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Literatura e Autoritarismo

Literatura: Compreensão Crítica

Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 14 

TOTALITARISMO

Elcio Cornelsen1
Resumo: Nossa contribuição reflete sobre a história do conceito de totalitarismo, passando por duas obras fundamentais para um estudo dessa natureza: Totalitarian Dictatorship and Autocracy, de Carl Joachim Friedrich e Zbigniew Brzezinski; The Origins of Totalitarianism, de Hannah Arendt. Para isso, partimos do fato de que, nas últimas décadas, o conceito de totalitarismo voltou a ocupar lugar de destaque em estudos que procuram reavaliá-lo após o fim da chamada Guerra Fria.
Palavras-chave: Totalitarismo, Autoritarismo, Hannah Arendt, Carl Joachim Friedrich, Zbigniew Brzezinski..
Abstract: This contribution reflects on the history of the concept of Totalitarianism and selects two fundamental works for a study so as this: Totalitarian Dictatorship and Autocracy, by Carl Joachim Friedrich and Zbigniew Brzezinski; The Origins of Totalitarianism, by Hannah Arendt. In the last decades, the concept of Totalitarianism has occupied a main position on studies that attempt to revaluate it after the so-called Cold War.
Keywords: Totalitarianism, Authoritarianism, Hannah Arendt, Carl Joachim Friedrich, Zbigniew Brzezinski.

Os debates atuais sobre totalitarismo
Nas últimas décadas, o conceito de totalitarismo voltou a ocupar lugar de destaque em estudos que procuram reavaliá-lo após o fim da chamada Guerra Fria. Para o cientista político alemão Eckhard Jesse, a derrocada do comunismo na Europa oriental marcou “uma cisão decisiva” (eine entscheidende Zäsur) nos estudos sobre o conceito de totalitarismo, pois gerou, a partir de então, debates acirrados sobre a possibilidade ou não de se constatar aspectos totalitários na conformação de sistemas de governo regidos sob a base do comunismo (Jesse, 1996, p. 9), reavivando, assim, controvérsias sobre totalitarismos de direita e totalitarismos de esquerda. Seguindo um outro rumo no debate, o historiador italiano Enzo Traverso rejeita o conceito de totalitarismo (Totalitarisme; 2001) por considerá-lo impróprio em sua reivindicação de totalidade, uma vez que “o totalitarismo é um conceito abstrato, a realidade histórica uma totalidade concreta, movente e plural” (2001, p. 10). Entre os teóricos envolvidos no debate na Alemanha, figuram nomes como Karl Dietrich Bracher, Manfred Funke, Ian Kershaw, Herbert Jäger, Hans Mommsen, entre outros. Basicamente, tais debates estabelecem relações entre os totalitarismos a partir de duas atitudes distintas: “comparar” (vergleichen) e “equiparar” (gleichsetzen) (Jesse, 1996, p. 10). Como superação de tal controvérsia tem-se buscado um “consenso anti-totalitário” (antitotalitärer Konsens) (Jesse, 1996, p. 11) que suspenda a dicotomia “anti-fascismo”, de um lado, e “anticomunismo”, de outro.

A história do conceito de totalitarismo e suas transformações
Para falarmos do conceito de totalitarismo, necessitamos situá-lo historicamente. Eckhard Jesse, professor de Ciências Políticas na Universidade Técnica de Chemnitz-Zwickau, denomina o século XX como “a era do totalitarismo” (das Zeitalter des Totalitarismus), de modo semelhante ao historiador Eric Hobsbaum ao falar de “era dos extremos” e “era dos cataclismos”, ou de Márcio Seligmann-Silva ao falar da “era das catástrofes”. Porém, Jesse considera o século XX também a “era de sua superação” (das Zeitalter seiner Überwindung), pelo menos na Europa (1996, p. 9).
No início dos anos 20, o conceito de “totalitário”, em sua forma adjetiva, foi empregado pela primeira vez na Itália por Giovanni Amendola (1882-1926), jornalista e político liberal, no intuito de denunciar o fascismo italiano enquanto movimento político antidemocrático (Jesse, 1996, p. 12). No sentido original, “totalitários” seriam aqueles sistemas de governo que tentariam conformar os cidadãos dentro de uma ideologia, para isso fazendo uso de mecanismos de controle e coação, e, ao mesmo tempo, buscariam mobilizá-los (Jesse, 1996, p. 12). Todavia, em 12 de maio de 1923, Benito Mussolini utilizou pela primeira vez a expressão “sistema totalitário” aplicado ao Estado fascista, usurpando o conceito e tornando-o de pejorativo, no sentido empregado por Amendola, em positivo (Jesse, 1996, p. 28). Cabe lembrar que foi justamente na Itália, durante os anos 20, que se iniciou o debate em torno do conceito de totalitarismo.

