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Literatura e Autoritarismo
Forças de opressão e estratégias de resistência na cultura contemporânea
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Dossiê nº 9 

APRESENTAÇÃO

O dossiê Forças de opressão e estratégias de resistência na cultura contemporânea foi proposto a partir de duas percepções básicas: a de que mecanismos de controle e opressão do capitalismo, embora não sejam os mesmos das experiências do mundo polarizado durante a Guerra Fria, ainda estão presentes na sociedade globalizada; e a de que as forças de resistência ainda se manifestam de forma enfática na cultura e na literatura. Nesse sentido, a heterogeneidade de objetos e enfoques abordados nos artigos que compõem este volume atesta que aquelas percepções eram acertadas e que a literatura (ainda) constitui um solo fértil para manifestar acertos e desacertos dos indivíduos diante do mundo, além de permitir a escuta, nas suas formas e intenções mais variadas, das vozes que persistem em falar, contrastar, calar, elaborar, traduzir determinado modo de sentir, pensar e viver o próprio contexto social e cultural.

De fato, uma das preocupações centrais do convite para a coletânea era refletir sobre as formas de resistência e opressão nos meios de produção, circulação e recepção dos bens simbólicos e sua interferência no limite entre as esferas do público e do privado. Essa perspectiva se viu enriquecida pela contribuição de ensaios voltados para o cotidiano público contemporâneo, exemplificado pela demissão de um professor e poeta de uma escola no Rio de Janeiro e o cerceamento da liberdade de expressão nas redes sociais, abordados no artigo de Fernanda Fernandes, ou a experiência do luto em ambientes virtuais, sobre a qual escreve Julia Massucheti Tomasi. Tais episódios conduzem a uma reflexão, mais do que necessária, sobre as estratégias e disfarces da intolerância e da censura, bem como sobre os limites do que se define como “politicamente correto”.
A esse propósito, o olhar crítico que alicerça a proposta do dossiê se voltou com o mesmo cuidado para questões que aparentemente não se vinculam de forma explícita com um enfoque político, como é a leitura de Clarice Lispector proposta por Ettore Finazzi-Agrò, constituindo um instigante redirecionamento da abordagem de autores canônicos.

Além dessa dupla perspectiva atribuída ao contemporâneo, isto é, a dos eventos coetâneos e a das leituras renovadas, vale destacar que a própria natureza da questão dota o conjunto de artigos de um viés específico daquela contemporaneidade definida por Agamben como a do que “mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Significa dizer que, neste caso, o escuro, as trevas tornam-se metáfora dos tempos que se imprimem na leitura, quase sempre iluminados pelos holofotes do mercado e do consumo. Dessa forma, a revisão de processos históricos de exceção, ditaduras, guerras, exílios, acaba servindo de alerta para os tempos atuais. Nesse sentido, os anos 60/70 brasileiros são relidos por Roberto Círio Nogueira através da obra de Caio Fernando Abreu, ou por Lucas dos Passos através da obra de Renato Tapajós, ou ainda por Tatiana Franca, que se adentrou na produção literária de Hilda Hilst. Esse tipo de alerta comprova-se mais do que necessário num momento histórico como o atual, em que a América Latina ainda presencia atentados contra a democracia, como o caso recente de deposição do (ex)Presidente Fernando Lugo, no Paraguai.
Mas, como os contextos de exceção são – infelizmente – universais, tendo suas peculiaridades dadas nos perfis ideológicos de cada caso, a revista contempla, além dos já mencionados artigos relativos ao contexto latino americano, contribuições que enfocam o cenário europeu e suas múltiplas facetas de opressão.
O caso italiano é ilustrado através dos textos de Patrícia Peterle e Andrea Santurbano, que nos instam a refletir sobre a trajetória do intelectual e escritor italiano Vittorini, diante do fascismo – no artigo de Peterle -, até depararmo-nos, no artigo de Santurbano, com os impasses originados na contemporaneidade na sociedade italiana, face a um quadro de decadência do espaço crítico que afeta de forma decisiva a qualidade da circulação e da recepção da arte. A mesma preocupação relativa à natureza da relação entre arte e sociedade perpassa o ensaio de Scheila Mara Batista Pereira Lopes, que propõe uma reflexão sobre a linguagem como instrumento de resistência na obra da escritora romena Herta Mueller. Já Armanda Manguito Bouzy se dedica à análise do romance Os últimos dias do fascismo português, escrito pela jornalista e escritora portuguesa Maria Archer quando estava exilada no Brasil.
Sem pretender ser exaustiva no tema e nas abordagens, esperamos que a publicação desse dossiê, bem como de todos os números da revista Autoritarismo e Literatura, contribuam efetivamente para a difusão de reflexões críticas consequentes para a sociedade, a fim de que a produção acadêmica possa garantir a manutenção de valores imprescindíveis como a tolerância, o direito à vida, à dignidade e à expressão, valores em função dos quais deve se justificar toda atividade humana.

Os Organizadores
Alexandre Faria e Prisca Agustoni

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