Capa |  Editorial |  Sumário |  Apresentação        ISSN 1679-849X Revista nº 7 

A MULHER NO CINEMA BRASILEIRO E A TENTATIVA DE AFASTAMENTO
DA HETERONORMATIVIDADE: UMA LEITURA DE DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS

Lizandro Carlos Calegari1


Desde o final do século XIX, quando os irmãos Lumière exibiram um novo e exótico invento ao qual denominaram cinematógrafo, o cinema passou a fazer parte do universo cultural da sociedade. Ao longo da centúria seguinte, a influência da cultura cinematográfica foi decisiva para, pelo menos, dois aspectos. Por um lado, revolucionou o campo da estética e das artes visuais, já que, por ser muito mais uma linguagem do que uma técnica, procurou se libertar das regras narrativas do teatro e começou a adquirir suas próprias formas de linguagem e de expressão. Por outro, desempenhou papel essencial como meio de comunicação de massa capaz de interferir no imaginário social, ou seja, o cinema, ao conquistar o seu espaço, passou a ser um dos elementos mais eficientes de transmissão de sonhos e de modelos, já que servia de veículo para a propagação de determinadas ideologias.2
Este trabalho procura avaliar o cinema como um preponderante veículo de difusão de ideologias sexuais e de gênero na sociedade brasileira. Mais especificamente, esse estudo centra-se na análise da constituição da identidade feminina no filme Dona Flor e seus dois maridos (1976) com o intuito de abordar a forma como a protagonista da referida película tenta, de uma maneira ou de outra, transgredir a heteronormatividade e, por extensão, do código patriarcal. Não que questões de gênero e de identidade sejam o centro temático dessa película, acontece que tais elementos identitários e sexuais perpassam toda e qualquer produção cultural, o que viabilizaria a presente apreciação crítica. Afora isso, poucas abordagens primam pela análise da constituição da identidade feminina na produção cinematográfica brasileira, algo que justificaria o enfoque ora em curso.3 Aqui, a perspectiva da teoria queer é importante, já que o comportamento dos sujeitos femininos nem sempre cumpre inteiramente com as premissas patriarcais e heterossexistas.
Em relação às mulheres, convém salientar que, ao longo de sua história, sempre estiveram confinadas ao ambiente doméstico. A casa era o único lugar em que tinham algum tipo de reconhecimento como esposas ou mães. Fora desse limite, restava-lhes a vida religiosa. É no final do século XIX que se observaram algumas tentativas de subversão da ordem conservadora a qual excluía a mulher do mundo público. Assim, do final dos oitocentos até a década de 1930, ganhou destaque, no Brasil, a luta das mulheres pelos direitos políticos, e, na literatura, na imprensa e nas artes, demonstraram domínio digno das capacidades que o patriarcalismo lhes negava. É ainda nesse momento que se discutem temas delicados para a época, como sexualidade e divórcio. Uma nova vertente do feminismo brasileiro surge a partir do final dos anos 1960, quando à resistência contra a Ditadura Militar soma-se a revolução comportamental que atingiu o mundo ocidental. Essa nova onda abriu, gradativamente, o espaço não somente para a constituição de políticas públicas voltadas a assegurar o exercício dos direitos das mulheres, os quais se consolidam nos anos 80 e 90, mas também para a problematização das relações de gênero.4
Assim, os movimentos feministas colocaram em xeque as estruturas de dominação não somente por meio de lutas contra a política masculinista, mas também através de movimentos libertários que davam ênfase ao corpo, à sexualidade e ao prazer. Em outros termos, as mulheres haviam descoberto seus direitos e, além disso, haviam descoberto seus corpos. Com isso, se existe uma tentativa de resistência às posturas autoritárias legadas pelos homens, se existe uma tentativa de desconstrução dos valores falocêntricos, existe uma reação contra o patriarcalismo, que, aliás, não deixa de ser uma forma de expressão do poder político.5 Não é pelo fato de o patriarcalismo ser um pacto entre os homens que a ele as mulheres não oponham resistência. O filme que compõe o corpus deste trabalho não apresenta uma postura radical no sentido de se colocar contra o patriarcalismo. Embora ele venha, em última instância, até mesmo a reforçar a postura patriarcal, como se verá, ele apresenta elementos que transgridem a heteronormatividade.
Por heteronormatividade, entende-se a reprodução de práticas e códigos heterossexuais, sustentada pelo casamento monogâmico, amor romântico, fidelidade conjugal, constituição de família (esquema pai-mãe-filho(a)(s)). Na esteira das implicações da aludida palavra, tem-se o heterossexismo compulsório, sendo que, por esse último termo, entende-se o imperativo inquestionado e inquestionável por parte de todos os membros da sociedade com o intuito de reforçar ou dar legitimidade às práticas heterossexuais.6 O heterossexismo compulsório, a propósito, se filiaria ao patriarcalismo, já que esse designa uma espécie de organização familiar originária dos povos antigos, na qual toda instituição social se concentraria na figura de um chefe, o patriarca, cuja autoridade era preponderante e incontestável.
