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Literatura e Autoritarismo
          Sujeito, Memória e História
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 10 

O PROBLEMA DA HISTÓRIA NA FORTUNA CRÍTICA DE A ROSA DO POVO

Cristiano Augusto da Silva Jutgla1


Resumo: O presente artigo discute o problema do termo história na fortuna crítica do livro A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade. Realizamos a leitura de parte da fortuna crítica de A rosa do povo, mirando as interpretações sobre a história na obra, a fim de compreender o estado da questão. Nossa hipótese sugere que, de 1945 até fins da década de 80, há uma tendência ao emprego do termo ‘história’ de forma generalizante, sem análise da questão nos poemas drummondianos, traço de recepção crítica diretamente ligado às condições desfavoráveis de censura e repressão vividas pela crítica literária brasileira, situação herdada do Estado Novo (1937-1945) e aprofundada com a Ditadura Militar (1964-1985). A partir dos anos 90 ocorre uma mudança na abordagem do termo, quando aparecem trabalhos que se debruçam sobre os poemas de maneira detida. Esta guinada, a nosso ver, processa-se devido a um contexto, em tese, menos conservador, o qual possibilita o aparecimento de outras categorias, conceitos e abordagens sobre a lírica de Drummond no âmbito acadêmico.

Palavras-chave: Drummond, história, poesia brasileira

Abstract: This paper analyses the problem of the term “history” on the critical on A rosa do povo, by Carlos Drummond de Andrade. We discuss the interpretations about the “history” on the critical of this work. Our Hypothesis suggests that, from 1945 to late 1980, there is a strong tendency using that term in a general way. That feature of the critical would be straightly connected to both censorship and repression conditions undergone by researchers. Such situation was resulted from the “Estado Novo” (1937-1945) and the “Regime Militar “(1964-1985) periods.

