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Literatura e Autoritarismo
Dossiê Theodor Adorno e o Estudo da Poesia
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Dossiê nº 12 

THEODOR ADORNO E O ESTUDO DA POESIA – APRESENTAÇÃO

Os onze artigos que compõem esse dossiê “Theodor Adorno e o estudo da poesia” trazem, como era a expectativa, contribuições valiosas, tanto no sentido de se ampliar o entendimento acerca de reflexões teóricas do filósofo alemão em relação a questões gerais da lírica, quanto no sentido de demonstrar a vitalidade de tais reflexões quando entrelaçadas a poéticas específicas.
Ao primeiro grupo pertence o texto “Particular e universal na poesia lírica – Um comentário crítico do texto ‘Sobre lírica e sociedade’, de Theodor Adorno”, de Verlaine Freitas, professor de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do CNPq, autor de Adorno e a arte contemporânea (2003). A célebre palestra de Adorno é lida a contrapelo (“comentário crítico”), atentando para o “modo com que o indivíduo é contraposto à sociedade de forma que nos parece por demais unilateral”. Freitas aponta para o quanto Adorno considera a poesia lírica uma “linguagem do sofrimento”, discute a ideia de “corrente subterrânea coletiva” e, a partir de Jean Laplanche, relativiza a hegemonia de “opressão, violência e reificação” da sociedade, em prol de uma perspectiva de gozo e prazer.
Ficou patente, no dossiê, o alcance da Palestra de Adorno – certamente um de seus textos mais lidos e conhecidos, rivalizando com “Posição do narrador no romance contemporâneo”, “Crítica cultural e sociedade” e “Educação após Auschwitz”, para ficar em alguns ensaios apenas. É o caso do artigo “Sobre o procedimento de leitura imanente na ‘Palestra sobre lírica e sociedade’ de Theodor W. Adorno”, de Alexandre Botton, professor de Filosofia na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e doutorando em Teoria e História Literária na Unicamp, com tese sobre estética e literatura em Adorno. Botton investiga o que o filósofo entende por “leitura imanente”, cotejando suas concepções com as de Emil Staiger e Hugo Friedrich.
Também o ensaio “A lírica como crítica à desumanização em Theodor Adorno”, de Thiago Queiroz, mestrando em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), se apropria da Palestra para compará-la ao clássico livro de Friedrich, Estrutura da lírica moderna, e ao ensaio A desumanização da arte, de Ortega y Gasset, mostrando as abissais diferenças da “concepção humanista” do alemão em relação às dos demais pensadores. Queiroz finaliza o artigo comentando um trecho do poema “Nosso tempo”, de Carlos Drummond de Andrade.
Ainda nessa toada, o estudo “Poesia lírica em uma época de contradições”, de Maysa Dourado, professora de literaturas de língua inglesa na Universidade Federal do Acre (UFAC), mostra como as ideias de Adorno na Palestra ora convergem, ora se distinguem das ideias do poeta norte-americano (naturalizado) Charles Simic, trazendo e comentando poemas de Robert Lowell e Denise Levertov, assim como trechos em prosa de Affonso Romano de Sant’Anna e Murilo Mendes.
Em “É possível a lírica após Auschwitz? Uma propedêutica à dialética negativa de Adorno”, Giovane Rodrigues Jardim e Cristiéle Santos de Souza, ambos mestrandos na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), em Filosofia e em Memória Social e Patrimônio Cultural, respectivamente, o célebre ensaio de Adorno retorna, agora cotejado de perto com outras obras do alemão, como Dialética negativa, Teoria estética e Minima moralia e do esclarecedor texto “Após Auschwitz”, presente em Lembrar escrever esquecer de Jeanne Marie Gagnebin.
O artigo “Sobre o conceito de ‘ingenuidade épica’ em Adorno”, de Suene Honorato, doutoranda em Teoria e História Literária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), discute, se vê, o texto “Sobre a ingenuidade épica”, de Adorno, escrito em 1943, “à luz da relação entre mito e razão desenvolvida na Dialética do esclarecimento”, dele e de Horkheimer. Honorato evidencia como, para Adorno, um aparente detalhe linguístico, um conectivo, na Odisseia, é o ponto de partida para uma sofisticada interpretação, macroscópica, da noção de épico.