A perspectiva da teoria queer consistiria numa reação ao heterossexismo compulsório, não contra o heterossexismo em si, pois esse não deixa de ser uma opção entre as outras. A teoria queer inclui não somente questões sexuais ou de desejos sexuais, mas principalmente um amplo quadro de dinâmicas sociais - maneiras de se vestir, aparência corporal, discurso, profissão, formas de ser no mundo, classe social - que é homologamente correlato à sexualidade enquanto discurso dominante na sociedade contemporânea. Afora isso, a perspectiva queer (1) se fundamenta numa epistemologia aberta que repudia as definições fixas sobre as quais se firma o patriarcado; (2) não propõe a elaboração de uma narrativa mestra, já que (3) admite a mais ampla variedade possível de interpretações e de modelos de conhecimento que podem romper com o autoritarismo.7 Portanto, o vocábulo queer não precisa necessariamente se referir à sexualidade, embora seja isso o que primeiro vem à mente, já que consiste no principal meio de contestação no que tange às diferenças.8 Com isso, o objetivo geral desse trabalho consiste em demonstrar que Dona Flor e seus dois maridos perturba a heteronormatividade, empreendendo um caminho até o queer, sendo que esse último envolve tudo o que não seja heteronormativo, incluindo as transgressões feministas.
O filme de Bruno Barreto, Dona Flor e seus dois maridos, foi lançado em 1976, dez anos depois que o romance de mesmo nome de autoria de Jorge Amado veio a público. Embora tenha sido rodado na referida época, os acontecimentos dessa produção transcorrem na primeira metade da década de 1940, na cidade de Salvador, na Bahia. Florípedes Guimarães, a Dona Flor (personagem interpretada por Sonia Braga), é uma recatada professora de culinária casada com Waldomiro dos Santos Guimarães, o Vadinho (José Wilker), um homem divertido e sensual. Apreciador de mulheres, bebidas e jogatina, ele morre na madrugada de um certo domingo de carnaval de 1943. Viúva, Flor se casa com o farmacêutico Teodoro (Mauro Mendonça), um sujeito cujo perfil é o oposto do ex-marido: cavalheiro, respeitador, culto e amante da música clássica. Apesar da tranqüilidade da nova vida, Flor sente-se angustiada, já que tem saudades do fogo intenso de Vadinho, que retorna ao mundo dos vivos para saciar seus desejos.
Dona Flor e seus dois maridos pode ser dividido em quatro momentos principais. O primeiro deles apresenta a participação de Vadinho nas festas carnavalescas na capital baiana, sua morte naquela manhã de domingo, o seu velório, o seu sepultamento e a dor que a esposa sente pela perda repentina e não esperada do marido. O segundo narra algumas lembranças de Dona Flor - ora boas, mas geralmente amargas - ao lado de Vadinho, desde o dia de seu casamento até a situação presente. O terceiro exibe a nova vida da viúva e o seu aparente sossego junto a Teodoro. O último expõe a quebra dessa harmonia com o aparecimento de Vadinho e a convivência da protagonista com os dois maridos. É justamente essa situação que rompe com as premissas patriarcais e, portanto, do heterossexismo compulsório, viabilizando, pois, um caminho até o queer.
A primeira cena do filme apresenta a participação de Vadinho, junto com os amigos, nas comemorações carnavalescas da Bahia num determinado domingo. Essa situação inicial na qual a personagem está envolvida chama a atenção para algumas de suas características que vão sendo ratificadas no decorrer da trama. O carnaval pode ser considerado um acontecimento queer, já que sua essência é proceder a uma inversão do cotidiano, por corresponder à vida desviada de seu curso normal.9 Vadinho leva uma vida desregrada, o seu comportamento é subversivo para sociedade puritana da década de 40. Ele se casa com Dona Flor, mas suas atitudes não obedecem àqueles princípios formulados pelo heterossexismo compulsório. Assim, ele não é fiel conjugalmente, uma vez que fica subentendida a idéia de que ele tem relacionamentos com outras mulheres; não demonstra amor romântico, já que é capaz de bater na esposa para obter algum dinheiro; perverte a norma ideal da relação sexual, pois há cenas em que se pode insinuar que ele praticava sexo oral. Nesse particular, a sugestão do sexo oral seria uma sinédoque para um leque de atividades que não caberia a um romance ou a um filme decente. Assim como essa prática sexual, a masturbação mútua e o sexo anal, por exemplo, são prazeres que Vadinho não vai reprimir nunca. De qualquer forma, o essencial é Dona Flor dar a entender que o marido nunca vai se conformar somente com o sexo genital.
