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Literatura e Autoritarismo
Translações Culturais – Repressão e Resistência
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 13 

“TRILOGIA DRAMÁTICA DA TERRA ESPANHOLA”: A TRADUÇÃO COMO PROCESSO E COMO RESULTADO

Luciana Ferrari Montemezzo1
Resumo: Um texto traduzido é, ao mesmo tempo, processo e resultado (GARCÍA YEBRA: 1982). O processo refere-se às condições e critérios que levaram à sua efetivação, bem como à pesquisa demandada em torno do tema e da obra a ser traduzida. O resultado é a concretização deste processo, materializada para o consumo. Este trabalho apresenta o resultado das traduções de Bodas de Sangue (1933), Yerma (1934) e A Casa de Bernarda Alba (1936), do dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936), explicitando o processo de pesquisa que, em nossa opinião, em muito pode colaborar para as futuras montagens das peças. Nossa opção se sustenta na hipótese de que o tradutor – sobretudo o tradutor de teatro – deve assumir sua intervenção: não desestrangeirizar completamente a obra, deixando marcas no texto que indiquem sua procedência, a fim de que o leitor-espectador perceba que está diante de um texto traduzido.
Palavras-chave: Tradução Literária; Literatura Comparada; Literatura Espanhola; Teatro.
Abstract: A translated text is, at one and the same time, a process and a result. The process concerns the conditions and criteria that led to its production and also the necessary research about the theme and the work to be translated. The result is the realization of this process, which is materialized and ready for consumption. Our doctoral work aimed not only at presenting the result of the translation of Bodas de Sangue (1933), Yerma (1934), and A Casa de Bernarda Alba (1936), by Spanish playwright Federico García Lorca (1898-1936), but also making the research process explicit as, in our opinion, this process can much contribute to future productions of these plays. Our decision is based on the hypothesis that the translator – particularly the translator of drama – should acknowledge his intervention; that is, he should not erase the foreignness of the work completely by leaving marks in the text that indicate its origin so that the reader-spectator can notice that he is in the presence of a translated text.
Keywords: Translation; Comparative Literature; Spanish Literature; Theater.

Introdução
A toda tradução subjaz um procedimento de compreensão e interpretação que, via de regra, passa despercebido pelo leitor: várias são as etapas até chegar à concretização da tradução propriamente dita. Uma vez que cada tradução é a concretização de uma das tantas possibilidades de leitura de um texto, “(...) o texto traduzido espelha constantemente o anterior e se converte em seu ‘outro’”. (CARVALHAL, 1993 p. 51). Para elaborar um texto homólogo ao texto original, inúmeras são as atualizações - procedimentos que tornam possível o trânsito intercultural de textos, independente das diferenças cronológicas e/ou históricas que os demandaram - que necessitam ser feitas, em nível não só vocabular, mas também cultural, histórico. Assim, a tradução pode ser analisada sob dois pontos de vista complementares: por um lado é processo – quando se refere aos procedimentos tradutórios em sentido restrito – e resultado – quando se realiza como objeto de consumo (GARCÍA YEBRA, 1983 p. 145). Além disso, também é atualização, no sentido em que concretiza uma das tantas virtualidades significativas de um determinado texto em um contexto diverso daquele em que foi produzido.
Como as necessidades de uma época não são fundamentalmente as mesmas de outra, não raramente se faz necessária mais de uma tradução. O surgimento de uma nova tradução não anula, evidentemente, a validade das anteriores; ao contrário, as traz à luz uma vez mais, ao estabelecer um necessário diálogo com elas. O diálogo se efetiva não só na relação estrangeiro-vernáculo, mas também na observação vernáculo-vernáculo, com especial atenção ao processo histórico que demandou a tradução de um determinado texto em detrimento de outro. Assim sendo, a tradução se configura como uma privilegiada instância de diálogo. O produto deste diálogo, que se efetiva no texto traduzido, é fruto de um movimento crítico, muito peculiar, que o processo de tradução opera no texto original, uma vez que “todo texto a ser traduzido apresenta uma sistematicidade própria que o movimento de tradução encontra, enfrenta e revela.” (BERMAN 2002, p. 20). A tradução de qualquer texto será, portanto, potencializada pela existência de várias vozes que dialogam entre si, numa cadeia de significação que não relaciona apenas dois pólos extremos (autor e leitor). Vista sob tal prisma, além da atualização que toda tradução promove no texto original,– de ordem lingüística, cultural e histórica –sua existência garante também perenidade à obra: é por meio de traduções que autores cronológica e/ou culturalmente distantes chegam a públicos às vezes inimaginados.
Cada tradução demandará sempre, ainda, um processo de escolha. Paralela a cada escolha feita, existe, pelo menos, uma outra possibilidade de tradução não concretizada, quando não várias, conforme sintetizou BENJAMIN (2001) no vocábulo (die) Aufgabe: ao mesmo tempo em que traduzir implica uma tarefa, também provoca uma renúncia. No entender do filósofo, ao se realizar como tarefa, o ato também se realiza como renúncia, sendo, ao mesmo tempo, possível e impossível. Ao explicitar suas opções – especialmente as mais polêmicas, já que o processo de seleção nem sempre é absolutamente consciente – o tradutor estará assumindo o papel intervencionista que sempre desempenhou, além de demonstrar sua metodologia de trabalho, o que muito poucas vezes tem condições de fazer.

