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Literatura e Autoritarismo
Dossiê Literatura de Minorias e Margens da História
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Dossiê nº 4 

LITERATURA E AUTORITARISMO: LITERATURA DE MINORIAS E MARGENS DA HISTÓRIA
Apresentação

A Revista Literatura e Autoritarismo lança o seu quarto dossiê com artigos consagrados ao estudo da literatura de minorias e das margens da história, particularmente a partir dos conceitos de trauma, memória, violência, história e tes-temunho. A intenção dos organizadores da presente edição foi evidenciar os diver-sos fenômenos de opressão e violência infligidos às minorias, excluídos e mar-ginais da narrativa da história coletiva, com várias e importantes contribuições no sentido de aumentar a compreensão sobre o tema em questão.
Assim, abre essa publicação o artigo A violência como fonte do po-der totalitário: Walter Benjamin e Friedrich Nietzsche, de Ricardo André Fer-reira Martins. A proposta do ensaísta é realizar uma análise comparativa entre o tex-to “Crítica da violência” ou “Crítica do poder” (Zur Kritik der Gewalt), de Walter Ben-jamin, e o “Segundo tratado” de A genealogia da moral, de Friedrich Nietzsche. O objetivo, aqui, é demonstrar a estreita relação entre violência, Estado, totalitarismo e cultura, sublinhando a reflexão de Benjamin a partir do direito natural e do direito positivo, até alcançar a tese nietzscheana sobre a origem do direito das obrigações e das dívidas, bem como sobre as diversas formas de abrandamento da violência e da barbárie que permitiram as muitas culturas realizarem a passagem do estado de brutalidade primitiva para o de civilidade avançada. Com isso, Ricardo aponta a necessidade de reflexão e análise sobre a história da violência em muitas das suas formas de expressão, a fim de que fenômenos como o terrorismo e o totalitarismo sejam compreendidos em nível genealógico.
O artigo seguinte, O trabalho da memória: entre a história e o tes-temunho, de Débora Racy Soares, tem como objetivo partir dos estudos acerca dos aspectos fisiológicos da memória, a fim de aceder à literatura. Neste sentido, a articulista propõe a fisiologia como uma auxiliar investigativa que permite a compre-ensão sobre o funcionamento da memória e sua capacidade de estocar lembranças e informações. Para alcançar este propósito, a autora indica a necessidade de se começar com a reflexão greco-romana a respeito da memória e, igualmente, a con-cepção de Walter Benjamin de história aberta, para, por fim, analisar as fronteiras de gênero textual entre história e ficção, problematizadas com a literatura de teor testemunhal.
O terceiro artigo, As estratégias de memória perante o trauma, de Ana Maria Baía Rodrigues e Augusto Sarmento-Pantoja, tem como finalidade realizar um cotejo investigativo sobre a memória e o trauma, relacionando-as, a fim de explicitar as estratégias da primeira sobre a segunda. Os autores dividem a sua análise considerando os aspectos coletivos e individuais do trauma para pontuar as convergências e discrepâncias entre a memória individual e a memória coletiva.
O quarto texto, Nó-vivo – Lévinas entre O capote e Totalidade e infinito: os vestígios filosóficos das lágrimas secretas de Akakiévitch, de Cristiano Cerezer, traz uma reflexão sobre a função da narrativa autobiográfica no pensamento do filósofo Emmanuel Lévinas. Para o ensaísta, a filosofia de Lévinas consiste, ao lado de sua autobiografia, em uma crítica da violência contra o outro e um esforço sistemático de resgate do sentido esvaziado das relações interpessoais, através de uma sensibilidade ética despertada mediante a constatação da alteridade. Deste modo, o articulista propõe demonstrar como o esquecimento do outro e o sentimento de responsabilidade pelo semelhante estão presentes na literatura, em particular a russa, além de terem sido objetos de denúncia através da cultura hebraica. Através deste passeio pela ficção literária, Lévinas proporia um roteiro filosófico, no qual literatura e filosofia andariam de mãos dadas e nutrindo a reflexão do pen-sador.