Keywords: Drummond, history, brazilian poetry

1.1 O estado da questão

Ao longo de seus mais de sessenta anos, A rosa do povo, publicada em 1945, consagrou-se como uma das principais obras da poesia brasileira. Uma das razões para tamanho reconhecimento resida, talvez, no diálogo tensamente configurado do sujeito lírico drummondiano com questões centrais de seu tempo, em especial, com a história brasileira e européia, aspecto este freqüentemente anotado em sua fortuna crítica da segunda metade dos anos 40 até o final da década de 80.
É importante ressaltar que nas interpretações clássicas de A rosa do povo o termo ‘história’ é empregado sem maiores discussões específicas, uma vez que, segundo nosso levantamento, não encontramos, no período especificado, estudos detidos sobre as relações entre forma e conteúdo histórico na referida obra, com exceção do trabalho de Simon (1978).
A partir da segunda metade dos anos 90, surgem trabalhos que se detêm sobre o problema da lírica e da história por meio de uma perspectiva diversa da encontrada nos estudos anteriores, no caso, por leituras que realizam no objeto literário recortes mais específicos. Um exemplo é a temática do autoritarismo, que, nas pesquisas mais recentes, têm chamado a atenção pela importância no conjunto da obra de Carlos Drummond de Andrade.
Com o objetivo de situar o leitor razoavelmente quanto ao estado da questão, isto é, às relações entre A rosa do povo e o autoritarismo nas décadas de 30 e 40, faremos um sucinto levantamento na fortuna crítica do autor.
Partamos do crítico Milliet, o qual, no ano de lançamento da obra, já ressaltaria sua especificidade:
A quem acompanha com carinho e fé a evolução poética de Carlos Drummond de Andrade, seu livro “A Rosa do Povo” traz uma sensação de euforia.(...) Sua poesia, hoje madura e nobre, perdeu aquela graça leve da primeira fase para adquirir uma beleza mais serena, um equilíbrio que tira sua solidez da verticalidade de suas raízes. Aquele humor (aquele sarcasmo) antigo caiu como uma fantasia usada para pôr a nu a tristeza de uma solidão irremediável. (1945, p.19)
Milliet, analisando a trajetória do escritor sob um esquema de fases, percebe em A rosa do povo uma suspensão do elemento irônico (presente nos primeiros livros de Drummond) a favor de um esforço que põe, conforme palavras do crítico, “a nu a tristeza de uma solidão irremediável” de um sujeito lírico que se volta para um tempo marcado por acontecimentos históricos de grande impacto na vida brasileira como a ditadura de 1937-1945, a qual se caracterizou por um Estado autoritário, de forte intervenção estatal nos campos político, econômico e social.
Lins, “imperador da crítica brasileira” nos anos 40, segundo o próprio Drummond, assim recebe o livro:
O principal acontecimento poético do ano de poesia 1945 foi sem dúvida a publicação de A Rosa do Povo, do Sr. Carlos Drummond de Andrade. Vejo antes de tudo nesta coleção dos seus últimos poemas, um movimento no mais fundo da zona subterrânea da criação, um conteúdo dramático que não decorre só da qualidade da poesia em si mesma, mas também dos seus elementos de contradição, fazendo crescer assim o ritmo da dramaticidade, no espetáculo de um poeta que procura equilibrar e fundir artisticamente duas tendências que o apaixonam numa época de agitações e divisões extremas, bem difícil para os anseios de equilíbrio e paz. (1947, p.83)
Neste trecho, percebe-se uma seqüência de expressões de significado comum, portanto, de um mesmo campo semântico. Estas, em fazem referências, ainda que de passagem, à importância da temática histórica no livro, vejamos: “conteúdo dramático”, “elementos de contradição”, “o ritmo da dramaticidade”, “época de agitações e divisões extremas”. Recorrência interessante, pois todas elas, apesar de não terem sido desenvolvidas no texto, destacam a tensão na obra, advinda da contradição de seu sujeito-lírico. O próprio Lins, apesar de ter recebido a pecha de ‘impressionista’, compreende de modo acurado os poemas de 45 como um esforço do escritor para “equilibrar e fundir artisticamente duas tendências”, a que mais adiante, dará nome:
Procuram aqui [na obra] um plano de harmonia e ajustamento a consciência política do homem e a arte do poeta. Para que não se exteriorize uma em panfletos ou papéis de propaganda, perdendo-se a obra nas declamações de uma eloqüência prosaica e oportunista, e para que não se confine a outra no puro artifício da arte pela arte ou nos requintes do virtuosismo, isolando-se a obra no simples jogo esquemático de vocábulos que bastam a si mesmos pelos efeitos de atritos e conjugações, o Sr. Carlos Drummond de Andrade desenvolve a sua vigilância com uma lucidez implacável. (LINS, 1947,, p.83)
Para além da polarização de Lins entre arte engajada (panfletária) versus esteticismo (arte pela arte), notamos que o crítico suscita novamente as contradições constitutivas dos versos drummondianos, pois, embora mantendo seu modus operandi crítico de “impressionista”, ele percebe argutamente a importância da história como matéria prima do livro.
Pelos dois exemplos citados de recepção, percebe-se que a ‘história’, marca presença nas reflexões dos primeiros críticos de A rosa do povo, sem debates mais aprofundados sobre o tema. Fica a dúvida, portanto: se há o reconhecimento da história na obra, por que não há leituras imanentes para se verificar tal característica? Continuemos nosso levantamento.
Holanda, em texto da década seguinte, tece breves comentários a dois momentos da linguagem obra de Drummond, nomeadamente, aos livros A rosa do povo e a Claro enigma:
O exercício ocasional de um tipo de poesia militante e contencioso terá servido para purificar ainda mais uma expressão que já alcançara singular limpidez. Mas o impulso que o levaria a superar essa poesia militante não chegaria nele a abolir a preocupação assídua do mundo finito e das coisas do tempo. (1952, p.185)
