberes técnicos para Virgílio neste poema, avisara-nos, por sinal, no primeiro livro de seu De re rustica, da impossibilidade de se fazerem enxertos frutíferos indiscriminadamente (VARRO, 2006, p. 268-270 – I XL 5-6). No entender de Ross, por sua vez, vemo-nos, confrontados com uma passagem aparentemente tão “otimista”, diante da subentendida denúncia de uma “mentira”, como se, na verdade, os arboricultores virgilianos não fossem capazes de chegar a tanto (ROSS, 1987, p. 106-109). Esse mesmo crítico relembra uma série de adynata das Églogas virgilianas (VIII 52-54) em grande e, talvez, não casual proximidade com o teor da passagem que citamos há pouco:
nunc et ouis ultro fugiat lupus; aurea durae
mala ferant quercus, narcisso floreat alnus,
pinguia corticibus sudent electra myricae;
“Fuja o lobo do alfeire; com narcisos
o alno floresça, o roble dê laranjas,
da casca alambre estilem tamargueiras”.4
Em sua ambientação bucólica, ela expressava, pelo canto do pastor Dámon, o desespero por não ser amorosamente correspondido por Nise, pois perdera-a para Mopso; assim, desejoso do impossível (a volta dessa mulher), ele se vale da figura de pensamento citada, também conhecida em latim como reductio ad absurdum, ao fazer aflitos votos pela mudança da própria ordem natural do mundo. Segundo Ross, ainda, o Virgílio das Églogas já se tinha baseado para compor esses versos numa passagem do primeiro idílio de Teócrito (v. 132-134), em que também se acumulavam num entorno amoroso várias improbabilidades botânicas, como pés de junípero a darem narcisos e pinheiros a darem peras (ROSS, 1987, p. 107).
Por outro lado, além das chances de “desmascaramento” da palavra do magister agrário virgiliano nos termos acima, enveredar-nos por conceder alguma licença a ele, “acreditando” por instantes no que, de fato, não pode ser, conduziria a outra forma de negação de uma total positividade do tom expressivo. O prosseguimento de leitura dos versos, assim, far-nos-ia chegar ao desfecho do tratamento da técnica de enxerto nesta segunda Geórgica:
(...); nec longus tempus, et ingens                          80
exiit ad caelum ramis felicibus arbos
miraturque nouas frondes et non sua poma
.
“(...) em pouco tempo uma enorme
árvore vai ao céu com ramos felizes,
e admira novas ramas, não seus frutos”.5
Não se trata, aqui, haja vista a descrição final das “maravilhosas” enxertias como algo concluído, de desacreditar a capacidade realizadora dos agricolae, mas, antes, de pôr em xeque o significado de suas “conquistas” como algo minimamente aceitável dentro dos parâmetros da normalidade. Desse modo, uma árvore “enorme” (v. 80), ao término do processo a que fora submetida tão sem limites, projetar-se-ia para o céu com ramos “felizes” (v. 81) e “admirar-se-ia” (v. 82) com “folhagens novas” (v. 82) e frutos que “não são seus” (v. 82). Em que pese ao fato de o adjetivo felix poder significar em latim também “fecundo” ou “abundante”, o que não caberia mal no estrito plano botânico da passagem, parece viável aderir à visão de Thomas, que entende uma suposta “felicidade” dos ramos e a “admiração” da própria árvore diante de sua estranheza com significados eminentemente antropomorfizantes (VIRGÍLIO, 1994, p. 170-171). A levar-se em conta tais ideias do crítico sobre o teor do enxerto nesta passagem de Virgílio, portanto, o grau de artificialismo aqui alcançado por feito dos arboricultores seria suficientemente grande para produzir o monstrum de um vegetal (a árvore enxertada) híbrido não só por partilhar dos galhos de espécies botânicas de todo diferentes da sua, mas, ainda, de características atinentes a um reino estranho de seres vivos (o dos animais).