Ao segundo grupo de ensaios, que se dedicam mais verticalmente a analisar poemas e poetas, tendo as ideias de Adorno sempre como holofote maior, pertencem os outros cinco ensaios, a começar por “Adorno e a poesia tardia de Hölderlin”, de Sara Silveira, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e autora da tese “A arte e o segundo giro copernicano na filosofia de Theodor Adorno”. Silveira explicita as discordâncias de Adorno em relação à leitura que Heidegger faz de Hölderlin, abalando o lugar místico-metafísico que a tradição vinha reservando ao poeta, ao lê-lo – a partir da noção de parataxe – como uma manifestação complexa do histórico.
Em “Silêncio, destruição, criação – a propósito de ‘Infinito silêncio’, de Ferreira Gullar”, Wilson José Flores Jr., doutorando em Ciência da Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realiza um difícil e delicado movimento de leitura ao desentranhar do poema de Gullar – “um mergulho do poeta em sua subjetividade, da qual emerge, como imagem fundamental, o vazio absoluto anterior à organização da elementar matéria” – a presença inequívoca de indícios e sinais da história real, concreta, cotidiana, no poema em pauta.
Movimento semelhante faz o ensaio “Ricardo Reis, poeta engajado”, de Lisa Vasconcellos, doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), já a partir do título provocativo, que vai de encontro à ideia tradicional de “um autor cujos poemas privilegiam a subjetividade em detrimento da matéria social da vida”. Entre os heterônimos de Pessoa, Reis exemplifica exatamente certa “impassibilidade diante do que acontece no mundo”. Vasconcellos propõe, pois, uma leitura de Pessoa (Reis) bastante diferente da usual, lançando mão de lições de Adorno e de Pierre Bourdieu.
Uma análise bem esmiuçada do poema “Coisas”, de Murilo Mendes, publicado em Parábola (1952), pode ser encontrada em “Coisificação e subjetividade na poesia de Murilo Mendes”, de Éverton Correia, professor de Literatura brasileira da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O articulista resgata considerações de Antonio Candido e José Guilherme Merquior e, além da Palestra de Adorno, busca em “Sinais de pontuação” elementos que – para pensar o poema de Murilo – dizem respeito a “seu status fisiognomônico, sua expressão própria, que certamente é inseparável da função sintática, mas não se esgota nela”.
O décimo primeiro artigo, “Adorno, Drummond e o teor testemunhal da poesia”, tem dupla autoria: Jacques Fux é pós-doutorando em Teoria Literária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Vitor Cei é doutorando em Literatura Comparada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O texto elabora, verso a verso, uma análise do poema “José”, do livro José (1942), de Carlos Drummond de Andrade, a partir da categoria de testemunho, sobretudo considerando definições e problemas trazidos por Márcio Seligmann-Silva.
Esse brevíssimo apanhado dos textos do dossiê naturalmente não dá conta da consistência de cada um dos artigos, muito menos da complexidade do conjunto.
No “fragmento” 19, de 1944, em Minima moralia, intitulado “Não bater à porta”, Adorno fala de como a “tecnificação” da vida pode tornar grosseiros os homens. O gesto, aparentemente simples, de “fechar uma porta de forma suave, cuidadosa e completa” vai sendo esquecido, em função mesmo da tecnologia que faz com que portas se fechem automaticamente ou com facilidade. Com isso, com o desaprender a fechar a porta, o sujeito desaprende também o que tem atrás da porta, no interior da porta, “as coisas do ambiente”. Somos levados a agir com as coisas, e com as pessoas, comportando-nos como coisas: “Nos movimentos que as máquinas exigem daqueles que as utilizam reside já o violento, o brutal e o constante atropelo dos maus tratos fascistas”. Será que os poetas, os críticos, os teóricos contemporâneos estão atentos para as portas, para o modo como lidamos com as portas?
Penso que esse dossiê é um sinal claro de que, no meio da dureza e da rudeza do cotidiano, há pessoas que, sim, se empenham em entender o funcionamento de poemas, de poéticas, de portas.
Agradeço a Rosani Umbach (UFSM) e a Jaime Ginzburg (USP) o convite generoso para que eu organizasse esse dossiê.
Agradeço aos articulistas por terem enviado seus textos e permitido que essa coletânea ganhasse concretude.

Wilberth Salgueiro *
(Organizador)


* Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisador do CNPq

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