O totalitarismo nos anos 30 e durante os anos de guerra
O primeiro simpósio sobre o tema foi realizado em 1939 nos Estados Unidos, quando já era corrente se aplicar o conceito de totalitarismo para se definir os regimes nazista e stalinista (Jesse, 1996, p. 13). Naquela oportunidade, o cientista social norte-americano Carlton Hayes (1882-1964), que se tornaria embaixador dos Estados Unidos na Espanha de 1942 a 1944, definiu o totalitarismo a partir dos seguintes traços característicos:
[O totalitarismo] monopoliza todo o poder, se sustenta nas massas, lança mão de novos meios de propaganda, exerce uma grande força de fascinação através de sua fé missionária, tem desenvolvido um sistema moderno de métodos e técnicas, utiliza o poder não apenas como meio para se alcançar os fins, e representa uma revolta contra a cultura histórica do Ocidente.2 (apud Jesse, 1996, p. 13)
Todavia, com a deflagração da guerra em 1º de setembro de 1939 com a invasão da Polônia e o ataque da Alemanha nazista à União Soviética em 22 de junho de 1941, os estudos sobre o totalitarismo se concentraram no nazismo, tendência alterada apenas com o fim da guerra e a escalada da Guerra Fria, que colocou a União Soviética sob o poder de Stalin novamente no âmbito de interesse de estudos dessa natureza.

O totalitarismo no pós-guerra
Os grandes representantes dos estudos sobre totalitarismo após 1945 são, sem dúvida, Hannah Arendt,3 de um lado, e Carl Joachim Friedrich4 e Zbigniew Brzezinski,5 de outro. Focada numa orientação centrada no conceito de ideologia, Hannah Arendt aponta para o fato de que o terror é “a própria essência do domínio totalitário” (apud Jesse, 1996, p. 15) (das eigentliche Wesen der totalitären Herrschaft), não é um meio para se atingir os fins, mas o próprio fim em si. No prefácio à 1ª edição da obra The Origins of Totalitarianism (1951), Hannah Arendt propõe a seguinte reflexão nesse sentido: “E, se é verdade que, nos estágios finais do totalitarismo, surge um mal absoluto (absoluto, porque já não pode ser atribuído a motivos humanamente compreensíveis), também é verdade que, sem ele, poderíamos nunca ter conhecido a natureza realmente radical do Mal” (2000, p. 13). Esse é um aspecto explorado mais tarde, por exemplo, por João de Scantimburgo na obra O mal na História: os totalitarismos do século XX (1999). Entretanto, como aponta Eckhard Jesse, o papel da violência e do terror não deve, por si só, ser decisivo na avaliação de um dado regime como “totalitário”: “Não apenas mãos e pés são aprisionados, mas também o ato de planejar e de pensar” (1996, p. 12).6 Para o teórico, estados totalitários não se baseiam apenas em repressão, violência e terror, mas também em persuasão, mobilização e integração dos cidadãos. Por isso, Jesse chama a atenção para o fato de que as pesquisas em torno do conceito de totalitarismo não deveriam se ocupar apenas do aspecto repressivo de regimes tidos como totalitários, mas também dos elementos que exerciam força de atração para as massas (1996, p. 25). Além disso, o teórico chama a atenção ainda para um traço característico essencial de movimentos totalitários, ou seja, o fato de possuir semelhanças com movimentos religiosos, e tal dimensão religiosa, muitas vezes, era empregada no sentido de justificar os excessos de violência (1996, p. 29).
Ao lado do estudo abrangente e detalhado empreendido por Hannah Arendt, o sistema classificatório composto de seis pontos, proposto pelo teórico alemão Carl Joachim Friedrich (1901-1984), professor da Harvard University desde 1936, e pelo cientista político e geo-estrategista polonês Zbigniew Brzezinski (1928), na obra Totalitarian Dictatorship and Autocracy (1956) tornou-se dominante no pós-guerra: (1) uma ideologia direcionada para se atingir um estado final futuro, (2) um único partido de massa, (3) um sistema de terror baseado no controle da polícia secreta, (4) um monopólio dos meios de comunicação de massa, (5) um monopólio de armas, e (6) uma economia dirigida de modo centralizado (Jesse, 1996, p. 14 e p. 30).