Também interessa, a propósito dessa “monstrificação” da natureza, lembrar a presença de algo, até certo ponto, semelhante na obra do dito Júlio Obsequente, autor latino imperial de biografia de todo desconhecida (e datação duvidosa! – Julius Obsequens, 1864, p. 833), que nos legou um recolho de prodígios extraídos, sobretudo, da obra dos historiadores romanos. Nessa coletânea, destinada a propor elos entre fenômenos “sobrenaturais” e a volição causativa dos deuses, o sentido do “monstruoso” ou, propriamente, de monstrum corresponde àquele mais próximo da etimologia do termo no latim, que sabemos derivar do verbo monere (“avisar”, “advertir”, “aconselhar”... - ERNOUT e MEILLET, 1939, p. 629). Então, monstrum e monstruosus seriam, para Júlio Obsequente, eventos (quedas de raios em lugares muito específicos, audição de vozes misteriosas, chuvas sangrentas...) ou seres (crianças e animais a nascerem com graves deformidades, vegetais a partilharem morfologicamente de partes de outras criaturas...) inusitados por suas características intrínsecas, e que estariam a patentear a vontade divina, em geral relacionada (mas não só) à necessidade da expiação de uma falta pelo conjunto de adoradores.
Curiosamente, correspondem a um dos tipos de monstra elencados por Júlio Obsequente em seu Liber prodigiorum os estranhos híbridos que mostramos abaixo, em nossa tradução:
M. Marcello C. Sulpicio coss. [A.V.C. 588 / 166 B.C.]

12. In Campania multis locis terra pluit. In Praenestino cruenti
ceciderunt imbres. Veienti lana ex arboribus nata.


“Consulado de M. Marcelo e Caio Sulpício [588º. ano da
fundação da Cidade/ 166 a.C.]: 12. Na Campânia, choveu terra
em muitos lugares. No território de Preneste, caíram chuvas
de sangue. Em Veios, nasceu lã das árvores”.

Ser. Flacco Q. Calpurnio coss. [A.V.C. 619 / 135 B.C.]

26. Mons Aetna maioribus solito arsit ignibus. Romae puer
solidus posteriore naturae parte genitus. Bononiae fruges in
arboribus natae.


“Consulado de Servílio Flaco e Quinto Calpúrnio
[619º. ano da fundação da Cidade/ 135 a.C.]: 26. O monte
Etna incendiou-se mais intensamente. Em Roma, foi dado à
luz um bebê sem a abertura na parte de trás. Em Bolonha,
nasceram cereais das árvores”.

M. Plautio M. Fuluio coss. [A.V.C. 629 / 125 B.C.]

30. In arboribus fruges natae sunt.


“Consulado de Marco Pláutio e Marco Fúlvio [629º. ano da
fundação da Cidade/ 125 a.C.]: 30. Nasceram cereais das
árvores”.
Como notamos, trata-se sempre de árvores a produzirem frutos inusitados demais para passarem-nos despercebidos e, no contexto religioso latino, deixarem de alertar os atônitos espectadores antigos da intervenção divina. Em que pese ao fato, como se teria dado em comum tanto no consulado de Servílio Flaco e Quinto Calpúrnio quanto no de Marco Pláutio e Marco Fúlvio, de o brotamento de espécies vegetais tão estranhas sobre as “hospedeiras” citadas já corresponder a algo maravilhoso (cereais a nascerem de árvores!), consideramos a ocorrência restante ainda mais espantosa, pois nela divisamos a própria “animalização” de seres em princípio inseridos no Regnum plantarum.
