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Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 8 

O MÓBILE EMPERRADO:
CONTRIBUIÇÕES DE HABERMAS PARA A BUSCA DE OUTROS CONSENSOS

Irene Mônica Knapp1
Amarildo Luiz Trevisan2


CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

No atual contexto, percebe-se a importância de se lançar um outro olhar para as interações lingüísticas que ocorrem, principalmente, no ambiente da escola, uma vez que deixam transparecer a rigidez imposta pela concepção tecnicista de formação. A dificuldade de relacionar-se com o diferente, com o criativo, com aquilo que coloca em questão a visão unilateral de conhecimento e aprendizagem, evidenciam a predominância de uma racionalidade meramente instrumental, que aponta, em suas mais diversas manifestações, o prejuízo imposto as outras dimensões do ser humano, na complexidade que lhe é devida.
Para Nietzsche (1983), os discursos impregnados de verdades absolutas deveriam ser substituídos pelo aforismo e pelo poema. Suas idéias antifundamentalistas incomodavam a filosofia de sua época e ainda hoje, provocam o pensamento acadêmico uma vez que demonstra sua crítica, já no século XIX, sobre as grandes narrativas do pensamento moderno que ainda são vislumbradas nas instituições, principalmente, na escola. O espírito dionisíaco, exaltado por Nietzsche, representa o impulso criador, inovador, que contesta diante do estático, do mecânico, que impõe padrões e tolhe a imaginação e a fantasia, estas capazes de gerar o conhecimento. Para o autor, a arte é a forma de recuperar o aniquilamento da criatividade e da alegria pelo imaginativo daquele que se aprisionou na lógica racional e "...pela arte salva-o para si... a vida"(p.9).
O pensamento puramente lógico-formal, para Nietzsche, foi inaugurado com Sócrates e com ele o pensamento metafísico, rompendo, dessa forma, com o instinto enquanto força criadora anulando a capacidade crítica da consciência. O dualismo criado, entre conhecimento teórico e conhecimento sensível, já se iniciou com Sócrates, uma vez que este
em sua perambulação crítica por Atenas, visitando os grandes estadistas, oradores, poetas e artistas, encontrava pro toda pare a fantasia do saber. Com espanto, reconheceu que todas aquelas celebridades não tinham um entendimento correto e seguro nem mesmo sobre sua profissão e a exerciam apenas por instinto. [...] o socratismo condena tanto a arte vigente quanto a ética vigente: para onde ele dirige seu olhar inquisidor, lá ele vê a falta de entendimento e a força da ilusão, e conclui dessa falta que o que existe é intrinsecamente pervertido e repudiável (NIETZSCHE, 1983, p. 12).
O tom ressentido com o qual Nieztsche refere-se a Sócrates, é aqui sinalizado considerando o afastamento da racionalidade estético-expressiva e moral-prática imposto pela racionalidade instrumental no mundo moderno. Para o autor, o mundo do mito, da intuição criativa, no mundo grego, era o ponto de partida para uma verdade. Findo os mitos, ficamos com a pesada carga da pura razão, que se colocou no lugar da verdade.
O desafio que hoje se coloca é de se percorrer o caminho de volta, para buscar uma outra interpretação do atual contexto. Para Nietzsche, o filosofar não é busca de verdades absolutas, de um conhecimento ideal, que só seria possível além do mundo vivido. O que ganha significado é a interpretação e a avaliação do que é expresso no contexto. Para o autor, as palavras são interpretações mesmo antes de tornarem-se signos. Sendo assim, não há algo absoluto. Para Nietzsche, o que há são "máscaras", são interpretações, formas de avaliar os fenômenos. Neste sentido, o pensamento moderno acabou por engessar a criatividade humana uma vez que enclausurou o contexto do mundo da vida em áreas específicas, com suas normas internas, impossibilitando o diálogo e o retorno do conhecimento ao mundo vivido.
Nesse sentido, Habermas também sugere "repercorrer o caminho do discurso filosófico da modernidade até seu ponto de partida - para examinar mais uma vez em suas encruzilhadas a direção então adotada" (2000, p.412). O que Habermas propõe é a reconstrução racional do projeto moderno. A distância entre as premissas de sua proposta e seu entendimento efetivo, não impossibilitam sua retomada e não denunciam seu esgotamento. Para o autor, a burocratização das esferas culturais de valor (cognitivo-instrumental, prático-moral e expressiva) fragmentou o mundo da vida, gerando um complexo emaranhado de especializações que acabaram por não retomar seu ponto de partida, aprisionando o ser humano ao conhecimento científico e, na sua pretensa neutralidade, não considerou aspectos que escapam a uma metodologia fundamentada em cálculos e estatísticas.