Ao dizer “tipo de poesia militante”, Holanda faz referência ao livro de 45, contraposto a um movimento de “purificação da expressão” com o livro de 1951. Contudo, neste pequeno trecho destacamos a segunda parte, iniciada de maneira adversativa, pois o crítico afirma que a mudança na linguagem drummondiana, em Claro enigma, não se traduziu em uma abolição dos problemas históricos.
Candido, nos anos 60, ressaltaria também a importância da matéria histórica na constituição do livro, compreendendo que a tematização dos conflitos sociais e políticos em A rosa do Povo é resultado de um processo na poesia drummondiana que já se iniciara em meados dos anos 30:
Essa função redentora da poesia, associada a uma concepção socialista, ocorre em sua obra a partir de 1935 e avulta a partir de 1942, como participação e empenho político. Era o tempo da luta contra o fascismo, da guerra de Espanha e, a seguir, da Guerra Mundial — conjunto de circunstâncias que favoreceram em todo o mundo o incremento da literatura participante. (1965, p.125 )
Na mesma década, Lima, em sua obra sobre Mário de Andrade, João Cabral e o próprio Drummond, faz também relação entre a lírica deste último e a questão histórica:
Corrosão, como a empregaremos, não se confunde com derrotismo ou absenteísmo. Ao contrário, no contexto drummondiano ela aparece como a maneira de assumir a História, de se pôr com ela em relação aberta. É deste modo que a vida não aparece ao poeta mineiro como jogo fortuito, passível de prazeres desligados do acúmulo dos outros instantes. Ela não é tampouco cinza compacta, chão de chumbo. Ao invés dessas hipóteses, a corrosão que a cada instante a vida contrai há de ser tratada ou como escavação ou como cega destinação para um fim ignorado. Em qualquer dos dois casos — ou seja, quer no participante quer no de aparência absenteísta — o semblante da História é algo de permanente corroer. Trituração. O princípio-corrosão é, por conseguinte, a raiz, talvez amarga, que irradia da percepção do que é contemporâneo. (1968, p.136)
Em 1978, Simon percebe a tensão presente em A rosa do povo. A autora defende, de maneira detida, que o livro de Drummond se constitui na busca por encontrar, em seu discurso estético, uma expressão para problemas de seu tempo:
Em A rosa do povo, publicada em 1945, contendo poemas escritos entre 1943 e 1945, o poeta atinge o clímax da prática participante — já esboçada em Sentimento do mundo (1935-1940) quando o “tempo presente” se instaura como matéria do poema — ao mesmo tempo que atinge a consciência mais profunda da “crise da poesia”.
Isso não quer dizer que em outras fases de sua obra não se verifique essa tensão. Porém, é neste livro que o conflito adquire sua dimensão mais angustiada: da consciência dividida entre a fidelidade à poesia e a necessidade de torná-la instrumento de luta e de participação nos acontecimentos de seu tempo. (1978, p. 52-3)
Nos anos 80, Gledson, em consonância com a fortuna crítica até então produzida, reafirmaria esta consciência de Drummond sobre a história na obra de 1945, posição esta que dialoga com a de Simon quanto à busca por uma poesia capaz de discutir impasses marcados no tempo e no espaço: “Aqui [em A rosa do povo], sobretudo, Drummond está consciente da importância e do alcance de sua poesia, da sua capacidade de refletir o mundo contemporâneo, de exprimir os sentimentos não só dele mesmo como também de seus semelhantes.” (1981, p.163)
A partir do pequeno, mas substancial corpus levantado, distinguimos duas características em relevo na crítica drummondiana até final da década de 80. A primeira diz respeito ao fato de o reconhecimento da importância da hiistória em A rosa do povo não se traduzir em trabalhos sobre a mesma. Em outras palavras, não há leituras detidas acerca da questão nos poemas, com raras exceções, como a de Simon (1978). Além disso, a compreensão da história é em geral homogênea e quase sempre estendida à obra como um todo sem uma análise da especificidade de cada um dos poemas. É como se a interpretação viesse antes do comentário e da análise e ambos fossem apenas a confirmação da leitura mais subjetiva do pesquisador.
Na segunda característica da fortuna crítica de A rosa do povo, a temática histórica aparece de maneira recorrente, mas quase sempre em torno dos mesmos poemas. De fato, notamos imagens diretamente ligadas aos problemas, por assim dizer, explícitos e permitidos na esfera pública quando da elaboração e produção do livro; nesse sentido, poemas como “Telegrama de Moscou”, “Carta a Stalingrado”, “Visão 1944”, “Com o russo em Berlim”, alcançam, sem grandes entraves, o objetivo dos textos críticos, qual seja, o de mostrar como a história se faz presente em A rosa do povo.
Desse modo, os versos/poemas escolhidos pela grande maioria dos críticos cumprem sua função de exemplificar a poetização da história no livro de Drummond sob uma mesma e recorrente perspectiva. A conseqüência deste procedimento crítico resulta no fato de um elemento complexo e nada homogêneo como a história se transformar em uma espécie de trunfo interpretativo, o qual tudo soluciona para os impasses formais e temáticos inscritos no também complexo e nada homogêneo livro de Drummond. Exemplo principal desse esquema recorrente de análise seriam as conhecidas fases irônica, social, e metafísica, nas quais sua obra é dividida ainda hoje.
Dentro de um momento de oficial censura, repressão e intensificação do processo de “modernização conservadora”, ufanismo e homogeneização da esfera política, elementos centrais do projeto estadonovista, qual seria a razão de, durante mais de quatro décadas de recepção, praticamente os mesmos poemas serem estudados ou lançados à baila para discutir questões afins ao contexto de produção da obra?
Outra questão: se os poemas acima citados servem de exemplo mor para o assunto, o que fazer com poemas que, em uma primeira leitura, nada trazem (aparentemente), sob a perspectiva crítica tradicional, da configuração da história brasileira da época ou de nossos dias como “Caso do vestido”, “Indicações” ou Idade madura? Deixemos as questões em suspenso e passemos à fortuna crítica produzida a partir dos anos 90.