No cotejo com a passagem virgiliana que comentamos, poder-se-ia dizer, assim, que “estranhezas” como o brotamento de cereais em árvores ecoam seu início (quando assistíamos a impossibilidades - ou prodígios - como a vinda à luz de maçãs através de plátanos e castanhas através de faias), enquanto o dado da mistura entre a raça ovina e espécimes arbóreos quaisquer encontra mais próximos paralelos ao término do trecho da enxertia nas Geórgicas, identificado, bem o vimos, com certa antropomorfização (além de agigantamento!) do ser resultante. Ora, sem pretensões de fazer remontar diretamente as imagens encontradas em Júlio Obsequente ao poema agrário virgiliano, que não corresponde à sua fonte, não há como não corroborar que cabia, na cultura religiosa romana, um estatuto no mínimo ambíguo para semelhantes hibridizações de seres: nem sempre anunciadoras de males futuros devidos ao descontentamento divino, amiúde se revestiam das conotações de perigosa ultrapassagem de barreiras pelo homem (JEHA, 2007, p. 20) e, ainda, necessitavam por vezes ser destruídas com fins expiatórios visando a apaziguar os entes sobrenaturais porventura lesados.
Isso posto, coloca-se-nos, sob o ângulo da religiosidade pagã, uma pergunta que não poderia calar: estaria o tom “entusiástico” da dicção virgiliana no trecho em questão [notem-se, sobretudo, as colocações de Thomas, comentador da edição de Cambridge das Geórgicas, sobre o usual emprego pelo poeta de expressões vinculadas ao radical de mirari - miratur (v. 82) – em contextos de manifestação do prodigioso – VIRGÍLIO, 1994, p. 170] a indicar-nos que, na verdade, encontramo-nos diante de um produto da impiedade dos agricolae itálicos, em outros pontos do poema mostrados, à maneira hesiódica, até, como respeitosos seguidores da vontade dos deuses no que diz respeito a seus limites e deveres? Ou tudo não passa, grifos hiperbólicos à parte e segundo sinalizado pelo próprio Virgílio logo ao primeiro livro da obra, de mostrar que, valendo-se das habilidades advindas de sua “providencial” penúria, os seres humanos apenas deram vazão com direitos e “ótimos” resultados aos próprios agenciamentos civilizadores de recursos, para isso contando com os auspícios do Pai dos deuses?
Em seguida, deslocando-nos para o exame de uma passagem dedicada à descrição geográfica por Virgílio, desejamos fazer-lhe notar a ambiguidade no que se vincula a seu papel de definição contrastiva exata dos traços da Itália, terra, em princípio, “louvada” em II 136ss:
adspice et extremis domitum cultoribus orbem
eoasque domos Arabum pictosque Gelonos:
                         115
diuisae arboribus patriae. Sola India nigrum
fert hebenum, solis est turea uirga Sabaeis.
quid tibi odorato referam sudantia ligno
balsamaque et bacas semper frondentis acanthi?
quid nemora Aethiopum molli canentia lana
                             120
uelleraque ut foliis depectant tenuia Seres?
aut quos Oceano propior gerit India lucos,
extremi sinus orbis, ubi aera uincere summum
arboris haud ullae iactu potuere sagittae?
“E nota o mundo amansado pelos cultivadores extremos, as moradas orientais dos árabes e os gelonos pintados:
as pátrias foram repartidas entre as árvores. Apenas a Índia dá o ébano negro, só os sabeus têm pau de incenso.
Por que te falaria dos suores da madeira perfumada, dos bálsamos e das bagas do acanto sempre viçoso?
Por que dos bosques dos etíopes, brancos da lã macia, e de como os chineses penteiam velos delicados das folhas?
Ou das matas que a Índia produz bem perto do mar, golfo do fim do mundo, onde seta alguma pôde vencer o topo das árvores ao ser lançada?”6
Os versos acima, vê-se de um modo no início óbvio, corresponderiam a uma espécie de elogio das “maravilhas” do Oriente através da apresentação de suas proverbiais riquezas e notórias peculiaridades (via cabível argumento de que, como o ouro, bom é o raro...). Tal leitura, no entanto, não resistiria a um olhar mais atento: em primeiro lugar, então, poder-se-ia “desmontar” a retórica há pouco aludida dizendo, segundo um padrão de pensamento bem romano, que as facilidades excessivas da vida enfraquecem o caráter dos homens; por outro lado, “ébano” (v. 117), “incenso” (v. 117), “bálsamos” (v. 119), “algodão” (lana – v. 120) e “seda” (uellera tenuia – v. 121), como produtos raros (e caros) para os antigos povos mediterrâneos, não eram itens de primeira necessidade entre os latinos, por exemplo. Dessa maneira, confrontados com o maior valor prático dos banais pão e vinho (v. 143), decerto resultariam em desvantagem numa escala de valores pautada por outros princípios...