O modelo metódico de investigação sobre o sujeito, sugerindo com isso seu desenvolvimento mais eficiente, acabou por revelar-se autoritário e excludente, impregnado de relações de poder, demonstrando sua superficialidade quanto à constituição do sujeito. Para tanto, Habermas considera evidente o esgotamento do paradigma da consciência em que o sujeito busca descrever o mundo numa relação monológica. Para tanto, o autor propõe o resgate das dimensões negadas no percurso da modernidade. Acredita ele, que a filosofia da linguagem, voltada para seu uso pragmático, possa colocar novamente em movimento o "móbile teimosamente emperrado, do fator cognitivo-instrumental com o moral-prático e estético-expressivo" ( HABERMAS, 1989, p.33). Habermas utiliza-se da metáfora do "móbile emperrado" a partir das leituras que fez de L. Kohlberg e dedica o último capítulo de sua obra (1989) referindo-se aos estágios de desenvolvimento moral teorizados por este autor. A referência a Kohlberg faz parte dos estudos habermasianos sobre a ética do discurso que, na tentativa de sua confirmação recorre ao apoio, "como as outras ciências reconstrutivas, exclusivamente em reconstruções hipotéticas, para as quais temos que buscar confirmações plausíveis..." (ibid., p.143). Com isso, Habermas aponta para a necessidade do trabalho cooperativo entre as ciências para uma outra leitura de homem e sociedade, pois as pesquisas de uma determinada área trazem a expectativa de contribuir para a reconstrução das teorias, buscando superar a visão unilateral do conhecimento. É uma "outra idéia da cooperação entre filosofia e a ciência" (HABERMAS, 2004, p. 23).
Para tanto,este autor, utiliza-se de várias teorias no sentido de fundamentar sua ética do discurso na perspectiva de reencontrar, através da racionalidade comunicativa, as outras esferas de valor que constituem o ser humano e que necessitam participar das discussões acerca da fundamentação normativa que rege a sociedade. A filosofia, nesse processo, poderia assumir o " papel de intérprete-mediador...entre um mundo cotidiano e uma modernidade cultural que se retraiu para seus domínios autônomos"(id. 1989, p.33). Habermas considera a ética do discurso, inaugurada por Karl Otto Apel, como sendo a abordagem mais promissora para a discussão das questões práticas, na qual os participantes levantam expectativas por pretensões de validez, orientados para o entendimento mútuo, de modo que possam posicionar-se entre o "sim/não". Esse processo de comunicação dialógica só pode se dar na intersubjetividade e não na imposição coercitiva de um conhecimento sobre o outro.
Num ambiente permeado pelo agir comunicativo, a linguagem, conforme Wittgnestein (1975), pode ser comparada a uma caixa de ferramentas que só se tornam significativas se soubermos como utilizá-las, portanto, inseridas em um contexto. O uso descontextualizado da linguagem acaba incorrendo em equívocos semânticos, que por sua vez, segundo Wittgnestein, produzem falsas imagens, tornando-se necessária uma terapia da linguagem no sentido de reconduzir as palavras de seu uso metafísico para o seu uso cotidiano. É nesse sentido que a filosofia coloca-se no papel de intérprete-mediador entre uma racionalidade instrumental, que se afastou do mundo da vida, e uma racionalidade comunicativa, capaz de resgatar a dimensão emancipadora do ser humano.

1. BUSCANDO CONSENSOS ATRAVÉS DA INTERAÇÃO NOS ATOS DE FALA

Habermas (1990) considera a linguagem enquanto meio na inter-relação entre o mundo objetivo, o mundo social e o subjetivo que envolve os participantes capazes de falar e de entenderem-se uns com os outros. A teoria dos atos de fala, inspirada nos estudos de Austin - e que são a base para a construção de uma pragmática universal - propõe uma outra forma de utilizar-se da linguagem na interação entre ouvintes e falantes. Segundo a teoria dos atos de fala, quando falamos já estamos nos envolvendo em uma ação (ato ilocucionário). Nesse sentido, Austin afirma que "ao dizermos algo, fazemos algo"; para Habermas corresponde a recíproca de que "ao realizarmos uma ação de fala dizemos também o que fazemos" (HABERMAS, 1990, p. 67). Falar envolve, então, o compromisso assumido do falante em relação ao ouvinte. A partir de tais proposições, a ética do discurso coloca-se como pertinente na pragmática universal de Habermas, uma vez que se propõe "esclarecer as condições que geralmente precisam ser satisfeitas em quaisquer ações comunicativas na linguagem natural" (COSTA, 2003, p. 49).