1.2 Novas perspectivas na fortuna crítica de A rosa do povo

Conforme indicado no início deste artigo, a partir do último decênio de século XX, os debates sobre a lírica drummondiana têm se pautado por mudanças nos enfoques e problemas quando comparados à fortuna crítica anterior. Este novo fato na recepção do escritor mineiro não invalida nem supera trabalhos anteriores, mas permite notar o aparecimento de outros caminhos e abordagens, uma vez que estudos mais recentes lançam olhares para aspectos pouco trabalhados no que se refere às relações entre os poemas e seu contexto de produção e recepção. Nesta segunda parte faremos comentários breves sobre os citados estudos no intuito de elaborar um panorama, ainda que incompleto, do teor e perspectivas neles empregados.
De início, indicamos os trabalhos de Marques (1998), Camilo (2000) e Ginzburg (2002) como exemplos de novas perspectivas analíticas. Seus estudos se pautam pela compreensão de que o problema do diálogo entre sujeito e a história brasileira em A rosa do povo exige instrumentos e categorias de análise pouco empregadas ou estranhas à tradição crítica brasileira.
Diferentemente das interpretações consagradas, estas leituras mais recentes do livro de 45 deslocam o debate em relação aos enquadramentos tradicionais, que entendem o problema da história como um fator de uma fase política ou engajada de Drummond, a qual seria precedida de uma fase irônica e sucedida de outra, metafísica (TELLES, 1976), para citar um modo de abordagem de análise bastante conhecido.
Os três pesquisadores apontam em A rosa do povo um trabalho poético inovador devido à consciência crítica do sujeito-lírico sobre os impasses históricos e psíquicos na sociedade brasileira, os quais advêm do processo de modernização conservadora nos anos 30 e 40. O produto, por assim dizer, desta forma e conteúdo são poemas que realizam uma espécie de ruptura, com a tradição da lírica brasileira, bastante demarcada no final de “Nosso tempo”:
O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e
[outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.
Versos como os acima abrem aos pesquisadores possibilidades diversas de aproximação crítica para além da “fase engajada” ou da constatação da importância da história nos versos, uma vez que categorias tradicionalmente empregadas sobre A rosa do povo parecem ter dado conta de certas demandas para um determinado momento dos estudos sobre esta obra, mas não para seus debates atuais.
Em outras palavras, os poemas são construídos por uma trama tensa entre texto e contexto, a qual escapa à visão de obra como ‘espelho’ ou ‘representação’ de demandas históricas de alto impacto traumático na vida brasileira como o Estado Novo, bem como outras colocadas em segundo plano pelos discursos oficiais. Nesse sentido, estudiosos têm atentado para categorias e temas apenas recentemente trazidos à baila na obra do poeta mineiro como a melancolia:
O tema da melancolia, com suas variantes, é recorrente na poesia de um expressivo grupo de poetas mineiros, atuante nas décadas de trinta, quarenta e cinqüenta, o que permite tomá-lo como uma metáfora esclarecedora das relações do poeta com o mundo moderno e com o lugar problemático que lhe cabe no espaço da modernidade. Particularmente quando se trata de uma modernidade tardia, que parece se realizar de forma truncada e inacabada em espaços em espaços periféricos, como reflexo de um projeto de modernidade entretanto, o incita à resistência, à luta com as palavras. Em busca da “rosa do povo”. Mas o poeta está melancólico. (MARQUES, 1998,, p.159-160)
Mais adiante, Marques, após levantar alguns traços da melancolia em outros poetas mineiros como Abgar Renault, Henriqueta Lisboa e Octávio Dias Leite, faz a seguinte afirmação sobre a poética de A rosa do povo:
Diria então que o olhar melancólico de Drummond tem a sua matriz nessa tarefa atribuída ao poeta, ao intelectual, de dar uma alma ao Brasil. Ou seja, em termos do Estado Novo, em construir uma imagem pedagógica e totalizante do país. Tarefa cujos impasses e dificuldades Drummond já parece antever. E o que o confronta com um difícil dilema: nacionalismo ou universalismo. (...)
No outro cenário, penso ser possível relacionar a melancolia dos poetas mineiros aqui comentados à perda da aura, na medida em que a modernidade, no seu gesto de negação e ruptura, inviabiliza a permanência de qualquer tradição. Acelerada pelas técnicas de reprodução, a perda da aura comporta um aspecto positivo, conforme demonstrado por Walter Benjamin, na medida em que torna a arte mais próxima das massas urbanas, possibilitando a sua politização. (1998, p.170-1)
Outro aspecto também discutido diz respeito às condições de recepção destes poemas na segunda metade da década de 40; de acordo com Ginzburg:
O ambiente intelectual em que os textos de Carlos Drummond de Andrade circulavam, entre 1930 e 1945, era problemático e contraditório. É importante, para refletir a respeito da importância da produção do poeta, considerar os critérios de prestígio intelectual desse período. Longe de encontrar um campo político receptivo, Drummond estabeleceu um diálogo crítico, lúcido e articulado, marcando sua contrariedade com relação aos discursos autoritários que recebem reverência dentro da elite econômica e política. (2002, 143-4)
O “ambiente problemático e contraditório” não recebeu destaque na fortuna crítica dos anos 40 aos 80; na verdade, encontramos de maneira recorrente a referência a um público in abstracto, o qual concordaria com a ousadia experimental e ao mesmo tempo cuidadosa desses poemas, fato que, segundo o trecho citado, não sugere ser algo plausível.
Ora, não seria forçoso defender que esta idéia não se sustenta. Grande parte do público letrado, excetuado pequeno número de intelectuais e leitores afins a seus poemas, é formado por pessoas de educação bacharelesca, conservadora, ligadas a oligarquias e a partidos políticos tradicionalmente no poder.
Torna-se, assim, praticamente impossível crer que haja em A rosa do povo um projeto consoante ao Estado Novo, ou às idéias fascistas de um intelectual como Francisco Campos. Pelo contrário, não são poucos os poemas em que o eu-lírico dialoga com as precárias condições de constituição do sujeito na modernidade brasileira; tomemos do livro alguns trechos bastante conhecidos:
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
                                       “A flor e a náusea”