Sob um ponto de vista algo distinto, ainda seria possível reverter em detração o aparente “maravilhamento” do poeta com os prodígios orientais: remetendo-nos mais uma vez ao catálogo de ambíguos entes botânicos de Júlio Obsequente, que notamos nos versos imediatamente transcritos há pouco? Nada menos que a continuidade da tematização de híbridos apenas em princípio “enraizados” no reino vegetal: portanto, assim como a árvore enxertada em demasia pelos agricultores virgilianos chegara humanamente a admirar-se consigo mesma (v. 82), a exótica madeira perfumada das terras a leste “sua” (v. 118), os “bosques” etíopes produzem algodão, ou, melhor dizendo, “lã” (v. 120), e os chineses penteiam “velos delicados” das folhas (v. 121). Do mesmo modo que procedemos antes, ao questionarmos o sentido exato da apresentação das “maravilhas” daquela técnica reprodutiva mostrada nas Geórgicas, também seria o caso, aqui, de nos perguntarmos se os prodígios do estrangeiro a desvelarem-se presentemente diante de nossos olhos na verdade não induziriam o leitor antigo ao apreensivo estranhamento de tantas realidades a tal ponto “diversas” da sua. Optar por essa leitura, note-se bem, significaria o desmerecimento como intimidadora desvantagem de todo o forte exotismo do Oriente, tanto mais se o acrescêssemos da idéia supracitada de dever-se preferir o comum e o útil ao difícil de encontrar e... supérfluo.
Ainda, de um modo que não parece meramente acidental, de novo vemos, em v. 122-124 a característica da desmesura no que tem de perturbadora dos limites da “normalidade”: as árvores das matas hindus, conta-nos Virgílio, são tão excessivamente altas que seta alguma lhes alcançaria o topo. O traço da grandeza em excesso, lembremo-nos bem, também estava presente na árvore enxertada pelos agricolae, de que antes nos falara o poeta (v. 80), e, obviamente, caracteriza com força uma categoria de seres monstruosos tão significativa na mitologia antiga quanto os gigantes: Virgílio mesmo os menciona em Geórgicas I (v. 277-283), a propósito do desafio de Júpiter por esses seres durante o episódio da Gigantomaquia.
Parece-nos que a “virada” interpretativa sobre o trecho comentado acima se dá, de alguma maneira, com a efetiva introdução do suposto elogio da Itália pelo poeta, de v. 136 em diante. O próprio caráter adversativo dos termos introdutórios, então, dar-nos-ia a ver, em tese, que nada se pode comparar com as inúmeras vantagens do próprio país dos latinos:
sed neque Medorum siluae, ditissima terra, nec pulcher Ganges atque auro turbidus Hermus laudibus Italiae certent, non Bactra neque Indi totaque turiferis Panchaia pinguis harenis.
“Mas nem as matas dos medos, terra riquíssima,
nem o belo Ganges e o Hermo turvo d’ouro
disputariam co’a Itália, nem Báctria nem os hindus
e toda a Pancaia, rica em areias que dão incenso”.7
Como se nota pelos dizeres transcritos, sequer a riqueza das selvas dos medos (v. 136), a beleza do Ganges indiano (v. 137), a corrente aurífera do rio Hermo (v. 137), a Bactriana (v. 138), os hindus (v. 138) e Pancaia abundante em areias produtoras de incenso (v. 139) seriam páreo para as muitas “vantagens” itálicas apresentadas em seguida. A essas, correspondem dons comparativamente prosaicos como as colheitas (v. 143), o humor mássico de Baco (v. 143), as oliveiras (v. 144), os belos rebanhos (v. 144), o cavalo belicoso (v. 145), o touro, compreendido como a maior vítima sacrificial (v. 146), a primavera “eterna” (v. 149), muitas e ricas cidades (v. 155), os mares Superior e Inferior (v. 158) e muitos lagos (v. 159); ainda, porém, “rios de prata” (v. 165), o fluir abundante do ouro (v. 166) e amplo rol de povos e homens peninsulares guerreiros (os marsos, os sabélicos, os volscos, os lígures, os Mários, os Décios, César... – v. 167-170), que justamente se contrapõem ao hindu “imbele” (v. 172).
