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Literatura e Autoritarismo
Processos de identificação e políticas da (in)diferença
Capa | Editorial | Sumário | Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 18 

APRESENTAÇÃO

A edição de número 18 da Revista Eletrônica Literatura e Autoritarismo apresenta textos que discutem conceitos relevantes para a produção literária em sua relação com o contexto social. Com o título Processos de identificação e políticas da (in)diferença, a publicação enfatiza a questão da identidade e os problemas relacionados às diversas construções de valores que, frequentemente, acabam por sustentar visões excludentes e segregadoras. Ao negar o conceito de identidade em prol de uma cultura da diferença, pode-se acabar incorporando os aspectos negativos da visão tradicional acerca da identidade, que não reconhecia a pluralidade e a diversidade. Assim, ao não admitir a incapacidade de discutir o conceito com seus aspectos contraditórios e em constante indefinição, buscando substituí-lo por outro que traz uma ilusão de segurança e estabilidade, é possível abrir espaço para legitimar políticas de indiferença cultural e social.
O primeiro texto, de autoria de Adriana Röhrig, intitulado OS DILEMAS DO HOMEM MODERNO EM A HORA DOS RUMINANTES DE J. J. VEIGA, aborda noções e perspectivas que devem estar presentes quando da reflexão sobre o período da Modernidade. A autora afirma que “falar em modernidade significa conceber a um só tempo que saber é ousar, é luz, como defendia Kant e que saber é dor, como mais tarde declarará Nietzsche”. Complementa argumentando que esse paradoxo é intrínseco a todo o período e situa a obra de J. J. Veiga nessa perspectiva poética, pois se trata de um romance moderno, repleto de imagens, contradições, rupturas e silêncios. Röhrig destaca que “em A Hora dos Ruminantes estamos todos, leitores e personagens, diante da necessidade de conhecer e compreender, mas por outro lado frente à perplexidade e ao desespero suscitado pela ignorância. Esse é o paradoxo em que se funde o homem moderno, e esse é o desajuste vivido pela comunidade de Manarairema. José J. Veiga, de forma dialética, mostra o conflito individual na sua dimensão coletiva, de uma coletividade que vai aos poucos se esvaindo”.
Em TROPICAL SOL DA LIBERDADE, MEMÓRIAS DE UM ESPÍRITO LIBERTÁRIO, Andrea Quilian de Vargas e Elaine dos Santos discutem a obra de Ana Maria Machado no contexto da ditadura militar brasileira (1964-1985) a partir do que definem como o modus operandi da produção artística cultural do período marcado pela opressão e pela censura. Essa realidade tornou extremamente difícil tanto a produção crítica e a reflexão social quanto a recepção das mesmas em função da violência empregada pelo regime. Dessa forma, aconteceu “algo inesperado: sociólogos, jornalistas, atores e intelectuais migraram para a literatura infantil, gênero despretensioso, pouco visado pelos generais. Através dela, de maneira simbólica, foi possível questionar a realidade do Brasil”. Ao propor algumas reflexões sobre literatura engajada e sobre o papel do escritor, as autoras se propõem a discutir o romance Tropical sol da liberdade, que consideram como uma obra imprescindível para que o momento histórico do período ditatorial – ainda pouco conhecido – seja entendido em uma dinâmica que critica as diversas formas autoritárias presentes naquele sistema e que persistem ainda hoje em vários setores da sociedade. Dessa forma, “Tropical sol da liberdade é uma das versões femininas dos fatos da Ditadura. Assim como tantos outros romances que se constituem a partir das memórias da repressão, é documento importante de um tempo que não nos foi revelado inteiramente. Representa um diálogo ininterrupto com o nosso próprio tempo, no sentido de que ilumina os fatos da Ditadura ali representados”.