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
                                       “Anoitecer”

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
                                       “Áporo”

Manhã cedo passa
à minha porta um boi.
De onde vem ele
se não há fazendas?
                                       “Episódio”
Limitação, medo, indecisão, ruína, morte. Estas e outras imagens, marcadas pela incompletude, pela fragmentação, formatam um impasse do sujeito frente a um mundo ameaçador que não o acolhe, deixando-o em uma sensação de abandono. Haveria, conforme as imagens poéticas deixam entrever, uma forte consciência por parte do autor quanto ao público letrado dos anos 30 e 40, marca que trouxe conseqüências diretas para a recepção de sua obra.
O livro apresenta em seus poemas sulcos de uma lida constante com dois problemas de forma advindos de sua preocupação com o contexto histórico, problema que nos remete a duas perguntas: 1) Como dar forma poética a um ‘tempo e uma vida pobres’? 2) Como tematizar experiências desumanizadoras como duas guerras mundiais, sucessivos golpes de Estado na história brasileira, e temas não tão públicos e menos palpáveis como o próprio autoritarismo em curso diante de seus olhos?
Os poemas mostram Drummond a construir um caminho pautado por diversas estratégias discursivas inconstantes e híbridas, as quais, no plano do conteúdo, apresentam uma gama de ações e estados de espírito que se inscrevem também na modernidade: resistência, estagnação, melancolia, desejo de morte, solidariedade, esperança, angústia, utopia.
Os referidos estados de espírito não aparecem como ‘puros’ ao longo do livro, por diversas vezes nem mesmo dentro de um mesmo poema; são construídos de maneira imbricada, mostrando também um intenso processo crítico e reflexivo nos próprios textos. Por exemplo, em uma situação de censura, uma estratégia mais explícita é a poetização de temas e demandas de seu tempo histórico, permitidos em praça pública, como a Segunda Guerra Mundial. Não parece haver contradição no fato de os poemas terem sido elaborados por uma linguagem mais próxima do discurso “prosaico” (LIMA, 1968, p.176) como “Carta a Stalingrado” ou “Telegrama de Moscou”.
Outra estratégia perceptível em alguns poemas é a alegoria, presente sobretudo nos que tratam de assuntos aparentemente cotidianos, sem ligação direta com os fatos históricos mais imediatos; ela se caracteriza por um sentido bastante diferenciado da estratégia anterior, pois não lida com temáticas públicas permitidas pela censura como o confronto bélico na Europa; seu ‘esquema’ de burla ao pensamento conservador é se voltar para questões escondidas dos discursos oficiais como o autoritarismo nas relações familiares, em “Caso do Vestido”ou entre classes, em “Morte do leiteiro”, analisados em capítulo mais adiante. Entendemos que estas duas estratégias discursivas - exposição e alegoria - divergem dos discursos oficiais sem criticá-los diretamente, por este meio escapam à censura dos leitores conservadores dos anos 40.
O sujeito-lírico situa-se em um permanente risco de ser censurado, uma vez que seus poemas, por meio de um jogo intrincado de elaborações (inesperadas para a tradição poética brasileira, até mesmo para seus pares modernistas), não compactuavam com as idéias oficiais de uma nação homogênea e branca apregoada pelo governo brasileiro. (TUCCI-CARNEIRO, 1995)
Nesse âmbito, as variadas experimentações de seus poemas constituem-se em estratégias de reação e resistência que abrem, por sua vez, várias outras trincheiras discursivas, estranhas às expectativas do leitor afinado ao stablishment bem como à produção poética da época.
Além de evitar choques frontais com a direita autoritária, Drummond também escapa ao pensamento maniqueísta da esquerda, da qual o poeta sofreu pesadas perseguições por discordar da patrulha ideológica a ele imposta (CAMILO, 2001). Com tal escolha, o escritor mineiro procura escapar do dualismo comunista, a saber, de um lado o poeta alienado, que se fecha em sua dor; de outro o poeta revolucionário, que luta contra a opressão, consciente de seu compromisso com o povo. O problema transpõe a mera bipolarização. Tanto que, em A rosa do povo, o sujeito-lírico volta suas reflexões sobre sua condição fragmentada:
Nesse período, ganha espaço em Drummond a construção de imagens de uma vida menor, de uma constituição precária do sujeito. Com as várias formas em que representou essa precariedade, Drummond elaborou um forte campo reflexivo voltado para o impacto da opressão social e política. Encontramos em sua produção imagens do indivíduo que não consegue agir, da dificuldade de se relacionar com a expressão lingüística, da fragmentação das referências, da presença constante de sinais de destruição e morte. Nesse contexto, a fragilidade se vincula ao medo, tema central de um de seus principais poemas. A vulnerabilidade se associa com o processo de modernização social, que se fortalece nesse período, tendo como conseqüência uma forma nova e assustadora de desumanização e reificação. (GINZBURG,, 2002, p. 143-4)
