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Literatura e Autoritarismo Dossiê Imagens de Devastação |
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Capa | Editorial | Sumário | Apresentação ISSN 1679-849X | Dossiê nº 8  |
APRESENTAÇÃOEm 1922, T. S. Eliot publicou The Waste Land, que se tornaria seu mais famoso poema e logo seria reconhecido pela crítica como um dos textos decisivos do século XX. Nele, recuperava, desde o título, o tópos medieval da terra devastada, codificado originariamente como terre gaste por Chrétien de Troyes no Conte du Graal (c. 1181) e pouco tempo depois já glosado por Dante Alighieri como paese guasto. Eliot, porém, conferiu um significado todo novo àquela tópica, ao usá-la para traduzir poeticamente a crise política e, antes, ética de sua própria época: a crise permanente de um mundo que mal saíra da Grande Guerra de 1914-1918, precisamente aquele conflito no qual culminara, como bem viu Walter Benjamin, o declínio da experiência inerente à modernidade, ao qual escritores, assim como pintores, escultores, músicos, arquitetos e cineastas, responderiam com a emergência de novas formas artísticas capazes, ao menos idealmente, de “sobreviver à cultura” (ou seja, de sobreviver à devastação mais profunda).
Essa recuperação e ressignificação da tópica da terra devastada por Eliot inaugurou toda uma linhagem de figuração da modernidade como paisagem devastada, que desconhece fronteiras nacionais e linguísticas, com repercussões ainda hoje não só na literatura, mas nas artes contemporâneas em geral. E vale notar, ademais, que a consolidação artística e crítica dessa nova tradição da figuração da terra devastada também nos permite rever e reavaliar sob nova luz um conjunto de representações anteriores que já iam neste caminho – na literatura brasileira, lembremos logo de Euclides da Cunha, tanto em Os sertões quanto no póstumo À margem da história. Nos últimos anos, esse imaginário da devastação parece ter recobrado pertinência no plano cultural mais amplo, do jornalismo à literatura, da imaginação política às telas de cinema.
Razões não faltam para que o nosso tempo seja visto como um tempo de devastação: pensemos mais amplamente na catástrofe ecológica do aquecimento global, que já começa a mudar a paisagem ao redor do planeta e a produzir mais e mais refugiados ambientais, mas também localizadamente em acidentes como o de Fukushima (que reprisa Three Miles Island e Chernobyl em escala ampliada) ou ainda, no caso do Brasil, na progressiva (e “progressista”) destruição da Amazônia, seja para transformar a floresta em soja e pasto, seja para converter seus rios em reservatórios de usinas hidrelétricas. No episódio do furacão Katrina, nos Estados Unidos, ficou claro o vínculo entre essa devastação global e novas formas de autoritarismo – o que também vem se verificando, com modalidades próprias, na construção das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, no Brasil.
Como a literatura e a cultura em geral têm respondido a esse quadro? Que novos desafios tal situação vem colocando e continuará a colocar para escritores e artistas? Que autores e obras do passado, recente ou distante, podem ser relidos à luz dessas novas configurações políticas? Essas são algumas das questões que nortearam esta edição da revista Literatura e autoritarismo.
O primeiro artigo, assinado por Kelvin Falcão Klein, investiga as relações entre imagem e memória – e entre vivos e mortos – através de uma leitura cruzada das obras de W. G. Sebald, Vladimir Nabokov, Giorgio Agamben e Aby Warburg. Em seguida, Gustavo Silveira Ribeiro também aborda a obra de Sebald, aproximando-a criticamente do trabalho do artista plástico Frans Krajcberg, a partir da relevância da fotografia para os dois autores. Por sua vez, Carlos Eduardo Bione analisa a obra ficcional de Yan Lianke, autor reconhecido internacionalmente pelo modo crítico como encara o desenvolvimento chinês. Em seu artigo, Pádua Fernandes examina as imagens do genocídio promovido pela ditadura militar argentina tais como elas aparecem na poesia de Julián Axat (na qual entrevê a criação de uma “biopoética” que se opõe ao biopoder do terror autoritário). Tatiana Sena estuda, em Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, as imbricações entre política e morte no processo de consolidação da república no Brasil. Katrym Aline Bordinhão dos Santos, no texto seguinte, se detém nas imagens de devastação em Dois irmãos, de Milton Hatoum. Fabio Weintraub, enfim, a partir do debate entre antropólogos e urbanistas sobre a privatização e militarização do espaço público nas cidades ocidentais, examina o imaginário bélico na obra poética de Ronald Polito.
Como uma espécie de bônus, esta edição apresenta, em tradução de Idelber Avelar, um breve ensaio de Greil Marcus e Werner Sollors, extraído de A New Literary History of America (Harvard University Press, 2009). No ensaio, Marcus e Sollors refletem acerca dos efeitos políticos do furacão Katrina sobre Nova Orleans – e sobre os Estados Unidos – a partir da releitura de obras literárias que trataram de catástrofes climáticas anteriores que se abateram sobre a região.
Ana Maria Domingues de Oliveira
Eduardo Sterzi Marcus Brasileiro (Organizadores) |
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