TRANSCEDÊNCIA DO FEMININO NO CONTO CLARICEANO "ENCARNAÇÃO INVOLUNTÁRIA", terceiro artigo dessa edição, da autoria de Antonio Roberto Fernandes do Nascimento, aborda a problemática da identidade em suas perspectivas que ignoram o Outro a partir da crítica presente no conto de Clarice Lispector que “leva a personagem a transgredir física e mentalmente, de modo involuntário, para outras corporalidades, encarnando outras identidades, outras personalidades”. Essa perspectiva transgressora evidencia a necessidade da obra literária ser entendida nesse entre-lugares dos discursos e dos conceitos, alertando para os limites de uma percepção calcada em modelos fechados em si mesmos.
Carla Cristiane Martins Vianna evidencia, no artigo intitulado ENTRE MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: A TRAJETÓRIA DOS ROMANCES DE CARLOS HEITOR CONY, que o “debate sobre o romance de Carlos Heitor Cony deve pressupor que o universo recriado por ele em suas narrativas não trata apenas de um mundo limitado à pequena burguesia carioca, mas de uma ficcionalização da realidade da matéria brasileira daquele momento histórico”. Discute, assim, um panorama acerca da formação histórico-cultural do Brasil e de suas diversas identidades, questionando interpretações que tentam unificar uma visão acerca da literatura brasileira e de sua sociedade ao afirmar que “as narrativas romanescas de Carlos Heitor Cony são livros que resultam em obras questionadoras do sistema social vigente na sociedade brasileira de então, pois a sua verve crítica não se destina apenas à estrutura da instituição familiar, mas também ao modus vivendi da pequena burguesia carioca, que representa toda a classe média brasileira”.
O HUMANISMO CRÍTICO NA POÉTICA DE BLANCA VARELA aborda a questão do dialogismo bakhtiniano a partir da bivocalidade presente na poesia. O trabalho, de autoria de Carolina Velleda de Moraes, procura tecer considerações sobre uma reflexão humanística presente na obra de Blanca Varela que produz uma poesia que unifica as diversas vozes a um denominador comum que nunca terá uma dupla acentuação. Ao se amparar na reflexão de Walter Benjamin e Beatriz Sarlo acerca da história e da barbárie humana, interpreta a poesia com esse viés crítico quando afirma que “a questão da fome, mas circundando os aspectos temporais do poema: ‘los niños se van a la cama hambrientos/ los viejos se van a la muerte hambrientos’. Aqui, fica clara a relação estabelecida entre passado, simbolizado pelos velhos (viejos) e futuro (niños), na tentativa de um entendimento do presente”. Sua leitura prossegue com a problematização e inquietação do eu-lírico que possui “uma fome de compreensão, de querer entender os fatos e como a humanidade pode, em algum lugar da história, ter sido tão desumana”.
Chaiane da Cunha Islabão assina o quinto artigo desta edição que analisa as obras de Mia Couto e Lobo Antunes. Em LITERATURA VERSUS HISTÓRIA E A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE EM OS CUS DE JUDAS, DE LOBO ANTUNES, E EM VINTE E ZINCO, DE MIA COUTO, se insurge uma crítica ao processo colonizador em África. Ao evidenciar a necessidade do diálogo entre literatura e história como fundamental para sustentar a leitura realizada, Islabão afirma que se deve “situar, social e historicamente, o texto literário para que seja possível interpretá-lo e transcendê-lo, ultrapassando, portanto, os limites da mera decodificação de signos linguísticos”. A construção de sentido a partir da leitura das obras propõe um diálogo aberto com a história, “pois fazem com que o leitor, durante o processo de construção de sentido para o que lhe é exposto, tenha de recorrer ao conhecimento do que a realidade lhe oferece, puxando os fios do contexto histórico à época da colonização de Angola e Moçambique”.