A vida de Waldomiro, aliás, consiste na manifestação da desordem. As profanações das supostas regras sociais é uma manifestação prática do seu estilo de vida, o que não é exceção nem mesmo no dia de sua morte. O seu velório acontece naquele mesmo dia. Enquanto um grupo de pessoas reza pela alma do falecido, outros participam do carnaval como se nada tivesse acontecido. Não que essas pessoas desconhecessem Vadinho - ele era popular pelos seus hábitos - acontece que a sociedade, ao dar prosseguimento à festa, demonstra um profundo desprezo e desrespeito para com ele. A discriminação da sociedade serve para demonstrar que o diferente é inferior, já que desrespeita as normas prevalecentes. Assim, o sentimento de dor de Florípedes pela morte do marido procura ser compensado pelos adjetivos que sua mãe e suas amigas usam para defini-lo: "vagabundo", "cachaceiro", "gigolô" e "imprestável".
Não obstante o sofrimento que Dona Flor enfrentou quando na condição de esposa de Vadinho, ela reconhece que ele, melhor do que ninguém, a satisfazia sexualmente. No instante em que ela se depara com a sua falta, vem a sua mente o seguinte raciocínio: "nunca mais seus lábios, sua língua, nunca mais sua ardida boca de cebola crua". A partir desse momento, inicia um processo de recuperação de certas lembranças da protagonista. A primeira delas refere-se à noite de núpcias do casal. Eles transam e, em seguida, adormecem. Pela manhã, quando ela acorda, Vadinho não se encontra na cama ao seu lado. Ele havia ido a um clube de jogos com os amigos. Ela faz de tudo para agradar o marido, mas ele não reconhece o seu esforço. Considerando-se o contexto político, histórico e cultural da situação, observa-se que Dona Flor enquadra-se no destino de mulher, já que fica confinada ao lar, cumprindo fielmente com o seu papel de esposa. Ela age em afinidade às normas existentes na sociedade regida pela ordem falocrática, e não reconhece que é vítima de um processo ideológico que a torna submissa e secundária em relação aos homens.
Florípedes age repetindo papéis impostos às mulheres pela sociedade patriarcal. Ela é professora de culinária, ganha um pequeno valor monetário em função disso, mas nem por isso tal profissão constitui-se numa possibilidade libertadora. Vadinho é compulsivamente viciado em jogos. Certo dia, ele solicita à esposa algum dinheiro para poder jogar no cassino. Na situação, ela se recusa a dar-lhe a quantia requerida. Enfurecido, ele bate nela, derruba-lhe no chão, chama-lhe de "puta" e rouba-lhe o seu dinheiro. Em tal ocasião, as suas amigas chegam para socorrê-la e lhe aconselham a se separar do marido. Ela, entretanto, ignora tal sugestão. Portanto, o comportamento da mulher em relação às normas existentes é de aceitação. Ela é mal-tratada pelo marido, e sua resposta é de conformismo no que diz respeito ao comportamento do homem. Além disso, não são raras as vezes em que Vadinho chega em casa embriagado, e Dona Flor o acolhe sem lhe dizer nada.
Às mulheres, ainda, não são conferidas possibilidades para que reflitam sobre a sua situação de marginalização. Não lhes são conferidos esclarecimentos acerca de sua condição de exclusão e de exploração, e isso não é por acaso: existe um componente estratégico de manipulação ideológica que as impossibilita de erguer qualquer questionamento que esteja na contramão da proposta falocêntrica. Como decorrência disso, elas desconhecem a si próprias a ponto de se rejeitarem ou mesmo de desencadearem uma relação autoritária de poder. Em Dona Flor e seus dois maridos, há duas classes de mulheres que são submissas pelas suas condições dentro da sociedade: as empregadas e as prostitutas. Tanto as primeiras quanto as segundas são duplamente humilhadas: seja pela sua condição sexual ou pela sua subordinação a outras mulheres, o que enfatizaria o preconceito contra o gênero, alimentando, pois, o sistema patriarcal.
Dona Flor não é empregada ou prostituta, mas em relação a Vadinho ela é tratada como se fosse. Ela aceita os papéis impostos pela sociedade patriarcal. Na verdade, não seria uma questão de escolha ou de aceitação, mas uma internalização inconsciente daquelas marcas que definem o perfil da mulher que a sociedade aceita e exige ter. Nesse sentido, Flor está de acordo com aquelas normas convencionais que a fazem repetir o destino de mulher: ela procura agradar o marido, o espera com a casa limpa e em ordem, busca preparar sua comida preferida, cobre às vezes seus gastos e, mesmo assim, é acomodada frente às agressões de Vadinho. O casamento, nesse particular, é uma estratégia cujo intuito aloja-se na tentativa de aprisionamento da mulher em regras de condutas sociais. Essa ordem é importante conquanto define o lugar e os papéis que os homens devem ocupar, justamente para garantir a sua imagem frente a um esquema de comportamento que tem subjacente um princípio autoritário de relações.