Na sequência, temos o trabalho de Anderson Amaral de Oliveira, Alegoria e ideologia: O rey de Havana e Ilha das flores, que tem como proposta o estabelecimento de relações entre a obra O rey de Hava-va, de Pedro Juan Gutierrez, e o documentário Ilha das flores, de Jorge Furtado. O autor, desta forma, enseja uma leitura alegórica e comparatista dos problemas sociais semelhantes em sistemas políticos diferentes, a partir do submundo de Cuba, socialista e totalitária, e do Brasil, capitalista e democrático, países nos quais indivíduos e personagens são oprimidos através da miséria imposta pelos seus respectivos regimes e sociedades. Com isso, o ensaísta espera imprimir um “novo fôlego” às reflexões sobre a injustiça social.
O tema da escravidão e do preconceito é desenvolvido por Viviane C. M. Stringhini em Herança da escravidão na narrativa Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo. A autora do artigo examina aspectos de exclusão vivenci-ados ao longo da história pela população negra e que subsistem até hoje. Do seu ponto de vista, “[a] visão originada de valores negativos arraigados em nossa cultura tem contribuído para a construção de uma identidade socialmente depreciativa do negro, que pode ser identificada nessa narrativa”.
Ainda tendo em vista a discriminação e o preconceito infligidos aos afro-descendentes, Lizandro Carlos Calegari, em seu artigo O discurso pós-traumático no conto “Lembrança das lições”, de Luis Silva, defende a ideia de que a brutalidade originada do processo de escravidão no Brasil ainda não cica-trizou, pois o trauma originado desse evento, por não ter sido devidamente revisado, teria atravessado gerações, culminando em novas formas de violência aos negros na atualidade. Assim, com base no conto “Lembrança das lições”, que integra o livro Negros em contos, de Luis Silva, o ensaísta procura evidenciar elementos traumáticos e desenvolver o pressuposto de que o preconceito e a discriminação racial contribuem para manter vivo o trauma ocasionado por episódios violentos da história da escravidão no país.
Também se dedicando ao tema da violência, tem-se o artigo de Grasiela Lourenzon de Lima, intitulado Representação da violência no conto “O cobra-dor”, de Rubem Fonseca e no livro O matador, de Patrícia Melo. A au-tora dedica atenção ao conto “O cobrador”, de Rubem Fonseca, e ao livro O ma-tador, de Patrícia Melo, buscando entender alguns problemas relacionados ao acesso à voz e à representação dos vários grupos sociais marginalizados. Através da análise da caracterização dos personagens dos dois textos, a ensaísta traça um paralelo entre eles a fim de verificar quais elementos denunciam o crime, a violência e a desigualdade presentes nos grandes centos urbanos.
Com argumentos similares, Fábio Martins Moreira – em seu artigo A violência em O matador, de Patrícia Melo: retratos da contemporaneida-de, através da análise do protagonista da obra, Máiquel – procura desenvolver a hipótese de que a violência contemporânea, diferentemente de outras eras, é infun-dada e paradoxal. Para o autor do ensaio, “[a] novidade está na apresentação de personagens que por si só justificam as suas ações, independentemente de valores sociais e concepções de certo ou errado, tendo na violência a materialização de su-as escolhas e na força de seu narrador a intensificação destas atitudes”.
O artigo A memória na construção identitária em Essa terra e Pelo fundo da agulha, de Antonio Torres, de Adriana Maria Romitti Albarello, trabalha o tema da memória como resgate da identidade de indivíduos numa sociedade instável e fragmentada. A partir de uma análise comparativa das duas obras de Antonio Torres presentes no título de seu ensaio, Adriana avalia o migrante em busca de melhores condições de vida e, depois, dividido em dois mundos, sem sonhos ou expectativas.
Em Meus romanos: relatos de viagem e diferenças culturais na obra de Ina Von Binzer, artigo de Carlos Roberto Ludwig, é realizada uma reflexão sobre o romance autobiográfico epistolar, no qual ocorrem relatos sobre viagens e experiências no Brasil entre os anos de 1881 e 1883, em que são analisadas as mudanças da visão europeia sobre o estrangeiro. O ensaísta pretende demonstrar como as diferenças culturais, permeadas de teorias racistas e deterministas do século XIX, afetam e distorcem a percepção da narradora sobre os negros e os índios brasileiros, embora tais visões sejam alteradas com a passagem do tempo e o contato mais próximo com a nova cultura. Neste sentido, as percepções distorcidas sobre o Brasil, apesar das modificações, vão permanecer no interior da narrativa como descontinuidades e incongruências, paradoxos e contradições, características que, segundo o autor do artigo, são traços distintivos do discurso determinista do século XIX.