1. O Tradutor-Dramaturgista
No que tange à tradução de textos dramáticos, a postura intervencionista do tradutor pode ser muito proveitosa para o processo de montagem. Diferente dos demais gêneros literários, o gênero dramático é um constructo coletivo e interdependente que estabelece relações peculiares em diversos aspectos. Sem a presença de um narrador, o papel de orientar a leitura do texto será atribuído às rubricas: constituirão elas o lugar privilegiado de informação sobre o conteúdo da peça.
Além disso, graças ao seu caráter coletivo, o texto dramático é multiautoral: além do autor strictu sensu, também diretor e os atores são, de certa maneira, autores da obra que montam e representam. Assim, interferem na recepção da obra, no momento em que a transição entre a literatura e o espetáculo se efetiva, tornando cada encenação um evento único, irrepetível. Quando o texto em questão é de origem estrangeira, a montagem demanda o uso de uma tradução. Neste caso, além das intervenções de atores e diretor, também haverá a intervenção do tradutor, que promoverá a ressignificação do texto estrangeiro e o atualizará tendo em vista o novo contexto de recepção. É por meio da leitura do tradutor que o texto chega a um público diverso daquele para quem a peça, a rigor, foi escrita. Assim, a tradução transforma o original – de forma delimitada, evidentemente – ao mesmo tempo em que o revigora, contribuindo para colocá-lo em evidência.
A inserção do tradutor, portanto, potencializa ainda mais o texto e o seu resultado prático, a encenação. Ao optar por determinado vocábulo em detrimento de outro, o tradutor “encerra” a significação. No entanto, ao explicitar sua opção, advertindo sobre a existência de outras possibilidades, poderá dar ao diretor e aos atores indicações relevantes para a composição das personagens, para a montagem dos cenários, para o posicionamento da luz, etc. O tradutor, devido à natureza do seu trabalho, poderá trazer à tona algumas nuanças do texto que nem sempre estarão visíveis para os demais leitores. Ele poderá exercer, nesse contexto, o papel de encenador, contribuindo com sua leitura e análise prévia – subjacente a todo processo de tradução - para efetivação do espetáculo. Trabalhando sob essa perspectiva, o tradutor atuará muito próximo do que se convencionou chamar Dramaturg:
(…) una especie de adaptador, una figura intermediaria entre la obra y el director de escena. Además de la función de lector-intérprete de una obra, el Dramaturg puede alterar el texto para adaptarlo a un escenario a una forma de teatralidad (…) (BOBES, 1987 p. 22)
Quando se trata de uma peça estrangeira, o tradutor pode assumir as funções de Dramaturg, uma vez que opera uma crítica bastante especializada no texto que será encenado. (PAVIS, 2005 p. 117). Segundo o autor, o conceito de Dramaturg se opõe ao de Dramatiker: Dramatiker, mais usual em língua alemã, designa os autores de peças teatrais. Este termo corresponde, portanto, ao português dramaturgo. Já Dramaturg é um termo utilizado para designar a pessoa que toma parte do espetáculo em colaboração com o restante da equipe. Para evitar possíveis confusões entre o autor da peça e o tradutor intervencionista, ao estilo do Dramaturg alemão, já que a Língua Portuguesa não dispõe de um vocábulo para tal função – talvez o vocábulo mais aproximado seja encenador – optamos por utilizar em nosso trabalho a designação de dramaturgista, Consideramos, portanto, especificamente tratando de traduções para o teatro, que o tradutor que assume uma postura intervencionista, apontando os resultados de suas pesquisas com vistas a contribuir com as possíveis montagens do texto, pode ser chamado de Tradutor-dramaturgista.