Os últimos dons elencados para a Itália, note-se, afastam-nos inegavelmente da imagem de pacata “normalidade” que se viera traçando até então: “rios” de metais precisos, além de remeterem de imediato à ideia de uma extraordinária fartura, apontam para reminiscências míticas da primeira Idade do mundo. Na Geórgica inicial (I 131-132), assim, Virgílio recordara que Júpiter, depois do reinado de Saturno,
mellaque decussit foliis ignemque remouit                          131
et passim riuis currentia uina repressit.
“Derrubou o mel das folhas, tomou o fogo
e, aos poucos, reprimiu os rios de vinho”.8
Disso resultou, em princípio, a generalizada diminuição da riqueza natural para que os agricolae dos tempos seguintes e, sobretudo, os valorosos camponeses itálicos da era presente, dessem sadias mostras de sua diligência e engenhosidade, como se disse. Devemo-nos, no entanto, perguntar se tal cumprimento dos desígnios divinos seria possível numa terra em que, apesar do aparente “equilíbrio” quando comparada com as desmesuras do Oriente, “duas vezes” (bis – v. 150) parem os rebanhos e dão frutos as árvores, bem como, segundo se viu há pouco, “manam” os metais raros. Não nos encontramos, aqui, confrontados com uma Itália por vezes tão similar às terras de que se diferenciara “vantajosamente”, diante de algo favorecedor do relativo esmorecimento das energias de seus habitantes? A propósito, era proverbial em latim a “afeminação” dos homens do levante, terra rica em preciosidades: a um povo como os árabes, aliás citados por Virgílio numa passagem já transcrita, cabiam no ideário romano restrições morais por sua luxuria, compreendida como o gosto demasiado por todos os prazeres dos sentidos em detrimento dos esforços (CATULO, 1996, p. 76 – poema 11, v. 5). Que diríamos, então, da vida dos itálicos numa península, por “acreditarmos” nas palavras do poeta, tão pródiga em tudo, mesmo na “superfluidade” do ouro e da prata? Seria, de fato, crível que em nada os afetasse um meio tão rico, como nos revela Virgílio em v. 173, a ponto de se lhe poder atribuir o epíteto mítico de Saturnia Tellus?
Sob o ponto de vista analítico de um Ross, por sua vez, reiteradamente aferrado em denunciar as “mentiras” de Virgílio como frágil pátina sobre uma realidade muito menos risonha, também encontramos agora as chances de reverter em detração alguns aspectos desse suposto encômio da Itália (ROSS, 1987, p. 118):
“Prata, bronze e ouro manam em correntes (165-166): não havia significativa extração de metais preciosos na Itália, como Virgílio sabia perfeitamente”;
Há que se notar, a partir das leituras de Ross, que o fato de Virgílio “mentir” por diversas ocasiões a respeito da prodigalidade de sua terra nos franqueia compreendermo-lo até com intentos de ironia. Na verdade, correspondendo à definição retórica da ironia o dizer uma coisa tendo outra em mente (TRINGALI, 1988, p. 138), é óbvio que de alguma maneira o poeta assim procedera ao enaltecer uma fartura reconhecidamente inviável para sua própria consciência. Contudo, para o pleno endossamento dessa proposição, seria necessário optar em definitivo pela estratégia virgiliana de, em mão-única, no fundo destituir-se de quaisquer propósitos valorizadores do que descreve em termos hiperbólicos: como sabemos, embora tanto o sincero elogio quanto a ironia possam servir-se de certa sobre-dose no “louvor” de pessoas ou objetos, o critério distintivo de uma ou outra maneira de posicionar-se dar-se-ia apenas pela precisa determinação de um aspecto tão impalpável quanto a “intencionalidade” do poeta...