Mesmo após a morte de Vadinho, Dona Flor cumpre fielmente com o seu papel de mulher. Ela fica de luto por um longo tempo, leva flores ao cemitério onde o marido foi sepultado e não se envolve com nenhum homem. A situação transcorre dessa maneira até o dia em que Teodoro manifesta interesse por ela. O farmacêutico tem qualidades contrárias às de Vadinho: ele é honesto, trabalhador, culto, de bons princípios, mas também puritano. O pedido de casamento ocorre dentro dos moldes patriarcais: o novo pretendente, numa reunião de família com vários amigos de ambas as partes servindo de testemunhas, solicita a Rosilda, mãe de Flor, a filha em matrimônio. Nesse caso, o respeito à mãe é um indício de que há uma fidelidade ao heterossexismo. De qualquer modo, o pedido de casamento é aceito.
A cerimônia também ocorre dentro dos paradigmas patriarcais. O casal é abençoado pelo padre na igreja e, depois disso, eles vão passar a noite a sós num motel. Teodoro é carinhoso com Dona Flor, mantém relações sexuais com a então esposa e jura fidelidade a ela, assim como essa jura fidelidade eterna ao novo marido. A sociedade que vigia o casal, bem como as pessoas em geral, aprovam a relação dos dois, considerando-os exemplos vivos da união abençoada por Deus e pelos homens. Não obstante, Dona Flor, certo dia, confessa ao padre que, embora ela esteja bem, ela sente algum tipo de agonia inexplicável. Em outros termos, tanto Teodoro quanto Dona Flor cumprem os preceitos de boas condutas sociais, refletindo a imagem de que são completamente felizes. Não que não sejam; entretanto, Florípedes sente uma certa carência que, na verdade, se justifica pela não satisfação plena do prazer sexual com o atual marido. É justamente esse detalhe que concorre para que a protagonista venha a apresentar um comportamento que não está de acordo com os preceitos ideológicos patriarcais e heterossexistas.
Frente a tal situação de carência, Dona Flor evoca o retorno de Vadinho. Embora ela afirme tê-lo chamado apenas para uma conversa, não é essa, na verdade, a sua intenção. O ex-marido tem consciência dos seus reais interesses. Com a sua aparição, Florípedes fica dividida entre manter-se fiel a Teodoro e saciar seu desejo sexual com Vadinho. Ela opta por respeitar o marido, solicitando, inclusive, que façam um trabalho para afastar o espírito do antigo esposo de sua vida. Entretanto, no instante em que Waldomiro começa a acariciar e a seduzir Dona Flor, ele, como resultado da magia encomendada, desaparece, o que contribui para o desespero da ex-esposa. Depois de alguns minutos, em decorrência de sua invocação, ele retorna e os dois desfrutam as delícias do ato sexual. Um detalhe importante que faz com que Flor aceite Vadinho de volta a sua vida diz respeito à forma como ela é tratada no ato sexual. Diferentemente de Teodoro, para quem a única zona de prazer legítimo é o genital, Vadinho concebe todo o corpo da mulher como espaço erótico. Assim, os dois desafiam o projeto patriarcal, o qual vai contra o erotismo dos corpos e se centra unicamente nos genitais conjugados para fins de procriação.
Dona Flor e seus dois maridos apresenta elementos queer, não obstante o balanço final seja a preponderância da ideologia patriarcal. Waldomiro tem um comportamento subversivo ao sistema. Como se observou, ele é casado, mas não cumpre com as premissas heterossexistas. Ele não é um exemplo de marido que a sociedade espera ter. No filme, suas atitudes cômicas e bizarras são manifestações práticas de que o patriarcalismo deve ser ridicularizado. O comportamento de Dona Flor é oscilatório: ao mesmo tempo em que ela cumpre com o papel de mulher, sendo submissa às regras do sistema, ela também é subversiva conquanto reconhece que a obediência a tais normas não a torna completamente realizada. Assim, mediante a sociedade, ela é uma mulher regrada, mesmo estando com Teodoro e Vadinho, já que esse último não pode ser visto pelos demais seres humanos. Portanto, há uma tentativa de subversão do código patriarcal por parte do elemento feminino, mas não perante o olhar atento da sociedade.
Pelo que foi arrolado, o cinema interfere, direta ou indiretamente, na definição do comportamento social, já que faz parte do universo cultural da sociedade. O objetivo geral foi mostrar que Dona Flor e seus dois maridos - embora perturbe e se afaste, em certo sentido, da heteronormatividade, empreendendo, assim, um caminho até o queer - é um preponderante veículos de ideologias sexuais e de gênero que, em última instância, atendem às premissas patriarcais. Assim, Florípedes é uma mulher casada que age repetindo os papéis impostos numa sociedade conservadora e patriarcal. Com a morte de seu primeiro cônjuge, Vadinho, de quem sofria todo tipo de abuso e desrespeito, ela se casa com Teodoro, homem cujo comportamento é o oposto do ex-marido. Parcialmente insatisfeita com esse último, ela evoca o retorno do falecido para saciá-la sexualmente. Ela transgride o heteronormativo, uma vez que a sociedade não admite a poligamia, mas ela cumpre com seu papel de mulher, porque, aos olhos da sociedade, ela tem apenas um marido. Em outros termos, apesar das subversões, o filme projeta a imagem de uma mulher que obedece às condutas patriarcais e heterossexistas. O cinema nacional, nessa perspectiva, permanece conservador, nutrindo a preponderância do comportamento machista sobre o comportamento feminino.