Outro trabalho que merece atenção é Passos de Drummond, de Villaça (2006), tanto pela acuidade e paciência analítica quanto pela saudável revisão e oxigenação de questões-chave como o gauchismo, presente em toda a lírica do escritor mineiro, mas que, tal como o conceito ‘história’, tornou-se uma espécie de lugar-comum na fortuna crítica, servindo igualmente como um trunfo interpretativo estanque. Por se tratar de obra densa, de amplo arco temporal, nos deteremos um pouco mais sobre ela.
Nesse âmbito, destacamos que, no tocante ao gauche, elemento tão caro a Drummond, Villaça percebe profundas variações de um livro para outro, isto quando não de um poema para outro, característica que intensifica o que o autor chama de “dramática insuficiência”, “incompletude”:
A compreensão da poesia de Drummond pede o reconhecimento do eixo básico de tensões, no qual ela se sustenta em seus mais variados movimentos. Tal reconhecimento é delicado e sujeito a algum reducionismo, já que pretende distinguir o que seria permanente em meio às múltiplas polarizações de atitudes, temas, humores, estilos do poeta. (...) Quem fala em “eixo de tensões” dá de barato a inclinação dramática da personalidade do poeta e as oscilações que se realizam em sua linguagem; mas que específico drama em movimento anima essa voz moderna, entre as mais intensas da poesia do século XX? (GINZBURG, 2002, p.136)
Na mesma linha da “falta”, há referências à outra categoria que, embora não seja, um traço exclusivo de Drummond, se mostra bastante demarcada em sua lírica, sendo comentada de maneira mais breve pelo crítico. Neste trecho, nos termos em que o pesquisador fala de fragmentação, é impossível não perceber a interlocução com a Escola de Frankfurt, especialmente com Adorno e Benjamin:
É difícil falar do fragmentário sem despertar alguma alusão às danificações do tempo, do espaço e da vida modernos. O fragmentário foi elevado a categoria estética da modernidade, espelhando perspectivas distintas e simultâneas, percepções dissonantes, experiências de fratura. Como já vimos, o poeta Drummond surgiu em livro expondo as arestas incongruentes de sua personalidade, de seu estilo, de seu mundo. (GINZBURG, 2002, p. 118)
Temos, portanto, uma abordagem singular já que não compreende o gauche ou a dramática insuficiência como categorias complexas que não se apresentam de maneira igual ou estanque ao leitor em qualquer poema; existe uma variação que permite a Villaça chamar a estas mudanças (às vezes bruscas, às vezes sutis, dentro de uma mesma categoria) de “estratégia estilística” (VILLAÇA, 2006, p. 57). Isto ocorre porque a análise realiza-se no interior do texto para só após bem detalhadas as coisas ir-se para a interpretação global. Trata-se de dois movimentos em suas reflexões: um, específico, pois só afirma o que de fato e de direito encontra nos textos de Drummond; o outro movimento é geral, uma vez que, a partir dos elementos configuradores do poema, percebe que estes guardam profunda relação com problemas sociais do país e do mundo; vejamos este trecho de sua análise de um poema central do autor de Claro enigma:
Poema brasileiro dos anos 50, “A máquina do mundo” continua muito a dizer-nos muito sobre as ilusões do Iluminismo mais arrogante, das pretensões totalizadoras, das promessas de que, em algum lugar, concentra-se toda a nossa verdade — verdade que nos oferece, chamando-nos para dentro de si mesma, com recursos refinados de persuasão e propaganda. Nos anos da Guerra Fria, o poeta mineiro recém-desenganado da ordem e da paz mundial, recém-renunciante aos símbolos socialistas de A rosa do povo, burocrata maduro e intelectual burguês, o poeta mineiro buscava simbolicamente sua estrada de origem, seu atávico gauchismo, fazendo deste não mais uma pedra de toque dentro do humor modernista, mas um símbolo clássico, perene e... paradoxal de seu trágico desajustamento. (VILLAÇA, 2006, p.105-106)
Passando à questão do autoritarismo, central para nosso trabalho, encontramos referências breves, porém importantes na obra de Villaça. Conquanto o assunto não seja tomado como problema específico, a temática autoritária é discutida quando materializada em uma instituição ou pessoa, por exemplo, a família ou a figura do pai.
Apesar de não estar no horizonte crítico dos trabalhos, temos neste modus operandi uma pista importante, ainda que o autoritarismo confunda-se, a seu ver, com as relações familiares. Atrevemo-nos a pensar que, se muitas vezes esta instituição aparece na poesia de Drummond perpassada pelo autoritarismo é porque este não é um fenômeno restrito à família, mas também à história do país, afinal aquela não existe dissociada desta. Desse modo, não seria forçado pensar que o autoritarismo na poética drummondiana guarda íntima conexão com problemas de formação do país em grau macro ou micro.