Já em Sob os véus do anonimato e da violência humana: Anônima: uma mulher em Berlim, Susana Raquel Bisognin Zanon pro-põe uma análise do diário Anônima: uma mulher em Berlim a partir da aborda-gem da violência e da assimetria de poder entre homens e mulheres ao longo da Segunda Guerra Mundial. Segundo a articulista, este diário narra a saga da protagonista e autora do texto, cujo nome não é revelado durante a narrativa, assim como das companheiras de infortúnio da narradora. Desse modo, a análise detém-se sobre a questão do anonimato como sintoma do trauma e da vergonha originários da violência e do abuso sexual infligido às mulheres durante a invasão russa em Berlim.
Sandra de Fátima Kalinoski, por seu turno, aborda em Um olhar para os indícios de opressão feminina nos contos “Amor”, de Clarice Lispector e “I love my husband”, de Nélida Piñon a condição feminina como esposa submissa no mundo familiar e de mulher passiva em relação à sociedade. A autora do artigo parte, para alcançar este objetivo, de uma análise dos contos “Amor”, de Clarice Lispector, e “I love my husband”, de Nélida Piñon, considerando, ao longo do processo interpretativo, a relação entre os elementos teóricos e os textos selecionados para a compreensão da temática cotejada pelas narradoras. A articulista pretende, além disso, elucidar determinados elementos do processo histórico que deram considerável contribuição à formação das visões patriarcais que ainda sobrevivem na sociedade contemporânea.
O tema da opressão e da discriminação também aparece no artigo A perspectiva queer nos contos “Além do ponto”, de Caio Fernando Abreu e “As palavras”, de Samuel Rawet: a luta contra os ideais patriarcais e a busca pela valorização da sexualidade, de Karine Studzinski Kerber. Como o próprio título do artigo antecipa, trata-se de uma reflexão sobre o homoerotismo na literatu-ra, de forma que valores e ideologias patriarcais sejam revistos. Para tanto, a autora utiliza como embasamento a teoria queer, cujo intuito consiste em fazer uma revisão dos pressupostos patriarcais do heterossexismo compulsório. A reflexão busca revelar o “o grande preconceito sofrido por aqueles que assumem sua identi-dade sexual”.
Ainda dentro da temática da revista, está o artigo de Enéias Farias Tava-res intitulado Discurso utópico e distópico nas paisagens narrativas de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. O ensaísta propõe uma leitura do livro de Huxley à luz dos conceitos de Utopia (visão ideal de uma ordem social) e Distopia (caracterização negativa e opressiva dessa ordem). A ideia defendida é a de que, a partir de ambas as perspectivas de análise, uma realidade social idealmente organizada é construída. Para satisfazer a sua proposta, Enéias faz o estudo de dois personagens da obra: o civilizado Bernard Marx e o selvagem John Savage, no intuito de verificar como a realidade social na qual cada um deles está inserido altera suas percepções e suas tentativas de alteração dessa realidade.
Por fim, o artigo A relação através de cartas entre Werther e Wi-lhelm, de Roberson Rosa dos Santos, analisa o romance Os sofrimento do jovem Werther, dando destaque à temática do “outro em si”. Partindo da caracte-rização do romance como epistolar, o articulista constata a pertinência das relações entre o narrador e o destinatário da escrita, algo que o permite dizer que as pessoas, mesmo distantes, buscam estar próximas, ensejando o reconhecimento dos outros no processo de conhecimento de si.
Esperamos que os artigos presentes nessa revista contribuam para o de-bate qualificado em torno do tema da violência, da opressão, do preconceito e do autoritarismo, de forma que se articule um diálogo produtivo não apenas academi-camente, mas sobretudo socialmente, para que muitos reavaliem suas condutas e pontos de visto a respeito daqueles à margem da história. Agradecemos a todos que contribuíram com seus artigos em virtude da importância do tema e também para que mantivéssemos a periodicidade da publicação.

Prof. Dr. Lizandro Carlos Calegari
Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins
(Organizadores)

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