Por outro lado, no quesito dos “filhos” da Itália, isto é, dos povos e homens enraizados em suas muitas paragens, vemos algo não de todo harmonizado com tons descritivos tão “risonhos”, mas, decerto, igualmente produtor de sentidos. Basta lembrarmo-nos de que a humanidade dos tempos anteriores à Idade férrea e, sobretudo, da Idade áurea, fora concebida, desde a clássica formulação de Hesíodo, como mais pacífica e dotada de bons atributos morais (HESÍODO, 2006, p. 29 – v. 111-119)... Desse modo, os dizeres de Virgílio no sentido da superioridade guerreira de povos tão dispersos por todo o território peninsular e de seus “heróis” inserem-se justamente na contramão argumentativa de considerar-se o ser pacífico, à maneira dos ancestrais humanos da Era dourada, um inegável bem. Curiosamente, em versos anteriores ao efetivo elogio das Laudes Italiae neste segundo livro da obra de nosso interesse (v. 140-142), o poeta mencionara a belicosidade dos orientais mesmos (o que, em seguida, é “desmentido”) numa imagem tão singular quanto esta:
haec loca non tauri spirantis naribus ignem                          140
inuertere satis immanis dentibus hydri,
nec galeis densisque uirum seges horruit hastis;
“Esses lugares, não os reviraram touros a exalar
fogo das narinas, semeados dos dentes da hidra enorme,
nem eriçaram um campo os elmos e tantas lanças humanas”;9
Novamente, o que parece estar em jogo nos três versos acima é o suposto contraste entre a paz e a normalidade da Itália e a violência e excessiva (inaceitável, até!) exuberância da vida no Oriente: lá, se as árvores exsudam por si ricas resinas odoríferas (v. 118), também se encontram com menos vantagens feras como touros a soltarem fogo pelas narinas, prodígios do tipo de semeaduras feitas com dentes de dragões e searas eriçadas... dos elmos e lanças dos homens. Sem, necessariamente, precisarmos atribuir ao último traço do Oriente um sentido tão extraordinário quanto o de brotarem armas nos campos estrangeiros, seria possível, ao menos, entender que, por tanto se ter guerreado neles, ficaram de todo cobertos dos restos bélicos do passado.
Tendo-se, portanto, flagrantemente invertido a escala de valores no contexto deste suposto elogio da Saturnia Tellus, a belicosidade passa ainda a integrá-lo abundante, o que se nota não só pela menção ao tipo psíquico dos itálicos com também pelo detalhe, já assinalado por Ross, de as ricas cidades “muradas” de Virgílio (v. 157) apenas se justificarem com tal conformação pela necessidade de defesa contra inimigos violentos (ROSS, 1987, p. 124):
“Tome-se, por exemplo, um dos versos mais belos e tocantes de Virgílio, fluminaque antiquos subterlabentia muros (II 157); tocante por sua evocação da majestade triste dos eternamente velhos burgos e cidades da Itália, tantos, mesmo nos dias de Virgílio, como Árdea, et nunc magnum manet Ardea nomen,/ sed fortuna fuit (Aen. VII 412-413); beleza em alguma indescritível qualidade dessas meras palavras. Havia lágrimas para a história itálica, também. Ainda, ao mesmo tempo, esse verso se põe num contexto que estabelece para a Itália uma realidade totalmente em desacordo com o clichê filosófico imediato da Itália saturniana: ela é uma terra de muralhas-fortes e guerra, não uma terra de paz dourada ou primavera eterna, como o clichê, ou a mentira, tê-la-ia”.
