UM NÚMERO DEDICADO À CULTURA BRASILEIRA

Este número da revista Literatura e Autoritarismo foi desenvolvido tendo como principal motivação uma experiência de ensino de Cultura Brasileira na University of Minnesota. Com o apoio e financiamento da Fulbright Foundation e da CAPES, pude realizar um trabalho como Visiting Scholar no período de Março a Maio de 2009. Ministrei uma disciplina chamada “Cultura Brasileira Moderna e Contemporânea”. O grupo heterogêneo de estudantes incluía estudantes de doutorado em Espanhol, e também interessados em Ciência Política, brasilianistas, comparatistas, ouvintes.

As primeiras semanas foram marcadas por um ambiente cercado por neve, 20 graus negativos. Discutir assuntos brasileiros foi um desafio exigente. Entre os estudantes encontrei posições interrogativas, atitudes perplexas. O autoritarismo, que define um eixo desta Revista, esteve constantemente presente nos debates do curso. Em parte, a partir da leitura do ensaio Autoritarismo e transição de Paulo Sergio Pinheiro, que colocava a difícil questão da atualidade de ideias autoritárias entre nós.

Conversei com a colega Rosani Umbach e achei que, por muitas razões caberia fazer um volume da revista com trabalhos escritos em Minneapolis, em torno desses debates, dessas aulas. O resultado é instigante. Os ensaios aqui reunidos permitem observar a seriedade dos autores, diante de problemas culturais brasileiros. Entre questões referentes a direitos humanos, repressão, violência e desigualdade, os autores vão mapeando contradições sociais brasileiras. Gostaria de agradecer aos docentes do Department of Spanish and Portuguese Studies, sem os quais essa experiência teria sido impossível – Fernando Arenas, Ana Paula Ferreira e Louis Mendoza.

No período de trabalho em Minneapolis, conheci os professores Leila Lehnen e Jemery Lehnen, pesquisadores de excelência dedicados a estudos brasileiros. Eles cederam gentilmente trabalhos recentes para inclusão neste volume, dando mostra do alcance de sua capacidade analítica. Completa o volume uma surpreendente entrevista com o escritor Renato Tapajós, realizada por Carlos Augusto Costa, mestrando em Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo. Trata-se de contribuição inédita fundamental para a compreensão de um escritor decisivo de nossa historia, e ainda pouco compreendido pela historiografia literária. Tapajós se integra a um espaço que abriga Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Torquato Neto, Caio Fernando Abreu, Camilo Jose Cela, e diversos filmes (cinema estudado numa revista de literatura, por que não?).

Se for necessário estabelecer uma generalização, para dar unidade ao volume, justificando pelo seu conteúdo sua integridade interna, poderia defender que em todos os trabalhos, de diferentes modos, atua uma atenção à negatividade, uma percepção que renuncia a ideais de totalidade e harmonia em favor de um senso de inconclusão e indeterminação. E isso não estaria errado. Acredito que todos os autores partilham – sem que eles se conheçam ou tenham combinado isso – essa atitude perceptiva perante seus objetos. Mas não foi esse o critério principal de seleção. Foi algo mais simples, o senso de que esses textos merecem ser conhecidos por colocarem questões relevantes para o presente. E isso não é pouco.