Diante da pluralidade cultural existente, formando uma rede de relações, na qual se situam e constituem-se diferentes concepções de homem e de sociedade, a grande questão a ser colocada é: como é possível chegar a um consenso e, além disso, o que garante que esse consenso seja verdadeiro, seja justo...? Pra começar a conversa, torna-se importante ressaltar de que a ação comunicativa, fundamentada nos atos de fala, tem como intenção um agir voltado para o entendimento e não para fins estratégicos. Ou seja, só pode se dar numa relação dialógica, intersubjetiva, livre da coerção, pois tal postura colocaria em risco a própria intenção do consenso que necessita dar-se na base da cooperação racionalmente motivada. Embora que, um ambiente isento de coerção tenha sido colocado pelo autor como ocorrendo apenas em situações ideais de fala, esse ideal é apenas um pressuposto transcendental de base fraca, não absoluta, pois se torna difícil a garantia de um ambiente totalmente imune a algum tipo de coerção, considerando que somos seres complexos, formados por vários "eus", como colocam Nietzsche e Freud.
Na prática discursiva o que entra em jogo é a expectativa do entender-se um com o outro e nesse processo torna-se necessário partir para um outro nível de comunicação em que seus participantes possam colocar-se no ponto de vista do outro, como aponta Habermas (2004). Tal atitude exige uma postura cooperativa entre seus componentes. Para o autor
Fins ilocucionários não podem ser atingidos por outro caminho que não seja o da cooperação, pois eles não se encontram à disposição do participante individual da comunicação [...] Um falante não pode atribuir a si mesmo um efeito ilocucionário como se fosse o agente que situa sua atividade na linha de um fim, adescrevendo a si mesmo o resultado de sua intervenção no conjunto de processos do mundo objetivo (1990, p. 68).
Habermas aposta nesta capacidade de cooperação e responsabilidade ética dos sujeitos envolvidos nos atos de fala, comprometendo-se com as condições necessárias para a interação comunicativa: sinceridade, veracidade, inteligibilidade e justificabilidade. Portanto, que envolvem o mundo subjetivo, objetivo e social. Sendo assim, a hermenêutica filosófica (Habermas, 1987) coloca-se como meio de orientação reflexiva das experiências mediadas pela linguagem, exercidas pela competência comunicativa de seus interlocutores, gerando a possibilidade da reconstrução crítica das tematizações que se tornam necessárias e pertinentes no círculo da discussão. Para Marcondes (2005), a pragmática traz a possibilidade de resgatar a racionalidade comunicativa a partir de uma filosofia crítica, tendo como seu objetivo principal a dimensão emancipatória do ser humano.
Retomando a questão acima colocada sobre a possibilidade do consenso e sua verificabilidade, para cada condição de ato de fala corresponde uma pretensão de validade e sua possível tematização sempre que ocorrer desvios dessas condições, que Habermas colocou como condições universais da comunicação (1989, 1990). No caso em que a compreensão do que é dito torna-se obscura e portanto não esclarecida para o ouvinte, este necessita de um recurso que possa retomar o entendimento do que é dito., o que o autor identificou como "saber comum" ou "pré-compreensão". Seria uma das condições para a busca do consenso de que aquilo que é dito possa ser compreendido dentro de uma linguagem estabelecida para fins comunicacionais, possibilitando sua reconstrução. Portanto, essa condição tem por si só o pressuposto de existir para que ocorra o discurso, dependendo dela todo o processo de comunicação em geral. É a condição de inteligibilidade, conforme Costa (2003) e que se dá nos atos de fala comunicativos.
Nos atos de fala constatativos erguem-se pretensões de verdade, ou seja, àquilo a que me refiro deve ter uma referência no mundo objetivo e, portanto, só pode ser requisitada ao nível do discurso que ultrapassa o contexto. A pretensão de correção normativa refere-se ao mundo social, referindo-se aos atos de fala regulativos, em que se pressupõe o estabelecimento de regras que possam orientar a comunicação. Essa pretensão de validade só pode ser resgata no discurso prático, ou seja, nos acordos estabelecidos no contexto da tematização, mas que não ocorrem fora do mundo objetivo. Finalmente, os atos de fala representativos dizem respeito à pretensão de veracidade relacionada à subjetividade do participante, que coloca em evidência a sinceridade dos proferimentos do falante. Tal pretensão só poderá ser verificada "no curso das ações do falante, no qual podemos avaliar a coerência entre o que ele diz e o que faz" (COSTA, 2003, p. 57).