2. O tradutor-dramaturgista em Bodas de Sangre, Yerma e La Casa de Bernarda Alba
Sob tal ponto de vista, nosso trabalho com Bodas de Sangue, Yerma e A Casa de Bernarda Alba (também chamada de “Trilogia Dramática da Terra Espanhola”), de Federico García Lorca, considera que, se a tradução é a instância do diálogo e o palco é o lugar privilegiado do debate, o papel do tradutor de textos dramáticos é mais relevante do que se julga. Nossa tradução assume efetivamente a interferência que opera no texto, segundo o conceito de Tradutor-dramaturgista, anteriormente explicitado. Utilizamos, para tanto, as Notas do Tradutor (N.T.), não só como espaço de justificativa de seleção lexical, mas também como espaço privilegiado de diálogo, esclarecimento e crítica, inclusive apontando para interpretações de críticos consagrados, com vistas a ampliar a rede de comunicação estabelecida pela tradução. Essa atitude está baseada na certeza de que o texto traduzido não deve tentar negar sua raiz estrangeira. Ao contrário, deve pô-la em evidência, para ressaltar o processo de troca cultural entre povos de origens diversas, contribuindo para a conservação da memória do país e da cultura receptora.
De acordo com o exposto, nossa proposta de tradução – pensada para servir tanto à dimensão coletiva (encenação) como à individual (leitura, em sentido estrito) – evidenciou as características da obra lorquiana, buscando sintonizá-la com as necessidades cênicas e as peculiaridades do texto dramático. Consideramos, portanto, que o drama, diferente do texto em prosa ou da poesia, pressupõe interlocutores especiais e que cada tradução, assim como cada montagem, não só atualiza o texto original, mas também revalida sua pertinência em contextos culturais e momentos históricos bem diversos dos inicialmente pensados.
Tais contextos e momentos, certamente, não foram preocupação para o autor, que não tem como controlar ou prever as potenciais significações e interpretações que serão atribuídas ao seu texto (que, depois de tornado público, passa a ser compartilhado, modificado, ressignificado). No entanto, devem ser alvo de constante reflexão do tradutor, que precisará situar-se histórica e culturalmente no intervalo de tempo entre a publicação e a sua tradução. A explicitação do percurso que norteou o trabalho do tradutor será, conseqüentemente, de grande valia para a compreensão da obra a ser encenada. Acreditamos que o tradutor de teatro, bem mais que os demais tradutores, precisará explicitar suas escolhas, a fim de orientar a prática cenográfica. Assim, a pesquisa que precede todo ato tradutório poderá converter-se em efetivo apoio à montagem.
No caso específico da “Trilogia Dramática da Terra Espanhola”, além das pesquisas de ordem histórica e vocabular, foi necessário, também proceder a uma análise das traduções anteriores às nossas, publicadas no Brasil. Consideramos que, ao conhecê-las, estabelecemos um diálogo muito peculiar com cada um dos colegas que, como nós, ocuparam-se dos textos lorquianos. Também demos ênfase à análise de alguns dos símbolos recorrentes nas três peças. Procuramos relacioná-los entre si, buscando entender o sentido de unidade dado pela trilogia, apontando para a existência de um universo simbolizado próprio do texto lorquiano. A explicitação desta pesquisa, anterior à tradução propriamente dita, acreditamos, esclarece aspectos relevantes para o êxito do processo que converterá o texto literário em espetáculo.
Tendo em vista todas as questões anteriormente trabalhadas, desde os aspectos teóricos da tradução até as peculiaridades das obras dramáticas que traduzimos, estabelecemos critérios que devem balizar nossas escolhas e constituir a metodologia que norteará a tradução. Nosso critério fundamental foi a opção por uma variante lingüística coloquial que não deixasse de lado o universo poético-simbólico lorquiano mas que mantivesse, ao mesmo tempo, o tom austero de que os textos necessitam para efetivar-se como tragédia e drama.
Para garantir a oralidade, optamos por alguns “desvios” na norma culta da língua portuguesa, tais como a próclise no início de orações, e pela supressão completa das possíveis mesóclises. Optamos também pelo pronome de tratamento você (informal) e senhor, -a (formal), notadamente os preferidos no uso coloquial da língua na maior parte do território brasileiro e pelos possessivos seu e sua. Tal opção encerrou um dos maiores conflitos na tradução dos textos estudados, devido às peculiaridades e especificidades no uso dos pronomes no Brasil e na Espanha: no espanhol peninsular, o uso pronominal serve para assinalar com clareza o nível das relações sociais. O grau de intimidade e formalidade entre os participantes de uma conversa é balizado pelo uso pronominal. é índice de informalidade e intimidade, enquanto usted marca distanciamento e formalidade. Inclusive as relações familiares costumam refletir essas regras.