REFERÊNCIAS:

Filmografia:

Dona Flor e seus dois maridos. Direção de Bruno Barreto. Manaus: Videolar S. A. (Sob licença da Paramount Home Entertainment [Brazil] Ltda), 1976.

Bibliografia:

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
FOSTER, David William. Gender and Society in Contemporary Brazilian Cinema. Austin: University of Texas Press, 1999.
____. Producción cultural e identidades homoeróticas: teoría y aplicaciones. San José: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 2000.
____. Consideraciones sobre el estudio de la heteronormatividade en la literatura latinoamericana. Letras: literatura e autoritarismo, Santa Maria, n. 22, jan.-jun., 2001.
____. Queer Issues in Contemporary Latin American Cinema. Austin: University of Texas Press, 2003.
LEITE, Sidney Ferreira. Cinema brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcalismo, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

1Doutorando em Letras (UFSM). Bolsista CAPES.
2Cf. LEITE, Sidney Ferreira. Cinema brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 48.
3Talvez um dos livros mais incisivos a tratar de questões relativas a gênero e à identidade sexual no cinema brasileiro seja FOSTER, David William. Gender and Society in Contemporary Brazilian Cinema. Austin: University of Texas Press, 1999.
4 PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
5 Cf. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcalismo, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
6FOSTER, David William. Consideraciones sobre el estudio de la heteronormatividade en la literatura latinoamericana. Letras: literatura e autoritarismo, Santa Maria, n. 22, jan.-jun., 2001.
7 FOSTER, David William. Producción cultural e identidades homoeróticas: teoría y aplicaciones. San José: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 2000. p. 19-21.
8FOSTER, David William. Queer Issues in Contemporary Latin American Cinema. Austin: University of Texas Press, 2003. p. 1-18.
9 Cf. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

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