Nesse sentido de verificação, a exposição da opinião à avaliação pública é uma forma de exigir mais coerência e veracidade nos atos de fala, uma vez que a falta de critérios pode incorrer no descrédito do falante perante os outros. O consenso, de acordo com Habermas, não pode ser confundido com a homogeneização do discurso, de forma que todos os participantes sentem-se na obrigação de concordar com as propostas. Tal imposição fere os princípios dos atos de fala, nos quais é possível retomar as pretensões de validez toda vez que os argumentos tornarem-se incoerentes.
Os participantes da comunicação, ao proferirem seus enunciados em um discurso, "referem-se a algo no mundo subjetivo, social ou objetivo; no entanto, o modo de se referirem ao mundo subjetivo e social difere do modo como encaram o mundo objetivo" (HABERMAS, 1990, p. 126). Segundo o autor, a forma análoga, na qual acontecem as três formas de expressão, coloca-se no horizonte da ampliação da racionalidade que passa a considerar não apenas as proposições assertóricas - visando a descrição do estado de coisas existentes - mas também envolvendo a intenção do falante e suas relações interativas. Sendo assim, torna-se possível uma relação entre mundo objetivo e os processos de comunicação, embora
as condições de verdade são a medida para sabermos se um proferimento preenche ou não sua função de representação; todavia, o preenchimento da função expressiva e interativa também se mede em condições análogas às de verdade. Isso me leva a introduzir a sinceridade subjetiva e a correção normativa como conceitos para a validade dos atos de fala, os quais têm analogia com a verdade" (ibid., p.125)
Habermas pretende resgatar o déficit sofrido nas esferas prático-morais e estético-expressivas pelo uso dominante da esfera cognitiva. Esse processo só é possível via reconhecimento intersubjetivo da possibilidade de se colocar em questão as condições de validade das proposições que não podem ser reduzidas apenas ao mundo objetivo, mas requer o esclarecimento sobre suas intenções (veracidade) e a perspectiva de sue uso nas relações interpessoais. Tais possibilidades acontecem através da vias comunicativas que buscam estabelecer um significado mais ampliado das expressões simbólicas utilizadas nas relações subjetivas, objetivas e sociais. As condições de veracidade e de correção normativa dizem respeito a um ambiente que, por momentos, afasta-se do mundo objetivo dando lugar a pretensões de validez tematizadas discursivamente, voltadas para o entendimento que "visa a formação do consenso" ( ibid. , p.124), e que retornam ao mundo objetivo. Nesse sentido, Habermas reconhece que a pretensão de verdade só pode ser resgatada no próprio mundo objetivo, pois é nele que as condições de veracidade e de expectativas normativas são testadas, demonstrando sua capacidade de adaptação e evolução na realidade, atribuindo "ao fato de que o que é dito numa linguagem sempre transcende os limites da linguagem, apontando para algo no mundo" (ibid., p. 120).
O consenso, assim, é algo provisório, mas possível de ser construído, considerando a participação livre de seus interlocutores a partir de uma pré-compreensão que se encontra imersa no mundo da vida, no qual estão em movimento os mais diversos saberes. O consenso proposto por Habermas, através do agir comunicativo, traz uma outra perspectiva no reconhecimento da pluralidade cultural presente na sociedade. Na educação, isto significa lançar um outro olhar sobre o conhecimento emperrado em áreas específicas e que pouco contribuem para a formação crítica e filosófica do sujeito. A busca do consenso fundamentado no melhor argumento, exige a participação e o diálogo 111entre os conhecimentos, superando o isolamento e a fragmentação. Na posição dialógica, a verticalização instaurada na hierarquia entre os conhecimentos, abre espaço para um ambiente mais democrático, partilhado de forma dialógica. Portanto, na busca pelo consenso, os mais diversos saberes são convidados a contribuir na reconstrução teórica e pragmática dos temas envolvidos no discurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria do agir comunicativo, proposto por Habermas, coloca-se como uma forte aliada para a revisão das verdades unilaterais impostas pela ciência. Para o autor, a individualização só é possível pela existência de uma socialização, ou seja, nos constituímos 111pela e 111na presença do outro. A busca por consensos, capazes de estabelecer entendimentos intersubjetivos, traz a expectativa de saída da postura monológica diante do mundo. O consenso, buscado através das interações lingüísticas, abre o horizonte para o entendimento da pluralidade a partir de um exercício de descentração do contexto, de forma que se possa estabelecer, ainda, acordos universais sem, no entanto, negligenciar a individualidade do outro. Sendo assim, a subjetividade e a intersubjetividade são aspectos complementares da cultura.