RELEITURAS CONTEMPORÂNEAS DA GUERRA DOS FARRAPOS NA LITERATURA SUL-RIO-GRANDENSE, de autoria de Elcio Loureiro Cornelsen, aborda a construção de identidades a partir das representações históricas presentes na literatura. Essa construção se ampara mais nessa questão de releitura com o intuito de consolidar determinada visão de mundo do que propriamente no seu aspecto estético. Ao afirmar que se trata de uma visão de como o passado repercute no presente, segundo a abordagem benjaminiana, Cornelsen, ao passar pelo entendimento de “que as releituras ficcionais da História têm por objetivo combater os silenciamentos e as possíveis rasuras disseminadas por discursos hegemônicos”, evidencia que as “releituras ficcionais contemporâneas da Guerra dos Farrapos demonstram certas intenções em relação ao presente”.
Débora Cristina Braga Ribeiro é autora do trabalho A TEORIA EM CENA: O VALOR E A MÁ-FÉ NA LITERATURA DE JEAN-PAUL SARTRE. Neste trabalho, Ribeiro discute o existencialismo de Jean-Paul Sartre indagando sobre a questão acerca dos valores presentes na sua filosofia. A autora procura responder aspectos dessa problemática a partir da análise da literatura filosófica e literária sartriana, centrando-se nos contos “O muro” e “A infância de um chefe”. Argumenta, com base na filosofia existencialista do filósofo francês, que os “valores culturalmente aceitos tendem a tranquilizar o sujeito, pois o livra da angústia de ter que inventar seus próprios valores, já que a cultura lhe prescreve o certo e o errado”. Desestrutura, assim, as próprias noções de verdadeiro ou falso, tendo em vista que o “instinto, assim como os sonhos, a fobia, os lapsos, simplesmente existe”.
CULTURA E IDENTIDADE: A FORMAÇÂO DOS SUJEITOS A PARTIR DA INTERAÇÃO ENTRE “EU” E O “OUTRO” NA OBRA CASTELO BRANCO, nono trabalho a integrar esta edição, de autoria de João Paulo Pereira Coelho, evidencia que a “questão fundamental a ser pensada é que a aproximação do outro é sempre um processo complexo”. Ao optar por seguir a dinâmica do romance de Orhan Pamuk, salientando que isso implicaria em um caráter mais descritivo, Coelho buscou realizar uma leitura que não estabelecesse “as considerações a respeito do conceito de identidade presente na obra, de maneira desconectada da dinâmica da própria história dos personagens”.
Samara Leonel, em “SILÊNCIO”, DE SHUSAKU ENDO, E O CATOLICISMO JAPONÊS: UMA INVENÇÃO DO OCIDENTE? , faz uma leitura do encontro das visões do cristianismo em sua expansão rumo ao Japão, a partir de 1549, com a milenar cultura oriental, destacando que “o catolicismo japonês é essencialmente diferente da experiência no Ocidente, por ser uma construção cultural estabelecida em outra base”. Ao refletir sobre aspectos do cristianismo sendo vividos e interpretados de maneiras diferentes do supostamente esperado, Leonel destaca que “a obra de Endo parece falar ao japonês contemporâneo, indicando um possível caminho para as tensões religiosas/culturais/psicológicas entre os fiéis de seu país”.
OU SOU NINGUÉM OU SOU UMA NAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE IDENTIDADE E ALTERIDADE, de autoria de Simone Conti de Oliveira, se propõe realizar uma análise das obras A fantástica vida breve de Oscar Wao, de Junot Diaz, e O álbum negro, de Hanif Kureishi. Sua análise passa por questões de identidade e enfoca a problemática do não-pertencimento, de um local diaspórico no qual os sujeitos não se caracterizam ou se definem de forma simples. Dessa forma, sustenta que é possível “pensar que a identidade cria um grupo de indivíduos unidos, porém separados; iguais, porém diferentes. Desta forma, os distintos elementos de cada grupo identificam-se como iguais por sua marginalização”.

Agradecemos a confiança dos autores que enviaram seus trabalhos para serem publicados na Literatura e Autoritarismo salientando que os trabalhos aqui apresentados se situam em um debate cada vez mais necessário acerca de conceitos que permeiam a formação de indivíduos e das coletividades que integram(os).

Adriana Röhrig
Ana Paula Cantarelli
João Luis Pereira Ourique
Rosani Úrsula Ketzer Umbach
(Organizadores)

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