Em alguns casos, observamos que vocábulos ou expressões marcadamente espanholas são mais transparentes se mantidas no original. O vocábulo “salud”, por exemplo, forma de saudação utilizada tanto em Bodas de Sangue como em Yerma, não encontra, no Português atual, um equivalente adequado ao contexto. Embora o termo possa ser utilizado como equivalente de “salve” ou de “buenas tardes” (MOLINER, 1991), acreditamos que, diferente de um mero “olá” ou “bom dia”, o vocábulo “salud” é expressão de bons augúrios em sentido amplo. Pensamos em traduzi-la simplesmente por “salve”. Ainda assim, tal opção nos pareceu bastante redutora, diante de todo o significado que o vocábulo encerra. Talvez o uso brasileiro que mais se assemelhe ao uso espanhol se realize em situação de brinde, em que se deseja “saúde”. Esta, entretanto, não é a situação em que o vocábulo aparece no texto em espanhol. Além disso, na época em que as peças foram escritas, “salud” era saudação corrente entre os republicanos.
Também tomamos especial cuidado com as traduções de nome próprios, alguns deles muito carregados semanticamente. Partimos do princípio de que os nomes próprios não devem ser traduzidos aleatoriamente, porque são marca fundamental da personagem, sobretudo em teatro - e em especial no teatro lorquiano, que surpreende no sentido de atribuir características às personagens por meio de seus nomes. No caso de Bodas de Sangue, por exemplo, apenas uma personagem, Leonardo, tem nome próprio. As demais são designadas por seus papéis sociais. Tal fato evidencia que, diferente dos demais membros da coletividade, submetidos às regras e imposições sociais, Leonardo é capaz de levar a cabo seus instintos e dar as costas para as expectativas sociais que tendem a aprisioná-lo em uma ordem social pré-estabelecida. A manutenção desses nomes considera a facilidade ou dificuldade de pronúncia que cada um deles pode ou não encerrar. Via de regra, os nomes foram mantidos, tais como Bernarda Alba e Adela, de A Casa de Bernarda Alba e Leonardo, de Bodas de Sangue. Em outros casos, a manutenção demandou uma adaptação de grafia – como, por exemplo, com as personagens Prudência (Prudencia), Maria Josefa (María Josefa), Madalena (Magdalena), Amélia (Amelia), Martírio (Martirio) e Angústias (Angustias) de A Casa de Bernarda Alba e Vítor (Victor) e Maria (María), de Yerma.
No caso de Pôncia (La Poncia), de A Casa de Bernarda Alba, além da adaptação da grafia, subtraímos o artigo definido espanhol, uma marca depreciativa que não encontra equivalente nos nomes próprios brasileiros. Em comparação com a Criada, hierarquicamente inferior a Pôncia (que desempenha no drama um papel de governanta e alcoviteira ao mesmo tempo), o uso do artigo definido lhe confere uma posição à meia medida entre a criadagem e a família: não é suficientemente serviçal para não ter nome próprio, tampouco é importante o bastante para ter um nome respeitável.
Semelhante situação aconteceu com o nome do objeto de disputa entre as filhas de Bernarda Alba, Pepe el Romano. Entretanto, neste caso o substantivo masculino não é depreciativo: enfatiza o aposto que qualifica a personagem. Optamos por também excluir o artigo, e traduzir o nome por Pepe Romano, simplesmente. Tal opção, temos consciência, traz consigo a possibilidade – inexistente no original – de dar a entender que Romano é o sobrenome de Pepe. No entanto, uma vez mais, não encontramos outra solução possível. É preciso salientar que Pepe Roamno não é propriamente uma personagem, uma vez que nao tem falas e tampouco conta do Dramatis Personae. Ainda assim, assume papel fundamental no enredo e, sobretudo, no desfecho da peça.
Não obstante, em alguns casos, pareceu-nos mais adequado manter o nome espanhol, como aconteceu com Juan (em Yerma), que de certa maneira já é um nome comum no Brasil, além de naturalmente relacionável à Espanha. Acreditamos que o nome é de fácil pronúncia e que pode ajudar a criar a ambientação espanhola que procuramos não tirar do texto, segundo nossas concepções de não o desestrangeirizar totalmente. Salientamos, sobre a mesma peça, que em nenhum momento ocorreu-nos traduzir o nome da protagonista, embora isso fosse semanticamente possível, já que no original, García Lorca apropriou-se do adjetivo yermo,-a, (seco, -a), e deu-lhe estatuto de nome próprio.
Em um caso específico de A Casa de Bernarda Alba, o do marido de Pôncia, Evaristo el Colorín, optamos por traduzir o aposto e manter o nome próprio. Já que a personagem é identificada não só por seu nome mas também por sua atividade (criador de pintassilgos), e tendo em conta que a relação entre nome e atividade também ocorre com freqüência no Brasil, traduzimos seu nome por Evaristo Pintassilgo.
O critério fundamental de nossa tradução foi, portanto, encontrar a harmonia entre performance cênica e o tom poético lorquiano.