Note-se ainda que Villaça discute a relação entre lírica e contexto de produção nas décadas de 30, 40 e 50, no caso, as “estratégias estilísticas” lançadas por Drummond frente a tais épocas, o que demonstra uma sensibilidade do escritor para com o complexo momento histórico que teve de lidar; e isto inclui igualmente o problema da forma literária e a atuação política, duas pedras no sapato do poeta mineiro.
Outro trabalho recente, de menor extensão, mas não menos intenso, é “Drummond e o mundo”, de Wisnik, também publicado recentemente na coletânea Poetas que pensaram o mundo.
Semelhante aos trabalhos comentados acima, o ensaio procura, a partir de um problema bem definido, discutir a importância da palavra “mundo” na obra poética de Drummond, em especial, até a década de 60. Tanto assim que o autor se debruça, dentre outros, sobre “Poema de sete faces”, “Procura da poesia”, chegando em “A máquina do mundo”, a fim de pensar a recorrência dinâmica e tensa dos “mundos” nestes textos.
Nesse sentido, além de ser o objeto de pesquisa, como indica o título, o termo “mundo” se transforma em categoria analítica de seu ensaio; dada sua vivacidade, o “mundo” desempenha, para Wisnik, uma função semelhante ao “gauche” discutido por Villaça.
Talvez a grande colaboração do texto “Drummond e o mundo” à fortuna crítica do poeta mineiro seja o aprofundamento proposto entre poema e contexto de produção. Vale destacar que este diálogo ocorre ao longo de todo o ensaio, demonstrando uma constante observação para a capacidade crítica que os versos drummondianos possuem, justamente por sua negação do status quo; aqui, tal como o faz Villaça, há um pano de fundo com a Escola de Frankfurt::
Não é difícil pensar no contexto histórico dessa posição rigorosamente saturnina. Sem apostar numa explicação causal para os fatos poéticos (já que poesia é máquina que produz anti-história, que transfigura e contradiz o tempo), é indispensável notar, em primeiro lugar, que a poesia de Drummond inaugura, no Brasil, uma reflexão sobre o (não lugar) do indivíduo solitário na massa urbana, (...) Em segundo lugar, é uma poesia que se desenvolve no arco da montante e da precipitação da Segunda Guerra Mundial, vivida intensamente e a distância: o estado do mundo é a conflagração e a conflagração mundializada inclui e não inclui o sujeito, cujo “sentimento” remói um conflito universal próximo e longínquo, que clama com urgência dos confins da Europa e se insinua no cotidiano do Estado Novo (em que “o espião janta conosco). (WISNIK, 2005, p.24)
Pelo trecho citado, notamos haver duas esferas bem delimitadas: uma é o “(não) lugar do indivíduo” no mundo capitalista do país durante a primeira metade do século XX; a outra esfera diz respeito ao mundo histórico, no qual o sujeito sem lugar tem sua situação de cisão aumentada devido ao conflito bárbaro comandado pela técnica, ao mesmo tempo em que se vê em um regime autoritário, tão bem apontado pelo “espião que janta conosco”.
Por mais de uma vez, ao longo de seu ensaio, Wisnik defende o caráter combativo de A rosa do povo, por exemplo, frente ao autoritarismo, chamando a atenção para o fato de que esta resistência se dá por meio de um cuidado com a qualidade de sua enunciação: “Como já foi dito, A rosa do povo é um dos mais densos exemplos de poesia engajada, ao mesmo tempo que antipanfletária, e, além disso, ciosa de sua autonomia, pagando o preço desse desconcerto assumido. Mas a “penetração no reino das palavras” pressupõe uma “conexão real e vital entre experiência e poesia." (WISNIK, 2005, p. 32)
Coloca-se, desse modo, a negatividade como categoria central empregada por Wisnik para entender estes mundos drummondianos; é, pois, um traço que perpassa o olhar do poeta frente às pernas de várias cores, à dificuldade de sentir as dores do mundo e agir para tentar transformá-lo. O resultado, além do olhar negativo do sujeito-lírico, são a melancolia, advinda de seu impasse entre ver e mover o mundo, e a fragmentação por não encontrar nem no espírito nem na matéria histórica totalidade capaz de torná-lo pleno de sua existência.
Outro ponto produtivo em sua argumentação é a consciência de que tais eventos na poesia de Drummond se processam não por uma suposição do leitor, mas pelo trabalho com a linguagem, a qual só carrega uma variedade de mundos, por ser ela também dramática e solitária, dado que o discurso só existe na história.
Em suma, os estudos desde os anos 90 se pautam por abordagens e categorias diferentes das recorrentes na fortuna crítica do escritor produzida entre os anos 40 e 80. Dentre estes aspectos destaco a melancolia, o choque, a fragmentação, a incompletude, o impasse, a ruptura tempora. Ressaltamos estarem tais leituras em diálogo constante com os trabalhos de pensadores, como Adorno e Benjamin, acerca das relações entre lírica e sociedade, o que permite outras hipóteses para elementos expressivos inéditos na literatura brasileira. Ao mesmo tempo procuram lançar mão e desenvolver outras categorias de abordagem capazes de dialogar com um modo de escrita que foge ao paradigma de produção e interpretação canônica da poesia de Drummond, em especial, em relação ao livro A rosa do povo.

