WALTER BENJAMIN E A LITERATURA BRASILEIRA
Apresentação
Entre os acontecimentos que integram as tensões e incertezas em torno da Segunda Guerra Mundial, está o suicídio de Walter Benjamin. Morte difícil de elaborar, forte para lamentar. As idéias desse pensador complexo e fecundo têm ganho espaço em diferentes países, em diversas disciplinas, movimento múltiplo e abrangente, levando a reações espantosas, como a de Beatriz Sarlo, que chegou a falar em um excesso de referências a Benjamin 1 no campo acadêmico dos anos 90. O ano de 2010 presencia a realização de eventos de homenagem e discussão do pensador que acentuam a justa necessidade de intensificar a percepção de seu trabalho.
Não é sem dor que se lembra de um suicida que se foi cedo, deixando com seus leitores questões sem solução. Uma publicação sobre Benjamin é em si um contato com esse universo de questões, e uma aceitação do desafio de trazer à tona os fortes temas eleitos pelo pensador ao longo de sua trajetória como prioridades.
Neste caso, fazemos isso à luz de uma convergência: falar de Benjamin pensando na literatura brasileira, em suas relações com a história social, com a violência constitutiva do país. A iniciativa de integrar problemas de leitura de Benjamin com debates de literatura brasileira remete à presença, com três décadas de difusão, de idéias do autor na crítica brasileira. Benjamin despertou interesse em críticos consagrados, como Antonio Candido (no ensaio O poeta itinerante 2), e citações de seus textos têm ocorrido em múltiplas dissertações e teses de estudo de pós-graduação em literatura brasileira, com os mais diversos objetivos.
Este volume consiste na apresentação de trabalhos expostos em um colóquio realizado na Universidade de São Paulo, em 10 e 11 de agosto de 2010. Com o título Walter Benjamin e a Literatura Brasileira, a atividade foi uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em colaboração com o Projeto Temático USP / UNICAMP / FAPESP Escritas da Violência.
A força fundamental deste evento esteve na parceria realizada com o Núcleo Walter Benjamin da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Centro de referência em estudos do autor, o Núcleo desenvolve um trabalho continuado de excelência, em pesquisa, eventos e produção. A USP teve a oportunidade rara de escutar três de seus pesquisadores, cujas conferências estão felizmente incluídas neste volume, disponibilizadas para estudo. Sabrina Sedlmayer fez uma aproximação original entre Benjamin e o importantíssimo escritor Jorge de Sena. Elcio Loureiro Cornelsen realizou uma pesquisa minuciosa, rigorosíssima e rara sobre condições de produção de “O autor como produtor”, apresentando uma interpretação criteriosa e renovada do ensaio. A conferência de encerramento do evento foi proferida por Georg Otte, que falou sobre Natureza e História em Benjamin, com precisão conceitual.
Poucas situações justificam tanto a continuidade da vida acadêmica como esta parceria, uma possibilidade de trabalhar junto com pessoas sérias, responsáveis; abrir um espaço de escuta atenta, trocar idéias, pensar em problemas comuns. A viabilidade de realizar um encontro em conjunto com o Núcleo Walter Benjamin da UFMG foi muito importante como motivação para ir em frente, procurando sustentar o debate acadêmico na Universidade.
O evento incluiu uma conferência de meu colega Luiz Roncari, apresentando parte de sua avançada pesquisa sobre Guimarães Rosa, em conexões com Walter Benjamin e Nietzsche. O professor Eduardo Sterzi, que realiza pós-doutorado junto a nosso Programa com apoio da FAPESP, expôs uma reflexão sobre Murilo Mendes articulada com conceitos de Benjamin.
Nesse sentido, a proposta deste volume concentra duas inclinações: as reflexões de acento teórico e conceitual (Georg Otte, Elcio Cornelsen), e as leituras de obras literárias articuladas com idéias benjaminianas, em uma dinâmica que contempla diferentes atitudes discursivas.
O volume inclui trabalhos dos pesquisadores Roberto Cirio Nogueira, Gabriela Ruggiero Nor e Thiago dos Santos. Seus estudos, dedicados respectivamente a Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade, indicam a franca atualidade de Benjamin, e a pertinência de suas categorias para reflexões que levem em conta especificidades da história brasileira.
Lendo o volume, a convicção de que há pertinência em estudar Rosa, Drummond, Murilo Mendes, Clarice e Caio F. em diálogo com idéias benjaminianas deve ser reforçada. Esses autores se caracterizam por elaborarem trabalhos em resistência contra autoritarismo e repressão, e o vocabulário crítico do pensador alemão contribui de modo importante para reconhecer esse movimento. Nesse sentido, a presente publicação é motivada também pela interlocução sistemática com a professora Rosani Ketzer Umbach, do Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo, que valoriza essa modalidade de interpretação e incentiva constantemente iniciativas de pesquisa similares.
Uma última observação. Cabe chamar a atenção para a presença constante, em diversos textos deste volume, de elementos como ruína, choque, morte. Há algo de perturbador na história brasileira, em nossa trajetória de destruição, horror, genocídios e chacinas. Esse componente perturbador aparece com maior nitidez quando palavras de corte são empregadas, rompendo a apatia. Palavras de escritores como os aqui estudados, em diálogo com idéias deste melancólico que se foi cedo demais.
Jaime Ginzburg
(Organizador)
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