O totalitarismo e o fim da era stalinista
Todavia, por longas décadas, o conceito pareceu ter se tornado ultrapassado, sobretudo, com o fim da era stalinista, momento em que, segundo Hanna Arendt, ocorre um processo de “destotalitarização” (Enttotalisierung) da União Soviética (2000, p. 348), e certas alterações nos sistemas de governo socialista no Leste europeu, de modo que se tornou praticamente tabu, pelo menos na Alemanha, “comparar” ou mesmo “equiparar” o nazismo a tais regimes. Nessa fase, predominou o conceito de “ditadura” para classificação desses regimes do Leste europeu, enquanto o conceito de totalitarismo era atribuído exclusivamente ao regime nazista enquanto protótipo de um sistema de governo totalitário, pois nele identificamos de modo mais evidente os pressupostos característicos de todo e qualquer regime totalitário. Como apontamos anteriormente, tal quadro se alterou com a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, momento que marca a retomada dos estudos sobre o conceito de totalitarismo na Alemanha, principalmente nos estudos recentes sobre a antiga República Democrática Alemã.

Totalitarismo e Autoritarismo
Outro passo importante na delimitação do conceito de totalitarismo é a diferenciação entre sistema totalitário e sistema autoritário. Tomando por base algumas considerações propostas por Eckhard Jesse, podemos apontar os seguintes aspectos: (a) Um sistema totalitário se diferencia por uma centralização rígida de poder, enquanto um sistema autoritário ainda assegura certo pluralismo, mesmo que limitado; (b) um sistema totalitário tem por base uma ideologia exclusiva, enquanto um sistema autoritário se fundamenta numa postura tradicional não-conformada rigidamente; (c) enquanto um sistema totalitário força a mobilização das massas através de mecanismos de integração e de persuasão, um sistema autoritário renuncia a uma participação dirigida das massas, satisfazendo-se com a apatia política geral (cf. Jesse, 1996, p. 20). Poderíamos, nesse sentido, mencionar ainda o emprego do termo “semitotalitário” por Hannah Arendt (2000, p. 358) para indicar as ditaduras surgidas antes da Segunda Guerra Mundial em diversos países europeus, como na Romênia, na Polônia, na Hungria, em Portugal e na Espanha.