Conclusão

Feita a comparação entre os dois momentos da recepção do livro drummondiano, no caso, de 1945 até fins da década de 80 e dos anos 90 em diante, tentaremos dar uma resposta às duas perguntas deixadas em suspenso: 1) qual seria a razão de, durante mais de quatro décadas de recepção, praticamente os mesmos poemas serem estudados ou lançados à baila para discutir questões afins ao contexto de produção da obra? 2) o que fazer com poemas que, em uma primeira leitura, nada trazem (aparentemente), sob a perspectiva crítica tradicional, da configuração da história brasileira da época ou de nossos dias como “Caso do vestido”, “Indicações” ou Idade madura?
Pelos exemplos acima citados, notamos que, recentemente, os debates sobre a lírica drummondiana passam por mudanças nos enfoques, categorias, conceitos e problemas (incluído, é óbvio, o problema da ‘história’) quando comparados à fortuna crítica anterior. Este novo fato na recepção do escritor mineiro não invalida nem supera trabalhos anteriores, mas deixa entrever bastante da historicidade da crítica e teoria literárias em contextos repressivos.
Nesse sentido, entendemos que a leitura e o emprego do termo ‘história’ e seus correlatos, contidos na fortuna crítica, estão inscritos no tempo e no espaço, sendo também, portanto, sujeitos às condições de produção e recepção de seu público bem como da política oficial. Não apenas Drummond teve de se ver com dificuldades com a esfera pública e oficial no tocante à circulação de idéias.
Desse modo, encontramos fortes indícios de que a recorrência do termo ‘história’ de 45 a fins de 80, a preferência por um certo grupo de poemas em esquecimento de outros e a generalização do problema da história brasileira e ocidental comprovam que a aparente omissão da crítica drummondiana, no que tange a análises em pormenor do tema em A rosa do povo, não teriam sido realizadas por dois motivos básicos. De um lado, pelo alto grau de configuração crítica e inédita dos poemas na tradição crítica brasileira; de outro, pelas concretas dificuldades de circulação de idéias em um contexto repressivo. Diante de tal ambiente, a revolução expressiva na obra drummondiana não pôde ser debatida e/ou notada devido às soturnas condições de recepção da obra, vigentes durante 40 anos, com breves momentos de abertura política.
A menção, ausência ou discussão aprofundada de um termo/problema como ‘história’ em um livro do porte de A rosa do povo só vem mostrar o grau de destruição material, simbólica e humana que regimes autoritários causam na vida acadêmica e social, com os quais nossos colegas (muitos dos quais nossos mestres direta ou indiretamente) tiveram de lidar e resistir do lançamento do livro em 1945 até final dos anos 80, com breves e nada tranqüilos instantes de certa abertura.
Em suma, os críticos de A rosa do povo, nas quatro primeiras décadas do livro, lidaram com uma matéria literária elaborada de tal forma que sua crítica à condição humana de seu tempo, no caso, aos processos autoritários do Estado Novo (para ficar só num elemento bastante notável) se reatualiza e se dinamiza frente ao igualmente autoritário Regime Militar de 64, que irá, oficialmente, até 1985. Assim, não parece ser à toa que os debates específicos sobre o tema comecem a se processar mais sistematicamente a partir dos anos 90.
Talvez “Morte do leiteiro” e “Caso do vestido”, dentre outros (como disse um crítico alhures, poemas estes “corriqueiros”) carreguem e permitam discutir muito mais de nossos impasses da época e de agora do que os poemas sempre citados, impasses estes que literalmente caíram sobre a cabeça dos pesquisadores brasileiros. A esses, nosso devido respeito e agradecimento por terem corajosamente exposto o trauma, do qual é difícil. Perguntamo-nos muitas vezes se conseguiremos dar conta, em algum sentido, da história em Drummond. Estamos tentando.
Uma versão resumida do presente texto foi apresentada no XI Encontro Regional da Abralic, São Paulo, USP, julho de 2007. Informamos ainda que o presente artigo tem origem em nossa tese de doutorado em Literatura Brasileira (FFLCH-USP), “Lírica e autoritarismo em A rosa do povo”, a qual se encontra em fase final de redação.


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WISNIK, José Miguel. “Drummond e o mundo”. In: NOVAES, Adauto Poetas que pensaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

1 Doutorando em Literatura Brasileira – FFLCH/USP. Prof. Assistente de Teoria Literária na Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XX – Brumado – BA. Agradeço à Uneb pela bolsa parcial de doutorado. Contato: crisaug2005@yahoo.com.br
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