O exercício do diálogo traz a possibilidade de colocar-se em discussão situações conflitantes do mundo prático e que não conseguem ser explicadas apenas através de proposições assertivas, uma vez que estas se encontram ao nível teórico. A racionalidade comunicativa pretende colocar a formalidade do discurso científico sob um outro nível de discussão, envolvendo seus interlocutores num entendimento acerca de algo no mundo, comprometendo-se com o ponto de vista do outro. As verdades já estabelecidas poderiam ser retomadas colocando em debate suas condições de validade na expectativa do reconhecimento intersubjetivo entre ouvinte e falante, de que seja possível o resgate das pretensões de validez criticáveis por parte do proponente da ação. Este processo, de busca pelo consenso, só pode acontecer fundamentado na cooperação entre seus participantes, assumindo uma atitude performativa.
A reconstrução das condições de verdade através dos atos de fala, permite a aceitação ou não dos argumentos por parte de seus participantes. Tal atitude dialética estimula o resgate racionalmente motivado de outras proposições que possam ser colocadas em discussão, que vão além da semântica formal, estendendo-se para a pragmática dos saberes. A resolução de problemas embasados por uma racionalidade comunicativa pressupõe respeito à diversidade cultural, à livre participação dos envolvidos como também às condições de possibilidade da realização de uma autonomia não individualista, mas que considere os princípios universais necessários em uma comunidade lingüística. A liberdade de uma pessoa só pode existir se tal princípio corresponder às demais, princípio este, conforme Habermas, já presente na noção kantiana de autonomia.
Conforme Habermas, aprendemos por processos de aprendizagem envolvidos em um meio social, subjetivo e objetivo. Portanto, a linguagem utilizada para a relação com o mundo abrange estas três dimensões e não apenas a descrição dos fatos mas, também, como se dá a relação entre os sujeitos e o mundo. Na educação, a teoria da ação comunicativa coloca-se como contribuinte para uma forma mais democrática e participativa no ato pedagógico. As linguagens presentes no mundo institucional colocam-se como insuficientes para abarcar os problemas que se apresentam no mundo da vida. A teoria dos atos de fala, desenvolvida por Habermas, envolve a prática ampliada da linguagem ligada às interpretações do contexto na perspectiva do melhor argumento capaz de estabelecer consensos construídos cooperativamente.
A ampliação do conceito de racionalidade para além do cognitivo-instrumental coloca-se hoje como um dos desafios da educação. Considerar a capacidade dos indivíduos de entenderem-se entre si sobre o conhecimento e seu uso nas relações interpessoais, requer uma nova concepção de aprendizagem, conhecimento e educação. O espaço da escola coloca-se como local privilegiado no desenvolvimento destas concepções, pois, tem na sua especificidade, o entrelaçamento das culturas, as representações simbólicas do mundo objetivo e pessoal. A responsabilidade desse desafio perpassa a formação dos professores que necessitam rever seu papel, que ultrapassa de meros depositários de informação, para o de atores responsáveis pelas possibilidades de proporcionar situações de aprendizagens possíveis para o desenvolvimento de sujeitos éticos, capazes de ampliar o conhecimento numa postura estética em relação ao mundo em que vivem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Cláudio. Filosofia da Linguagem. 2ª ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. ,2003.
HABERMAS, Jürgen. Dialética e hermenêutica. Trad. Álvaro Valls. Porto Alegre: L & PM, 1987.
_____. Consciência moral e agir comunicativo.Trad. Guido A. De Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
_____. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio Beno Siebeneichler.roi de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
_____. O discurso filosófico da modernidade.Trad. Luis Sérgio Repa, Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
_____. A ética da discussão e a questão da verdade. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. Org, e introd. Patrick Savidan. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MARCONDES, Danilo. A pragmática na filosofia contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. ,2005.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas. Seleção de textos: Gérard Lebrun. Trad. e notas: Rubens R. Torres Filho. 3ª ed. São Paulo: Abril Cultural.
WITTGNESTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo:Abril, 1975. Col. Os Pensadores, vol. XLVI.


1 Pedagoga, especialista em Gestão Educacional , mestranda em educação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e autora do artigo E-mail: mknap@bol.com.br
2 Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação em Educação / PPGE pela UFSM , pesquisador do CNPq e co-autor do artigo E-mail: amarildoluiz@terra.com.br

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