Características gerais do totalitarismo segundo Carl Joachim Friedrich e Zbigniew Brzezinski
Em seu estudo sobre o totalitarismo, publicado em 1956 com o título de Totalitarian Dictatorship and Autocracy, os cientistas políticos Carl Joachim Friedrich e Zbigniew Brzezinski ressaltam que regimes totalitários são autocracias, são regimes tirânicos, despóticos e absolutistas, adaptados à sociedade industrial no século XX (1996, p. 225). De acordo com Friedrich & Brzezinski, “[o] debate sobre as causas ou origens do totalitarismo apresenta uma escala geral que varia da teoria de um mal primitivo até o argumento da crise moral de nosso tempo” (1996, p. 227-228).7 Para os teóricos, “a ditadura totalitária é um fenômeno moderno e, até o momento [i. e., 1956], não houve nada totalmente semelhante” (1996, p. 228).8
Um primeiro aspecto a se destacar no estudo proposto por Friedrich & Brzezinski em torno do conceito de totalitarismo é o seu caráter organizacional. Segundo os teóricos, os estudos que buscam a essência do totalitarismo, sejam eles ideológicos ou antropológicos, fazem com que os critérios de organização e métodos assumam uma posição secundária (1996, p. 226). Todavia, a renúncia a esclarecimentos de ordem puramente ideológica abre novas possibilidades para se estudar as semelhanças e diferenças fundamentais entre regimes totalitários. Organização, procedimentos, estrutura, instituições e processos de governança assumem, então, um valor decisivo em estudos dessa natureza (1996, p. 228).
Em termos classificatórios, Friedrich & Brzezinski definem seis características fundamentais que regimes totalitários possuem:
1) uma ideologia elaborada, composta de uma doutrina oficial que abrange todos os aspectos vitais da existência humana, e diante da qual todos os que vivem nessa sociedade têm de, pelo menos, se manter passivos; tal ideologia é direcionada e projetada para um estado final ideal da Humanidade, exigência fundamentada na rejeição radical da sociedade vigente e na conquista do mundo para uma nova sociedade;
2) um único partido de massa, no caso típico, conduzido por um único ditador e formado por uma percentagem relativamente baixa da população total (até 10 %) de homens e mulheres, no qual uma base rígida está atrelada à ideologia apaixonadamente e sem restrição e preparada para incentivar, de todas as formas, a imposição de sua aceitação. Um partido dessa natureza é organizado hierárquica e oligarquicamente e, de modo característico, superposto à burocracia do Estado ou totalmente atrelado a ela;
3) um sistema de terror, sobre base física ou psíquica, posto em prática por meio de controle através do partido e da polícia secreta, mas que também vigia o partido e, de modo característico, não está direcionada exclusivamente contra “inimigos” declarados do regime, mas também contra segmentos da população mais ou menos escolhidos arbitrariamente. O terror, seja ele emanado da polícia secreta ou da pressão exercida pelo partido sobre a sociedade, faz uso sistemático da ciência moderna, sobretudo da psicologia científica;
4) um completo monopólio, condicionado tecnologicamente, do controle de todos os meios efetivos de comunicação de massa, como a imprensa, o rádio e o cinema, nas mãos do partido e do Estado;
5) um completo monopólio, condicionado tecnologicamente, do emprego efetivo de todos os armamentos pesados;
6) uma vigilância e condução central de toda a economia através da coordenação burocrática de corporações legais anteriormente independentes, de modo característico, sob influência de outras sociedades e empresas. (Friedrich & Brzezinski, 1996, p. 230-231)
Apesar de postularem esse grupo de características fundamentais de regimes totalitários, Friedrich & Brzezinski chamam a atenção para o fato de que elas podem variar de intensidade de regime para regime, ou dentro de um mesmo regime dependendo da fase histórica em que este se encontre (1996, p. 231). Além disso, os teóricos ressaltam que
[m]esmo que a intenção dos totalitaristas seja alcançar um controle total, tal intenção está condenada ao fracasso. Pois um controle total nunca se deixa alcançar na prática, nem mesmo nas fileiras de seus membros partidários ou quadros, sem falar na população como um todo.9 (1996, p. 226)