Como retomada da operação de “desmascaramento” da Itália a que nos votamos na segunda parte das análises, poder-se-ia, pois, dizer em primeiro lugar que essa terra, apesar de apresentada como “contrastivamente” distinta de todas as outras a leste, revela-se muito similar a elas: segundo exemplificado pela passagem supracitada da enxertia, técnica a produzir o monstrum de uma árvore enorme que não reconhece os seus “filhos”, se o país não dispunha de tais “maravilhas” (como as havia por si nos bosques etíopes produtores de “lã”!), a industriosidade do homem acabou por criá-las num tamanho desmesurado, como o das copas nas matas hindus, que seta alguma poderia vencer; se não contava com a “superfluidade” de uma terra voluptuosa a produzir incenso e perfumes que chegavam a destilar sozinhos de troncos odoríferos, nem com a rica corrente aurífera do rio Hermo, disporia, em contrapartida, de veios d’ouro e prata (para não mencionar o bronze, mais precioso que o ferro, mas, ainda assim, inferior aos dois tipos metálicos citados) a correr sobre o chão; se estava isenta de campos “semeados” dos elmos e lanças dos guerreiros, nem por isso deixara de “criar”, em todo seu território, tantos povos ferozes nas armas, bem como heróis do valor de César, paradoxal “campeão” sobre hindus tratados como imbelles (v. 172), apesar das setas que pressupúnhamos bem lançadas (v. 123-124); se não fora semeada também com dentes de um dragão, nem por isso deixava a Itália de mostrar-se fantasticamente constituída: que outra ideia fazer de um país onde a primavera nos foi dita “eterna”, mas havia, não se sabe como, “verões” nos “meses alheios”?
Por outro lado, como havíamos exposto o possível caráter “monstruoso” da planta de enxertia dos agricolae itálicos, fazemos mais uma vez notar que a agressividade, traço das feras ou seres humanos “decaídos” da Idade áurea (como, enfim, podem-na apresentar os filhos de um país chamado Saturnia Tellus pelo próprio poeta?), também fora partilhada por tantos monstra da mitologia antiga... ou do quotidiano dos camponeses da Itália. E, em seu catálogo de prodígios, Júlio Obsequente não deixara de incluir o fluxo de estranhas substâncias (como o sangue ou, mais positivamente, o próprio leite – JULIUS OBSEQUENS, 1864, p. 836) a manar sobrenaturalmente em muitas cidades peninsulares. Esse último dado, aproximável da imagem dos “rios” de ouro e prata mencionados nas Laudes por Virgílio, permite-nos inclusive supor que não só à industriosidade excessiva, talvez, de seus habitantes a Itália devia uma paisagem passível de espantar, mas, mesmo, às disposições naturais da própria terra.
Trabalhada com afinco ou em demasia, farta ou tão favorecedora de um luxo e de uma indolência condenáveis quanto o Oriente preterido, pródiga em maravilhas ou inquietantemente acolhedora de prodígios, mãe de industriosos agricultores ou de soldados violentos, importa-nos aqui, mais do que buscar o inequívoco fechamento interpretativo das passagens discutidas e das Geórgicas inteiras, sobretudo enfatizar a necessidade de uma leitura “inquieta” desta obra. Afinal, confrontados, nos termos de Gale, com uma indelével “polifonia” (GALE, 2000, p. 72) a difundir-se em suas páginas, só nos resta abandonar a perplexidade e fruí-la cientes da indelével fluidez do texto.
Nesse movimento, nem mesmo a solução interpretativa de Ross, que entende como eufemísticas “mentiras” virgilianas todo o catálogo de “maravilhas” das Laudes, por exemplo (ROSS, 1987, p. 109-128), poderia fazer calar a multiplicidade de “vozes” do poema. Como se quiser, para “mentir”, “negar” ou “ironizar”, não continua sempre preciso trazer, quase à flor das palavras, a posição alheia?

Referências

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WILKINSON, Lancelot Patrick. The "Georgics" of Virgil. A critical survey. Norman: University of Oklahoma Press, 1997.


1 Mestre e doutor em Linguística (Letras Clássicas) pelo IEL-UNICAMP; professor adjunto de latim da FALE-UFMG.
2 Minha tradução.
3 Minha tradução.
4 Tradução brasileira de Manuel Odorico Mendes.
5 Minha tradução.
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8 Minha tradução.
9 Minha tradução.
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