Considerações Finais
Avaliamos adequada a alternativa de explicitar nosso percurso nas N.T., demonstrando na prática o processo que levou ao resultado (GARCÍA YEBRA, 1983 p. 145). Estamos convictos de que é impossível a efetivação da prática tradutória quando desacompanhada de reflexão teórica consistente; da mesma maneira que acreditamos inócuas as reflexões teóricas que deixam de lado a produção prática. Por isso, optamos por lançar mão das N.T. como espaço de justificativa e diálogo, incluindo nesse diálogo outros comentadores de García Lorca, potencializando ainda mais a leitura dos textos e o intuito de pesquisa que deve acompanhar o trabalho literário.
Ao explicitar-se, o tradutor não só está saindo do casulo em que tradicionalmente se viu preso, mas também tem a oportunidade de dialogar com seus pares e dar visibilidade – de acordo com as conceituações de VENUTI (1996) – à tarefa, que geralmente só é lembrada quando mal sucedida. Situar a tradução como constitutiva das trocas culturais e dos avanços das literaturas nacionais é tarefa de tradutores, muito mais do que de críticos literários ou de professores de literatura. Renunciar a essa tarefa é contribuir para o apagamento que sempre manteve o ofício nas sombras, longe, inclusive, das discussões acadêmicas. No entanto, a possibilidade de explicitação nos deixou tentados, às vezes, a extrapolar os limites das N.T: ao longo da pesquisa, foram surgindo novos temas, que despertaram nosso interesse, e que precisaram de ser deixados de lado, dado o objetivo a ser cumprido. Mais do que renúncias – no sentido benjaminiano da palavra –, acreditamos que tais reflexões apontam para a continuidade da pesquisa, ou seja, para as tarefas – ainda utilizando o incomparável conceito sintetizado em (die) Aufgabe.

Referências bibliográficas

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CARVALHAL, Tania Franco. A tradução literária. In: Organon. Porto Alegre: UFRGS, v.7, n. 20, p. 41-52, 1993.
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GARCÍA YEBRA, Valentín. Ideas generales sobre la traducción. In: Tradução e Comunicação. São Paulo: EDUSP, 1983. no 2, p. 145-158.
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PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Tradução de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 2005.
VENUTI, Lawrence. A invisibilidade do tradutor. Tradução de Carolina Alfaro. In: Palavra. Revista do Departamento de Letras PUCRJ. Rio de Janeiro: 1996.


1 Profª. Dr. do Dep. de Letras Estrangeiras Modernas (UFSM)
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