Características gerais do totalitarismo segundo Hannah Arendt
A obra The Origins of Totalitarianism, de Hannah Arendt, publicada pela primeira vez em 1951 e reeditada com acréscimos em 1958, sem dúvida, é a maior contribuição teórica para os estudos do totalitarismo e permanece, até hoje, leitura obrigatória para aqueles que se ocupam do tema. Nela, a autora se concentra, sobretudo, num estudo comparado – não equiparado! – entre nazismo e stalinismo, sem deixar de mencionar também o totalitarismo na China.
A obra de Hannah Arendt é um verdadeiro celeiro de reflexões sobre o conceito de totalitarismo. Em virtude disso, limitar-nos-emos a listar apenas aquelas considerações que, em nossa opinião, definem aspectos imprescindíveis para se entender o conceito e a comparação que a autora estabelece entre nazismo e stalinismo:
1) “os regimes totalitários, enquanto no poder, e os líderes totalitários, enquanto vivos, sempre ‘comandam e baseiam-se no apoio das massas’” (2000, p. 356);
2) “Os movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas – e não as classes” (2000, p. 358);
3) “Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política” (2000, p. 361);
4) “Os movimentos totalitários são organizações maciças de indivíduos atomizados e isolados” (2000, p. 373);
5) “Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo (o que só é feito nos estágios iniciais, quando ainda existe a oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias” (2000, p. 390);
6) “Por existirem num mundo que não é totalitário, os movimentos totalitários são forçados a recorrer ao que comumente chamamos de propaganda. Mas essa propaganda é sempre dirigida a um público de fora – sejam as camadas não-totalitárias da população do próprio país, sejam os países não totalitários do exterior” (2000, p. 391);
7) “A propaganda é, de fato, parte integrante da ‘guerra psicológica’; mas o terror o é mais. Mesmo depois de atingido o seu objetivo psicológico, o regime totalitário continua a empregar o terror; o verdadeiro drama é que ele é aplicado contra uma população já completamente subjugada” (2000, p. 393);
8) “o que caracteriza a propaganda totalitária melhor do que as ameaças diretas e os crimes contra indivíduos é o uso de insinuações indiretas, veladas e ameaçadoras contra todos os que não deram ouvidos aos seus ensinamentos, seguidas de assassinato em massa perpetrado igualmente contra ‘culpados’ e ‘inocentes’.” (2000, p. 394);
9) “A propaganda totalitária aperfeiçoou o cientificismo ideológico e a técnica de afirmações proféticas a um ponto antes ignorado de eficiência metódica e absurdo de conteúdo porque, do ponto de vista demagógico, a melhor maneira de evitar discussão é tornar o argumento independente de verificação no presente e afirmar que só o futuro lhe revelará os méritos” (2000, p. 395);
10) “Os movimentos totalitários empregam o socialismo e o racismo esvaziando-os do seu conteúdo utilitário, dos interesses de uma classe ou de uma nação. A forma de predição infalível sob a qual esses conceitos são apresentados é mais importante que o seu conteúdo” (2000, p. 397-398);
11) “O verdadeiro objetivo da propaganda totalitária não é a persuasão mas a organização – o ‘acúmulo da força sem a posse dos meios de violência’.” (2000, p. 411);
12) “As formas da organização totalitária, em contraposição com o seu conteúdo ideológico e os slogans de propaganda, são completamente novas” (2000, p. 413);
13) “O mais surpreendentemente novo expediente organizacional dos movimentos [totalitários] na fase que antecede a tomada do poder é a criação de organizações de vanguarda, ou seja, a definição da diferença entre os membros do partido e seus simpatizantes” (2000, p. 414);
14) “Além da importância das formações de elite para a estrutura organizacional dos movimentos, onde constituíam núcleos mutáveis da militância, o seu caráter paramilitar deve ser compreendido em conjunto com outras organizações partidárias profissionais, como a dos mestres, advogados, médicos, estudantes, professores universitários, técnicos e trabalhadores” (2000, p. 420);
15) “No centro do movimento [totalitário], como o motor que o aciona, senta-se o Líder” (2000, p. 423);
16) “Os movimentos totalitários têm sido chamados de ‘sociedades secretas montadas à luz do dia’. Realmente, embora pouco se saiba quanto à estrutura sociológica e à história mais recente das sociedades secretas, a estrutura dos movimentos, sem precedentes quando comparada com partidos e facções, lembra-nos em primeiro lugar certas características dessas sociedades” (2000, p. 425-426);
17) “Talvez a mais clara semelhança entre as sociedades secretas e os movimentos totalitários esteja na importância do ritual” (2000, p. 427);
18) “Os movimentos totalitários têm repetidamente demonstrado que podem inspirar a mesma lealdade total, na vida e na morte, que caracterizava as sociedades secretas conspiradoras” (2000, p. 431);
19) “O que mais chama a atenção de quem observa o Estado totalitário não é, por certo, a sua estrutura monolítica. Pelo contrário, todos os estudantes sérios do assunto concordam pelo menos quanto à coexistência (ou conflito) de uma dupla autoridade, o partido e o Estado” (2000, p. 446);
20) “A única regra segura num Estado totalitário é que, quanto mais visível é uma agência governamental, menos poder detém; e, quanto menos se sabe da existência de uma instituição, mais poderosa ela é” (2000, p. 453);
21) “Se considerarmos o Estado totalitário unicamente como instrumento de poder, e deixarmos de lado as questões de eficiência administrativa, capacidade industrial e produtividade econômica, então o seu ‘amorfismo’ passa a ser instrumento ideal para a realização do chamado princípio de liderança” (2000, p. 454);
22) “Uma vez que o totalitarismo no poder permanece fiel aos dogmas originais do movimento, as notáveis semelhanças entre os expedientes organizacionais do movimento e o chamado Estado totalitário não devem causar surpresa” (2000, p. 462);
23) “Uma das importantes diferenças entre movimento e Estado totalitários é que o ditador totalitário pode e necessita praticar a arte totalitária de mentir com maior consistência e em maior escala que o líder do movimento” (2000, p. 463);
24) “Como um conquistador estrangeiro, o ditador totalitário vê as riquezas naturais e industriais de cada país, inclusive o seu, como fonte de pilhagem e como meio de preparar o próximo passo da expansão” (2000, p. 467);
25) “O totalitarismo no poder usa o Estado como fachada externa para representar o país perante o mundo não-totalitário. Como tal, o Estado totalitário é o herdeiro lógico do movimento totalitário, do qual deriva a sua estrutura organizacional” (2000, p. 470);
26) “O dever da polícia totalitária não é descobrir crimes, mas estar disponível quando o governo decide aprisionar ou liquidar certa categoria da população. Sua principal distinção política é que somente ela confidencia com a mais alta autoridade e sabe que linha política será adotada” (2000, p. 476);
27) “A mudança do conceito de crime e de criminosos determina os métodos da polícia secreta totalitária” (2000, p. 483);
28) “Nos países totalitários, todos os locais de detenção administrados pela polícia constituem verdadeiros poços de esquecimento onde as pessoas caem por acidente, sem deixar atrás de si os vestígios tão naturais de uma existência anterior como um cadáver ou uma sepultura” (2000, p. 485);
29) “Os movimentos totalitários, que, durante a subida ao poder, imitam certas características organizacionais das sociedades secretas e, no entanto, se instalam à luz do dia, criam uma verdadeira sociedade secreta somente depois de chegarem ao governo. A sociedade secreta dos regimes totalitários é a polícia secreta” (2000, p. 485);
30) “É da própria natureza dos regimes totalitários exigir o poder ilimitado. Esse poder só é conseguido se literalmente todos os homens, sem exceção, forem totalmente dominados em todos os aspectos da vida” (2000, p. 507);
31) “O que as ideologias totalitárias visam, portanto, não é a transformação do mundo exterior ou a transformação revolucionária da sociedade, mas a transformação da própria natureza humana” (2000, p. 510);
32) “O terror total, a essência do regime totalitário, não existe a favor nem contra os homens. Sua suposta função é proporcionar às forças da natureza ou da história um meio de acelerar o seu movimento” (2000, p. 518).
Portanto, sem a pretensão de reduzir o totalitarismo a traços característicos fundamentais, como o fazem Friedrich & Brzezinski, Hannah Arendt se orienta por diversos aspectos para estabelecer, em cada um deles, uma relação de comparação entre nazismo e stalinismo. A partir desses pontos citados, podemos identificar sete eixos temáticos principais associados ao conceito de totalitarismo: o movimento de massa (1-4); o uso da propaganda (5-12); o caráter organizacional (13-15); o caráter secreto (16-18); o Estado (19-25); a polícia secreta (26-29); a ideologia (30-32).
Além disso, podemos destacar também no estudo de Hannah Arendt aspectos que, normalmente, são negligenciados em estudos sobre o totalitarismo, como, por exemplo, a diferenciação entre “movimento” e “Estado totalitário” a partir de especificidades ideológicas e organizacionais, ou ainda preocupações com questões de ordem psicológica ou comportamental, como é o caso da discussão sobre “isolamento” e “impotência” (2000, p. 526-527), bem como o sentimento de “solidão” dos indivíduos enquanto “fundamento para o terror, a essência do governo totalitário” (2000, p. 528).

Considerações Finais
Procuramos apresentar, de modo sucinto, um quadro do desenvolvimento do conceito de totalitarismo e destacar pontos que consideramos fundamentais nos estudos de Hannah Arendt e de Carl Joachim Friedrich e Zbigniev Brzezinski. Em nossas considerações finais, ao invés de propormos algum resultado conclusivo de nossas reflexões, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que, basicamente, podemos lidar com o conceito de quatro maneiras distintas em nossas pesquisas: (1) com enfoque iminentemente teórico no sentido de discutir o próprio conceito; (2) como aporte teórico para discutir questões de ordem organizacional em estudos interdisciplinares; (3) como aporte teórico para discutir questões específicas de ordem ideológica, social, psicológica ou comportamental em determinado regime totalitário; (4) como aporte teórico que abranja tanto questões organizacionais quanto ideológicas, sociais, psicológicas o comportamentais em estudos interdisciplinares. É justamente neste quarto e último ponto que os estudos de Hannah Arendt, Carl Joachim Friedrich e Zbigniev Brzezinski parecem oferecer uma contribuição conjunta e efetiva para se discutir questões em torno do conceito de totalitarismo.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo, 4ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
FRIEDRICH, Carl Joachim/BRZEZINSKI, Zbigniew. Die allgemeinen Merkmale der totalitären Diktatur. In: JESSE, Eckhard (Org.). Totalitarismus im 20. Jahrhundert. Eine Bilanz der internationalen Forschung. Bonn: Bundeszentrale für politische Bildung, 1996, p. 225-236.
JESSE, Eckhard. Die Totalitarismusforschung im Streit der Meinungen. In: JESSE, Eckhard (Org.). Totalitarismus im 20. Jahrhundert. Eine Bilanz der internationalen Forschung. Bonn: Bundeszentrale für politische Bildung, 1996, p. 9-39.
SCANTIMBURGO, João de. O mal na História: os totalitarismos do século XX. São Paulo: LTr, 1999.
TRAVERSO, Enzo. Le Totalitarisme. Le XX ème siècle em debát. Paris: Seuil, 2001.


1 Professor de Língua e Literatura Alemã (graduação) e de Teoria da Literatura e Literatura Comparada (pós-graduação) na Faculdade de Letras da UFMG; membro do Grupo Integrado de Pesquisa “Literatura e Autoritarismo” desde 2000; e-mail: cornelsen@letras.ufmg.br
2 Er monopolisiere alle Gewalt, stütze sich auf die Massen, bediene sich neuer Mittel der Propaganda, übe eine große Faszinationskraft durch seinen Missionsglauben aus, ferner habe er ein neuartiges System von Methoden und Techniken entwickelt, benutze Macht nicht nur als Mittel zum Zweck und stelle eine Revolte gegen die historische Kultur des Westens dar. Todas as citações traduzidas do alemão para o Português ao longo do texto são de nossa autoria.
3 Hannah Arendt (Linden, 1906 – New York, 1975) teórica política alemã, muitas vezes descrita como filósofa, apesar de ter recusado essa designação. Emigrou para os Estados Unidos durante a ascensão do nazismo na Alemanha e tem como sua magnum opus o livro Origens do Totalitarismo (1951; 1958). Demais obras: A condição humana (1958); Sobre a revolução (1963); Eichmann em Jerusalém (1963).
4 Carl Joachim Friedrich (1901-1984), professor de Ciências Políticas na Harvard University a partir de 1936; original de Leipzig e filho de um médico alemão que emigrou para os Estados Unidos. Dentre suas obras, destacam-se: Der Verfassungsstaat der Neuzeit (The Modern Constitutional State). (Berlin, 1953); com Zbigniew Brzezinski: Totalitarian Dictatorship and Autocracy, (Cambridge: Harvard University Press, 1956); Totalitäre Diktatur/ (The Totalitarian Dictatorship). (Stuttgart, 1957).
5 Zbigniew Kazimierz Brzezinski (1928), cientista político e geo-estrategista nascido em Varsóvia, na Polônia; exerceu a função de Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente norte-americano Jimmy Carter de 1977 e 1981. Nos anos 50, quando esteve em Harvard, colaborou com Carl Joachim Friedrich em estudos sobre o totalitarismo.
6 Nicht nur Hände und Füße werden gefangengenommen, sondern auch das Planen und Denken.
7 Die Debatte über die Ursachen oder Ursprünge des Totalitarismus hat die gesamte Skala von einer primitiven Bösewicht-Theorie, bis zum Argument “moralische Krisen unserer Zeit“ durchlaufen.
8 die totalitäre Diktatur ist ein neuartiges Phänomen; es hat bislang nichts völlig Gleichartiges gegeben.
9 Es mag zwar die Absicht der Totalitaristen sein, eine totale Kontrolle zu erreichen; sie ist aber dazu verurteilt, enttäuscht zu werden; eine solche Kontrolle läßt sich niemals erreichen, nicht einmal innerhalb der Reihen ihrer Parteimitglieder oder Kader, geschweige denn über die Bevölkerung insgesamt.
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